Ausência de políticas públicas contribui para professores desistirem da profissão

Achatamento da carreira com novo piso salarial e falta de status são problemas recorrentes em todo o Brasil; Rio é o único que não aprovou o Plano Estadual de Educação

Por Bibiana Maia | ODS 4 • Publicada em 29 de dezembro de 2023 - 11:24 • Atualizada em 7 de janeiro de 2024 - 15:46

Achatamento salarial com novo piso salarial e falta de status da carreira são problemas recorrentes dos professores em todo o Brasil (Arte: Juliana Lima/Utopika)

O desânimo com a carreira, que levou 14.105 professores a desistir da sala de aula na rede estadual do Rio de Janeiro, não é um problema exclusivo do estado. O dado de 2012 a 2022, obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI), reforça o que aparece na pesquisa “Futuro da docência”, da rede Conectando Saberes, lançada este ano. Profissionais das redes estaduais e municipais, em todas as regiões, relatam problemas semelhantes. Um dos grandes problemas, junto à falta de prestígio, é o piso salarial nacional, que vem sendo aplicado como um teto de remuneração, através de gratificações. O processo provoca um achatamento da carreira, por não ser aplicado como remuneração inicial nos planos de carreira estadual e municipais.

Leu essa? Desmotivados com a carreira, professores abandonam a sala de aula

A ausência de políticas públicas contribui para este contexto. O Rio de Janeiro, por exemplo, é o único estado que não aprovou o Plano Estadual de Educação para o período de 2014 a 2024, e tem rotatividade de gestores à frente da Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC). Entre 2012 e 2022 foram oito secretários. No Governo Federal, apesar da importância do tema, o Ministério da Educação informou, através da Secretaria de Educação Básica, via LAI, que não tem dados nacionais sobre abandono de professores das redes públicas estaduais.

Não é uma profissão que atualmente é socialmente vista como algo importante. Inclusive, nos últimos tempos, passou por diversos períodos de difamação. Perdeu ainda mais esse status social. Então tem essa carga também de os professores muitas vezes serem vistos como o problema, os vilões da educação

Karina Carrasqueira
Professora e pós-doutoranda em Sociologia da Educação

Além dos 15 professores do Rio de Janeiro ouvidos na primeira parte desta reportagem, conversamos com outros cinco docentes das cinco regiões do Brasil de redes municipais e estaduais. Questões ligadas à rotina e motivação são o principal motivo para que o profissional desista, segundo pesquisa da Rede Conectando Saberes. A maioria dos educadores ouvidos (61,2%) avalia que os salários e planos de carreiras não são adequados em relação aos desafios enfrentados em sala de aula.

“A carreira não é atrativa. Principalmente pela questão salarial e também pela questão do plano de carreira. Muitas redes de ensino não pagam o piso salarial dos professores e, no plano de carreira, existe um achatamento. Para eles chegarem no teto, ou seja, no valor máximo de remuneração dentro da profissão, o professor fica 15, 20 anos. Geralmente, eles só alcançam essa posição no final da carreira”, comenta o coordenador da pesquisa, Cristiano Ferraz.

A pesquisa da Conectando Saberes indica ainda que existe uma perda de status e os professores desejam que a formação continuada seja atrelada à progressão da carreira. O resultado condiz com o que Karina Carrasqueira, pós-doutoranda em Sociologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), observou em sua pesquisa na rede municipal do Rio de Janeiro. O salário não compensa a carga e as condições de trabalho e a pressão para cumprir metas. Soma-se a isto a falta de um prestígio social.

“Não é uma profissão que atualmente é socialmente vista como algo importante. Inclusive, nos últimos tempos, passou por diversos períodos de difamação. Perdeu ainda mais esse status social. Então tem essa carga também de os professores muitas vezes serem vistos como o problema, os vilões da educação”, avalia Carrasqueira.

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Carrasqueira, que também é professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ainda avalia que o Novo Ensino Médio, que provocou uma reforma na grade escolar, também colaborou para a inadequação docente, quando profissionais são alocados para dar aulas em disciplinas para as quais não foram formados. Este é o terceiro motivo para o profissional abandonar a carreira, segundo a Rede Conectas. Ela dá o exemplo de um professor de sociologia que, ao ver a disciplina ter sua carga horária reduzida, precisa dar outra aula, como projeto de vida, para o qual não se preparou:

“Isso é um pouco problemático no sentido de que, se você não sabe sobre o que você está dando a sua aula, isso pode ser bastante angustiante. Principalmente, se você acha que a sua disciplina era importante e de repente ela foi tirada”.

O futuro da profissão é incerto. De acordo com a pesquisa “Risco de apagão de professores no Brasil”, do Instituto Semesp, divulgada em 2022, o déficit de professores na educação básica pode chegar a 235 mil em 2040. Uma outra pesquisa, “Profissão docente”, realizada em 2018 pelo Ibope Inteligência e pela organização Todos Pela Educação, mostrou que 49% dos professores do Brasil não recomenda a carreira docente. Tudo indica que estes e outros motivos combinados podem levar o país a um apagão na educação.

Plano de carreira de professores é um caminho longo, difícil e complexo (Arte: Juliana Lima/Utopika)
Plano de carreira de professores é um caminho longo, difícil e complexo (Arte: Juliana Lima/Utopika)

Política impacta na desistência da profissão

O Rio de Janeiro enfrenta muitos desafios quando o tema é política e educação. Entre 2012 e 2022, o estado teve oito secretários de educação, uma média de pouco mais de um ano e dois meses de gestão para cada um. Um deles chegou a ser preso, Pedro Fernandes, na época do PSC, em 2020. Ele foi acusado de corrupção.

O economista Wilson Rosolia foi quem permaneceu por mais tempo no cargo, um total de quatro anos, sendo dois anos de gestão entre 2012 e 2022. No segundo mandato do atual governador Claudio Castro (PL), a pasta já está em sua segunda titular. Patricia Reis iniciou o governo e foi substituída por Roberta Barreto, em março deste ano.

Além do troca-troca à frente da pasta, o Rio só teve até hoje um Plano Estadual de Educação (PEE), aprovado em 2009 pela Lei 5.597/2009 e foi o único do país que não aprovou um novo plano para o período de 2014/2024. O documento é importante para a elaboração e monitoramento de políticas públicas e uma nova versão deveria ter sido aprovada até 2015, após a instituição do Plano Nacional de Educação (PNE), que está em vigor ​​para o decênio 2014/2024, instituído pela Lei nº 13.005/2014. O problema é que o tema ficou apenas no debate e nunca foi votado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

O novo PEE deveria ser elaborado a partir do PNE, que definiu dez diretrizes que devem guiar a educação brasileira. Em 2022, o governador Claudio Castro (PL) enviou para a Alerj o projeto de lei do plano que deveria ficar em vigor de 2019 a 2023, respeitando o prazo para o fim do decênio do PNE. Mas a assembleia nunca votou o projeto. Dos 70 deputados atualmente na casa, 45 deles são da coligação que elegeu Castro, sendo 18 do seu partido. Este ano, a presidência da Comissão de Educação da Alerj foi assumida pelo deputado Alan Lopes, que também é do partido do governador.

Nós temos um plano que, entre outras coisas, prevê um diferenciamento entre os níveis. São nove níveis, com a diferença de 12% no salário de um para o outro. Quando o governo coloca o abono, ao invés de dar o reajuste no piso inicial, e aí garantir os 12% entre os níveis para todo mundo, ele ataca de forma violenta o plano de cargos e salários

Helenita Beserra
Coordenadora do Sepe

O estado do Rio de Janeiro também não aderiu à Rede de Assistência Técnica para Monitoramento e Avaliação dos Planos de Educação do Governo Federal, ao lado apenas de Minas Gerais. Agora, um novo PNE está sendo debatido pelo Governo Federal para a próxima década. Isto significa que o Plano Estadual de Educação do Rio de Janeiro, que vinha sendo debatido na última década, ficará obsoleto e um novo plano terá que ser discutido e aprovado.

O ano de 2023 também foi marcado por uma conturbada relação entre o Sindicato dos Professores do Estado do Rio de Janeiro (Sepe) dos professores e o Governo do Estado. Em maio, a categoria começou uma greve que durou 50 dias e acabou por ser considerada ilegal pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Entre as reivindicações, o reajuste nos salários foi uma das principais bandeiras. Mas o histórico de greves não é de hoje. De 2012 a 2022, o sindicato mobilizou pelo menos seis greve por melhores salários e condições de trabalho. Na pandemia, em 2020, chegou a fazer uma “greve pela vida”, contra a retomada das aulas antes da vacinação contra a Covid-19.

Durante a greve deste ano, o Sepe alegou que o estado descumpria o piso nacional e ainda pagava a pior remuneração do país. Em janeiro, o MEC reajustou em 15% o piso nacional, chegando a R$ 4.420,55 para uma jornada de 40 horas. Até dezembro do ano passado, o Rio aplicava um piso de R$ 1.333,24 para um professor de referência 3 com carga horária de 16 horas.

Segundo a Seeduc, durante a gestão do governador Claudio Castro, que começou em maio de 2021 com o impeachment de Wilson Witzel, “já foi investido R$ 1 bilhão em benefícios para os profissionais do magistério. Também foi concedido 20% de recomposição para todos os servidores, nos últimos dois anos, além de ter colocado os salários em dia”. A nota diz ainda que foi realizado o reajuste na remuneração de 36 mil professores da ativa, aposentados e pensionistas. Dessa forma, o valor do piso nacional de R$ 4.420 para uma jornada de 40h semanais teria sido aplicado, proporcionalmente, a todas as carreiras do magistério. No entanto, a própria secretaria informa que existem 53 mil professores na rede, entre concursados e temporários.

O órgão também informou que houve um reajuste nos triênios – adicional por tempo de serviço – dos servidores contemplados e que a remuneração teve um impacto anual de R$ 150 milhões na folha da educação. E que, com a medida, nenhum professor da rede hoje recebe menos do que o piso nacional do magistério. Mas o Sepe não concorda com esta afirmação. O governo teria mudado as matrículas de 16h para 18h e colocado gratificações para poder atingir o piso nacional, mas isto afeta o plano de cargos e salários da progressão de carreira.

“Nós temos um plano que, entre outras coisas, prevê um diferenciamento entre os níveis. São nove níveis, com a diferença de 12% [no salário] de um para o outro. Quando o governo coloca o abono, ao invés de dar o reajuste no piso inicial, e aí garantir os 12% entre os níveis para todo mundo, ele ataca de forma violenta o plano de cargos e salários”, explicou Helenita Beserra, coordenadora do SEPE.

Desta forma, o piso não estaria sendo considerado como salário inicial da carreira e sim o mínimo garantido a todos. Segundo o deputado estadual Flavio Serafini (PSOL) ex-presidente e membro da Comissão de Educação da Alerj, essa resposta do governo faz com que profissionais que ingressaram recentemente e também aqueles que estão há, por exemplo, dez anos, ganhem o mesmo valor e dependam de mais anos para conseguir o aumento do salário com a progressão na carreira. “Essa maneira que [o governo] está pagando o piso, faz com que o salário das pessoas fique congelado por cerca de dez anos. Até a pessoa ir fazendo as mudanças de nível, acumulando o triênio, acumulando progressão…”, analisa Serafini.

Com funciona o plano de carreira dos professores

A Lei 1619/1990, que define o plano de carreira dos professores da rede estadual do Rio de Janeiro, mostra que a carreira é dividida em classes, distribuídas em níveis, ordenados em referências numéricas. A classe Docente I é dos professores de ensino de 5ª a 8ª séries do 1º grau e o ensino de 2º grau e a de Docente II são aqueles do o ensino de 1ª a 4ª séries do 1º grau e a educação pré-escolar. Professores Docente I ainda são divididos em níveis pelas letras A, B, C, D, de acordo com escolaridade, desde curso de formação de professores a pós-graduação. Docente II compreende as letras C e D, de graduação a pós-graduação.

Para cada uma das letras, há diferenças de níveis por tempo de carreira. A letra A vai de 1 a 6, a B de 2 a 7, a C de 3 a 8, e a D de 4 a 9. Entre cada um dos níveis, a diferença é de cinco anos. Para chegar ao último, é necessário estar 25 anos na rede. Analisando os dados obtidos pela SEEDUC, via LAI, sobre as classes Docente I e II de carga horária de 16h, 22h, 30h, 22h, 25h, e 40h, é possível perceber uma mudança.

A partir do ano de 2019, mais profissionais chegaram às últimas faixas numéricas da carreira, que correspondem ao tempo de serviço. O ano de 2022 é o com a maior quantidade de profissionais Docente I, com 393, e Docente II com 2529. Outro ponto a se observar é que existe uma redução de profissionais nas faixas iniciais no mesmo ano, o que indicaria uma redução.

Desde 2014, a rede estadual não realiza concurso para esses cargos. Este ano, como parte do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado com o Ministério Público do Rio de Janeiro, ficou acordado que o governo deveria convocar 2 mil professores até agosto. Por conta dos concursos realizados em 2013 e 2014, ainda existe um cadastro de reserva de 12.076 professores. O TAC previa a elaboração de um novo concurso até outubro caso não seja possível preencher as vagas com este cadastro. Até o momento, não houve anúncio de concurso.

Governador anunciou novo abono

Na quinta-feira passada (21/12), o governador sancionou o abono Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), baseado em uma sobra de R$460 milhões, através da Lei Complementar 216/202, mas não estipula o valor e a data que será pago. Funcionando desde 2007, o Fundeb é um conjunto de 27 fundos (26 estaduais e 1 do Distrito Federal) que serve como mecanismo de redistribuição de recursos destinados à Educação Básica para diminuir a desigualdade entre as redes.

Desse recurso, 60% precisam ser usados para pagar os salários de professores da ativa. O montante também pode ser usado na remuneração de diretores, orientadores pedagógicos e funcionários, na formação continuada dos professores, no transporte escolar, na aquisição de equipamentos e material didático, na construção e manutenção das escolas.

O abono ainda não tem data para sair, mas a Seeduc chegou a planejar a compra, ainda este ano, de 1,7 milhões de livros paradidáticos, sendo um kit a R$800 a unidade e o montante total de R$ 618 milhões. Ainda que, em 2022, o Rio de Janeiro tenha recebido do governo federal 13 milhões de livros didáticos. A pasta faria a compra sem licitação, mas o deputado estadual Flávio Serafini (PSOL) fez uma denúncia junto ao Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público Estadual, o que suspendeu o processo.

Gastos com salários não acompanham crescimento do orçamento

Para Serafini, o abono demonstra que existe uma sobra no orçamento que poderia ser aplicado para melhora salarial dos professores. Ele ainda afirma que o governo não cumpre a lei de destinar uma parte dos royalties para a área, de investir 25% do orçamento e gastar todo o valor previsto no Fundeb na educação. “O governo tem dificuldade para investir esse dinheiro, então ano após ano tem uma sobra”.

Através de pedido de LAI, a Seeduc informou que não sabe detalhar os valores do orçamento gastos com o pagamento da remuneração apenas dos professores. Os valores disponíveis são quanto a todos os funcionários da secretaria. De qualquer forma, os dados obtidos sobre orçamento autorizado para a secretaria demonstram que existe uma queda da execução quanto à remuneração dos profissionais.

Enquanto em 2012 o valor representava 70,39% do montante, em 2022 esse número caiu para 53,31%, o número mais baixo do período analisado. Este também é o ano com o maior valor disponível de orçamento: R$ 7.120.135.083. Entre todos os anos da década, a maior porcentagem foi em 2014, com 75,98%.

 

Além disso, enquanto os valores do orçamento tiveram um crescimento, o investimento não acompanhou. O ano com maior crescimento do orçamento foi 2021, com 29,63%, enquanto o emprego da verba teve um aumento de 9,94%. No ano seguinte, o orçamento tem novo aumento de 15,66% enquanto o investimento na folha salarial cresce 11,51%.

Problemas se repetem em outras regiões

Por todo o país, os problemas observados no Rio de Janeiro se repetem. Em São Paulo, o professor José Zago, 32 anos, que dá aulas há dez na rede municipal, e também na rede estadual, comentou que estava usando seis adesivos para alívio de dores, por causa do estresse, e que torce para conseguir um emprego na rede particular e deixar a estadual. “Dos meus dez amigos que fizeram graduação comigo na história na USP, sete desistiram”.

Para ele, os últimos sete anos foram transformadores na educação, principalmente o pós-pandemia. Problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade, colaboram para que estudantes sejam mais agressivos. Ele também afirma que a inadequação docente gera ansiedade nos profissionais como ele, que também assumiu disciplinas como projeto de vida no Novo Ensino Médio: “Aquele professor que estava acostumado a dar aula de uma matéria tem se desdobrado em outras em outras tarefas”.

Eu não quero para ninguém essa profissão, muito menos para os meus filhos

Joice Maria Lam
Professora

No Centro-oeste, outros problemas se confirmam. Cristina Freire dos Santos Souza é pedagoga na rede municipal de Cristalina, em Goiás, há 15 anos na periferia da cidade. Ela relata que existe muita pressão por resultados e também não sente prestígio. “Às vezes, os pais até nos maltratam mesmo, falam coisas que a gente não devia ouvir. Somos profissionais, a gente merece respeito”. Outro fator desmotivador é o não cumprimento do piso salarial nacional e a falta de uma atualização do plano de cargos e salários que, segundo a professora, gera um desânimo.

No Nordeste, a infraestrutura é um dos problemas que se destacam. A professora Vanessa Martins, de 34 anos, da rede municipal de São Luís do Maranhão, diz que o calorão torna a aprendizagem impraticável. Para cumprir a carga horária, a pedagoga dá aulas em uma escola na zona rural, no bairro Coqueiro, e na Ilha de Itauamirim. No começo do mês, quando a lancha escolar quebrou, ela ficou três dias sem dar aulas esperando uma peça chegar de Manaus para realizar o conserto. Além da logística, ela critica o acesso ao material escolar:

“E quando vem, acaba se limitando às cartolinas, esses materiais mais básicos e a gente sabe que hoje é preciso ter uma gama maior. Por exemplo, aqui em São Luís, nós recebemos ano passado os chromebooks (notebooks) para os professores, mas infelizmente, a internet é ofertada nas escolas não é uma internet de qualidade. E aí, muitas vezes, a gente não consegue usar o wi-fi da escola e a nossa Internet algumas vezes não funciona”.

A poucos meses da aposentadoria, a professora Joice Maria Lam, de 51 anos, de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, também critica a falta de infraestrutura das escolas que, por exemplo, não estão preparadas para altas temperaturas como as vistas na onda de calor. Ela também reforça o desabafo da professora de Goiás. Lam comenta que a profissão precisa de um plano de carreira atraente para os jovens e critica os gestores que entendem piso salarial como teto. “Eu não quero para ninguém essa profissão, muito menos para os meus filhos”.

Em Rondônia, no Norte, Dalila Maite, 30 anos, professora há dez da rede municipal de Ji-Paraná, conta que, só no atual mandato, ela já viu sete secretários de educação assumirem a pasta. “Nós vivemos, constantemente, uma descontinuidade do ensino”. A pedagoga é mais um caso de docente que pretende abandonar a rede para ter uma remuneração melhor e fugir da superlotação nas salas de aula. Ela também é professora temporária no instituto federal da cidade, onde dá aulas de português para o ensino médio. O objetivo agora é virar efetiva.

Professores de todo o Brasil reclamam do achatamento do plano de carreira (Arte: Juliana Lima / Utopika)

Assim como no Rio de Janeiro, o plano de cargos e salários municipal também pode ficar comprometido com a equiparação do piso nacional. “Supervisores e orientadores [que recebem R$ 4200] não vão receber aumento. Vai equiparar o salário deles com um dos professores 40 horas. É uma coisa que gera assim muita revolta por parte desses profissionais”, conta.

Os relatos sobre o achatamento do plano de carreira, tanto no Rio como em outros estados, vão de encontro aos dados observados pela pesquisadora Andreza Barbosa, doutora em Educação, professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e membro da Rede Escola Pública e Universidade. Ela critica a forma que o estado cumpre o piso salarial nacional, com um abono que não é incorporado ao plano de carreira e à aposentadoria. Assim como o deputado Serafini comentou sobre o Rio de Janeiro, a forma como o piso é empregado hoje equipara o salário de um profissional iniciante ao que está há 15, 20 anos na rede. Este ano, o estado de São Paulo concedeu 5% de aumento, que não foi real.

“O que que aconteceu, quando entrou o aumento, reduziu a complementação do abono para alcançar o valor do piso salarial nacional. Ou seja, o professor recebeu, ao final do mês, exatamente o mesmo valor que ele recebia antes mesmo tendo o aumento”.

Desta forma, o salário inicial que poderia ser considerado alto não se perpetua com o tempo. O docente vai perdendo as gratificações. Além disso, a progressão de carreira é lenta. Existem “travas” que impedem que os docentes cheguem até os últimos níveis antes da aposentadoria. “Embora a carreira tivesse oito níveis, não tinha absolutamente nenhum professor no último estágio da carreira. Aliás, nem perto do último estágio. Os professores estavam ali mais ou menos no meio, no terceiro quarto, talvez”.

Governo Federal não tem dimensão sobre o problema

O Brasil não figura bem entre as pesquisas internacionais. No relatório Education at a Glance 2023, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país ocupa o 36º lugar entre 41 países, na frente apenas de Costa Rica, Colômbia, México e África do Sul. No Brasil, 57% dos adultos entre 25 e 64 anos concluíram o ensino médio, número bem abaixo da média da OCDE de 79%.

Quando o assunto é o domínio sobre matemática, leitura e ciências, o país, segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), está abaixo da média em todas as matérias. Em matemática, o país atingiu a pontuação de 379 enquanto a média foi 480. Em leitura, foi 410 contra 482. Por fim, na área de ciência, o país atingiu 403, enquanto a média foi de 490.

No quesito investimentos, segundo o Education at a Glance, o Brasil é o terceiro pior, ficando à frente do México (US$ 2.702) e da África do Sul (US$ 3.085). O país investe US$ 3.583 dólares (cerca de R$ 17.300) anuais por aluno da educação básica, enquanto a média da OCDE é de US$ 10.949.

O Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Básica, respondeu aos pedidos via LAI que não tem dados sobre a permanência e desistência de professores das redes estaduais em um contexto nacional. Apesar de ser questionado pela importância de dados para a elaboração de políticas públicas para enfrentar o problema, o órgão respondeu que seria necessário criar um pedido de LAI para cada um dos estados e o distrito federal e assim fazer um levantamento para ter acesso a números nacionais no assunto.

Procurados, secretária e deputado preferem o silêncio

Há mais de um mês, desde o dia 21 de novembro, o #Colabora tenta uma entrevista, sem sucesso, com o deputado estadual Alan Lopes (PL) , presidente da Comissão Estadual de Educação da Alerj. No mesmo dia, a Seeduc também foi procurada para uma entrevista com a secretária Roberta Barreto. Ambos não quiseram conversar com a reportagem. A pedido da secretaroa, foram enviadas, no dia 14 de dezembro, 17 perguntas que seriam feitas para a secretária, mas não houve interesse da gestora em conversar com o #Colabora, mesmo com o adiamento da publicação da segunda reportagem. A Seeduc também não enviou nota sobre nenhum desses pontos questionados.

Na primeira reportagem desta investigação, mostramos dados e relatos sobre exoneração e abandono do cargo, e os motivos que levam os professores a desistir da rede estadual do Rio de Janeiro.

(*) Esta pauta foi selecionada pelo 5.º Edital de Jornalismo de Educação, iniciativa do Itaú Social e da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)

Bibiana Maia

Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.

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