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A recuperação do Museu Nacional e a elite azeda do Brasil

País gasta bilhões com subsídios a empresas mas ainda faltam R$ 95 milhões para a reconstrução da sede no Palácio de São Cristóvão

ODS 4 • Publicada em 10 de setembro de 2024 - 10:22 • Atualizada em 10 de setembro de 2024 - 11:55

Neste setembro de tanto fogo e fumaça, completaram-se seis anos do devastador incêndio do Museu Nacional, que transformou em cinzas quase 90% dos 20 milhões de itens guardados no Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e levou o luto a todos os brasileiros com apreço pela ciência, pela história e pelo patrimônio cultural do país. As obras de recuperação, orçadas em quase R$ 500 milhões, estão em andamento, mas, até aqui, apenas duas empresas – a Vale e o Bradesco – coçaram os bolsos para financiar o trabalho; grande parte do dinheiro tem saído do BNDES e do orçamento do governo, inclusive de emendas parlamentares.

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Mas o Museu Nacional – considerado, antes do incêndio, o maior museu de história natural da América Latina – chegou a este começo de setembro ainda precisando de R$ 95 milhões para fechar as contas de todas as obras previstas. A verba é necessária para a conclusão da reforma do palácio histórico – que foi a residência da família imperial brasileira e, desde 1892, abrigava o museu – e garantir a reabertura à visitação em abril de 2026, como está previsto.

O Museu Nacional com a fachada recuperada: ainda faltam R$ 95 milhões para a reconstrução interna da sede no Palácio de São Cristóvão (Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil)
O Museu Nacional com a fachada recuperada: ainda faltam R$ 95 milhões para a reconstrução interna da sede no Palácio de São Cristóvão (Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil)

Ao fazer o apelo por novas doações para o término da reforma, o diretor do Museu Nacional, Alexandre Kellner, lembrou que, no fim de 2023, foi incluída na Lei Rouanet – que incentiva doações para incentivo à cultura – a captação de R$ 90 milhões para o projeto de recuperação. Ou seja, já que as empresas brasileiras não se mexeram para ajudar na obra por interesse pelo patrimônio científico, histórico e cultural do país, pelo menos podem destinar parte da verba dos impostos para o Museu Nacional.

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Por uma dessas coincidências da vida nacional, na mesma semana em que o andamento da recuperação mostrava a falta de apreço do nosso empresariado pelas coisas do Brasil, o governo enviava ao Congresso sua proposta de orçamento para 2025, sob críticas dos chamados “agentes econômicos” por prever aumento nas despesas a ser compensado pelo crescimento da receita com a redução do gasto tributário – que são incentivos fiscais dados a empresas, principalmente, e também a pessoas físicas.

O Palácio de São Cristóvão em recuperação: empresas são beneficiadas com bilhões em renúncias fiscais mas é difícil conseguir financiamento empresarial para as obras do Museu Nacional (Foto: Felipe Cohen / Projeto Museu Nacional Vive - 29/06/2023)
O Palácio de São Cristóvão em recuperação: empresas são beneficiadas com bilhões em renúncias fiscais mas é difícil conseguir financiamento empresarial para as obras do Museu Nacional (Foto: Felipe Cohen / Projeto Museu Nacional Vive – 29/06/2023)

O empresário brasileiro adora o estado e detesta pagar imposto. Por isso, seus porta-vozes no Legislativo e na mídia atacam o governo; defendem cortes na despesas – na Previdência, nos gastos sociais, no serviço público. “O problema dos gastos no Brasil não é o pobre no orçamento. São os privilégios dos ricos que precisam ser checados ponto a ponto nos gastos tributários”, disse a insuspeita ministra do Planejamento, Simone Tebet, que não pode ser chamada de esquerdista, ao apresentar a proposta orçamentária. O custo das renúncias fiscais para subsídios diversos ao empresariado nacional passa dos R$ 500 BILHÕES: são “os privilégios dos ricos”, que a ministra citou.

Essa discussão sobre o orçamento também envolve a desoneração da folha de pagamento – um outro benefício às empresas, inventado lá no Governo Dilma e que deveria terminar em 2021. São17 setores em que a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento é substituída por um percentual do faturamento. Por ano, são 20 BILHÕES de subsídio às empresas desses setores: confecção e vestuário; calçados; construção; call center; comunicação; obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação; tecnologia de comunicação; projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas. O barulho feito por essa parcela do empresariado e seus porta-vozes vem protelando o fim deste privilégio, sempre ameaçando com desemprego e desinvestimento.

Mas esta coluna é sobre a recuperação do Museu Nacional, patrimônio do Rio de Janeiro e do Brasil – portanto, é preciso repetir que nenhuma das empresas destes 17 setores ainda não deu um centavo para as obras de reforma: quem sabe, agora, com a inclusão na Lei Rouanet e a possibilidade de abatimento de imposto, elas não abrem seus cofres.

A própria história do palácio em recuperação revela a elite brasileira. A mansão foi um presente para a família real portuguesa, em 1808, de um comerciante de escravos com outros negócios também facilitados pela sua proximidade com a corte portuguesa. O Império do Brasil – governado por Pedro I e Pedro II, moradores do palacete – foi sustentado sempre pelo latifúndio e pela mão de obra escrava. Boa parte da elite do segundo reinado só aderiu à causa republicana e apoiou o golpe que destronou Pedro II por sua insatisfação com a abolição da escravatura.

Estudantes na abertura da Estação Museu Nacional: espaço permanente, vizinho à sede na Quinta da Boa Vista, para contato de alunos com o acervo da instituição (Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil - 29/08/2024)
Estudantes na abertura da Estação Museu Nacional: espaço permanente, vizinho à sede na Quinta da Boa Vista, para contato de alunos com o acervo da instituição (Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil – 29/08/2024)

Mas o Museu Nacional vive e o Palácio São Cristóvão está na fase final de recuperação. Em área próximo, dentro da Quinta da Boa Vista, acaba de ser inaugurada a Estação Museu Nacional, espaço permanente para contato de estudantes com o acervo da instituição: fósseis, representação de dinossauros, espécies de pequenos animais, borboletas, artigos indígenas, símbolos do folclore e da cultura brasileira e itens do Egito Antigo. A Estação Museu Nacional – que tem patrocínio da Rede D’Or – reúne doações recebidas depois do incêndio e itens recuperados, como o Amuleto da Cantora de Amon, sacerdotisa que viveu há mais de 2,7 mil anos onde hoje é a cidade egípcia de Luxor.

A trajetória de recuperação não foi fácil. Logo depois do incêndio, ainda em setembro de 2018, um certo candidato a presidente comentou sobre a destruição do acerto do Museu Nacional. “E daí? Já está feito. Já pegou fogo. Quer que faça o quê? Meu nome é Messias, mas não tenho como fazer milagres”. Em 2021, chegou a haver um movimento no governo para desalojar o museu e transformar o palácio no Rio de Janeiro em outro espaço dedicado à família real brasileira – já há um Museu Imperial em Petrópolis. As palavras do professor Darcy Ribeiro, para quem o país tem “uma elite patronal e patricial, notoriamente corrupta, irresponsável e infecunda”, não devem ser esquecidas: “o Brasil tem uma classe dominante ranzinza, azeda, medíocre, cobiçosa, que não deixa o país ir pra frente”.

Mas o Museu Nacional nunca parou mesmo após o incêndio: seus pesquisadores continuaram a trabalhar, pesquisas avançaram, alunos apresentaram duas dissertações e teses. A recuperação do acervo e do prédio progrediu com recursos do BNDES, do orçamento público e das duas empresas. As intervenções de reconstrução, iniciadas ainda em 2018, começaram pelas fachadas, coberturas e esquadrias. Com esta fase concluída, a reforma da área interna – com o projeto já aprovado pelo Iphan – deve começar ainda este ano. Agora é torcer para que os tais “agentes econômicos” – especialmente aqueles beneficiados pelos bilhões das renúncias fiscais – apareçam com os milhões que faltam para o Museu Nacional reabrir.

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2 comentários “A recuperação do Museu Nacional e a elite azeda do Brasil

  1. LUIZ GUSTAVO DOS SANTOS CHRISPINO disse:

    Um artigo com apenas um erro crasso.
    “O Império do Brasil – governado por Pedro I e Pedro II, moradores do palacete – foi sustentado sempre pelo latifúndio e pela mão de obra escrava.”
    Realmente a Mão de Obrsa no Brasil, era a escrava desde os idos do fim do século XVI, passado o períoido colonial, Reino Unido, esta excresência não foi eliminada, mas, não pelo desejo da FAMÍLIA IMPERIAL e sim pelos POLÍTICOS da época que eram sem os grandes Latifundiários do país, vivendo da exploração da Cana, Café, Algodão, Erva-Mate e utilizando sim a mão de obra negra escrava,
    Cabe apenas lembrar que durante todo o reinado de Pedro II, não haviam escravos em nenhuma propriedade da família imperial, haviam trabalhadores livres alforiados por D. Pedro II.
    Outra situação a ser corrigida é sobre o sustento da Família Imperial, que nunca foi as custas de latifúndios ou Latifundiários e sim dos proventos que o Imperador recebia do Erário Público. O salário de Dom Pedro II, imperador do Brasil entre 1840 e 1889, era de 800 contos de réis por ano, valor que permaneceu congelado durante todo o seu reinado. Esse valor representava cerca de 5% do orçamento do império e equivalia a cerca de 90 milhões de reais. De todo o valor do salário do imperador, 130 contos eram destinados a fins de assistência aos necessitados, como pensões a estudantes e donativos, além de compra de alforria de escravos que trabalhassem nas propriedades da Família Imperial.
    Deixo aqui essas pequenas observações sobre esses equívocos, que normalmente ocorrem com pessoas que não possuem certa intimidade com a História Imperial do Brasil e acabam levando em consideração apenas o que, parte da literatura didática da História apresenta e de forma deturpada, errônea e tendenciosa, ou como diz o atual presidente do país, com NARRATIVAS, em vez da REALIDADE dos fatos.

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