Yanomamis: governo Bolsonaro ignorou denúncias e pedidos de socorro

Para MPF, grave situação de saúde e segurança alimentar dos indígenas "resulta da omissão do Estado em assegurar a proteção de suas terras"

Por Oscar Valporto | ODS 16ODS 3 • Publicada em 24 de janeiro de 2023 - 10:48 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:41

Área de garimpo às margens do Rio Uraricoera, dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima: denúncias de invasão e pedidos de socorro ignorados pelo governo Bolsonaro (Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real – 20/07/2022)

Desde 2019, o Ministério Público Federal promoveu, pelo menos, 14 iniciativas para denunciar a invasão da Terra Indígena Yanomami, em Roraima, e as ameaças à saúde e à segurança dos indígenas. A invasão do garimpo ilegal em TI Yanomami foi denunciada pelo menos 21 vezes à justiça, federal e estadual, através de medidas feitas pela Apib (Associação dos Povos Indígenas do Brasil), Coiab (Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e outras organizações indígenas. Todas as denúncias e pedidos de socorro foram ignorados pelo governo Bolsonaro.

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Em nota divulgada nesta segunda-feira (23/01), quatro procuradores do Ministério Público Federal com atuação em Roraima listando providências sobre “o crescimento alarmante do número de garimpeiros” dentro da terra indígena. “No entendimento do Ministério Público Federal a grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelo povo yanomami, entre outros, resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras”, afirma a nota assinada pelos procuradores Eliana Peres Torelly de Carvalho, Ana Borges Coelho Santos, Francisco Xavier Pinheiro Filho e Alisson Marugal.

A apuração identificou graves irregularidades no recebimento, cadastramento e distribuição de fármacos contratados, resultando no desabastecimento farmacêutico generalizado das unidades de saúde da TI Yanomami

Ministério Público Federal
Nota Pública

Os procuradores lembram que a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF buscou, desde 2019, promover a articulação dos diversos órgãos envolvidos na questão para implementação das Bases de Proteção Etnoambiental (Bapes) e outras medidas necessárias à proteção dos povos Yanomami, Yekuana e outros em situação de isolamento voluntário que habitam a TI Yanomami. “A 6ªCCR realizou diligências na TI Yanomami e em Boa Vista que incluíram reuniões com a Funai, Polícia Federal, Sesai, Exército e lideranças indígenas, no intuito de unificar a atuação dos órgãos federais e emitir relatório com encaminhamentos para ampliar a repressão ao garimpo ilegal e para garantir melhorias no atendimento de saúde das comunidades”, destaca a nota do MPF.

No fim de 2019, a Procuradoria da República em Roraima ajuizou ação de cumprimento de sentença visando a instalação de três Bapes da
Funai em pontos estratégicos da Terra Indígena Yanomami, com vistas à asfixia logística do garimpo. As bases nunca foram instaladas. “Além dos danos à saúde e segurança alimentar aos povos Yanomami e Ye’kuana, a atividade garimpeira ameaça povos em situação de isolamento que também habitam a TI Yanomami”, ressalta o MPF.

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Com a pandemia, os procuradores ingressaram com ação civil pública para obrigar União, Funai, Ibama e ICMBio a “apresentar plano emergencial de ações e respectivo cronograma, para monitoramento territorial efetivo da Terra Indígena Yanomami, combate a ilícitos ambientais e extrusão de infratores ambientais”.

Em 2021, o MPF editou a recomendação orientando a reestruturação da assistência básica de saúde prestada aos povos da Terra Indígena Yanomami (TIY) encaminhada aos órgãos do Ministério da Saúde responsáveis pelos indígenas. “O MPF recomendou à Sesai e ao DSEI Yanomami a reformulação de seu planejamento institucional, a contratação de mais profissionais de saúde para as áreas estratégicas e o desenvolvimento de planos de ação para os principais agravos de saúde verificados na TIY, com foco especial para o combate às causas de mortalidade infantil, malária e subnutrição”, frisa a nota.

Eu conversei pessoalmente com o vice-presidente Hamilton Mourão para tomar as providências mais urgentes e retirar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. Não aconteceu nada e não foram tomadas as providências

Dario Kopenawa
Vice-presidente da Hutukara

O documento também lembra que, em julho de 2022, o MPF promoveu inspeção na Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF) do DSEI Yanomami e “constatou, entre outros achados, que a empresa contratada para fornecer o vermífugo albendazol entregou o fármaco em quantitativo bastante inferior ao que constava em nota fiscal”. A partir desta inspeção, foi instaurado inquérito pela Procuradoria da República em Roraima, para aprofundamento das investigações. “A apuração identificou graves irregularidades no recebimento, cadastramento e distribuição de fármacos contratados, resultando no desabastecimento farmacêutico generalizado das unidades de saúde da TI Yanomami”.

A 6CCR atua no caso por delegação do procurador-geral da República, Augusto Aras. Por mais de uma vez, o órgão do MPF afirmou que as ações governamentais destinadas à retirada dos invasores da Terra Indígena Yanomami eram “insuficientes, com efeitos localizados e temporários”. Em dezembro de 2022, o MPF também alertou para o descumprimento de ordens judiciais expedidas pelo STF, TRF1 e Justiça Federal de Roraima.

Pedidos de providências ignorados

Também nesta segunda-feira, a ABIP veio a público para novamente divulga o relatório da Hutukara Associação Yanomami, lançado em abril de 2022, para denunciar que o território vivia o pior momento de invasão garimpeira desde que foi demarcado, há 30 anos. Na ocasião, o então vice-presidente, general Hamilton Mourão, chegou a dizer que os dados sobre o garimpo ilegal eram “fantasiosos”. Presidente do Conselho da Amazônia por mais de dois, o hoje senador eleito foi alertado outras vezes. “Eu conversei pessoalmente com o vice-presidente Hamilton Mourão para tomar as providências mais urgentes e retirar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomami. Não aconteceu nada e não foram tomadas as providências”, afirmou Dario Kopenawa, vice-presidente da Hutukara. em entrevista ao Jornal da Globo na madrugada desta terça (24/01)

Segundo dados do relatório ‘Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo’, em 2021 o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com o ano anterior. Em 2020, já havia sido registrado um salto de 30% em relação ao período anterior. De 2016 a 2020, o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3.350%, ressalta o estudo da Hutukara.

Ainda de acordo com o documento, o número de comunidades afetadas diretamente pelo garimpo ilegal soma 273, abrangendo mais de 16 mil pessoas, ou seja, 56% da população total. Existem mais de 350 comunidades indígenas na Terra Indígena, com uma população de aproximadamente 29 mil pessoas. Na entrevista ao Jornal da Globo, Dario Kopenawa disse que a pandemia trouxe “mais doença, mais violência e mais mortes”.

Para a Apib, a morosidade do governo Bolsonaro em responder aos inúmeros pedidos de socorro gerou o estado crítico em que as comunidades da TI Yanomami estão atualmente. “A situação faz parte de um projeto político que vê no extermínio dos indígenas o caminho mais rápido para impulsionar a extração predatória dos bens naturais de áreas protegidas”, afirma comunicado divulgado pela associação indígena.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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