PL do Veneno, que facilita aprovação de agrotóxicos, passa na Câmara

Boiada governista atropelou protestos de pesquisadores em saúde, ambientalistas e Oposição; projeto vai agora ao Senado

Por Oscar Valporto | ODS 15ODS 3 • Publicada em 9 de fevereiro de 2022 - 20:04 • Atualizada em 1 de dezembro de 2023 - 18:32

Aplicação de agrotóxicos em lavoura no sul do Brasil: PL do Veneno, que facilita aprovação de pesticidas, está em discussão no Congresso (Foto: Agência Brasil)

Porteira aberta para a boiada antiambiental: a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira o chamado PL do Veneno (Projeto de Lei 6299/2002), que facilita a liberação de agrotóxicos no Brasil. Protestos nas redes sociais feitos por ambientalistas, especialistas em saúde e artistas não impediram a aprovação do regime de urgência que permite a tramitação acelerada: logo após a aprovação da urgência por 327 votos a 71, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP/AL), abriu imediatamente a discussão sobre o PL, que terminou aprovado por 301 votos a 150. O texto agora segue para o Senado.

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Segundo o Dossiê Contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida, publicado por Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos, uma das principais ameaças na aprovação do PL será a substituição do artigo da Lei n.º 7.802 de 1989 (Lei dos Agrotóxicos”, que define claramente a proibição para agrotóxicos associados ao câncer, mutação no material genético, malformações fetais, alterações hormonais e reprodutivas. O projeto revoga este artigo, substituindo por um conceito de “risco inaceitável”.

O documento alerta que, em vez da proibição absoluta das substâncias nocivas, há a relativização do que é considerado “aceitável”: “assume-se que o conceito de aceitabilidade passa por avaliação estatística, onde existirá algum número de crianças com malformações ou de famílias com óbitos que deve ser considerado ‘irrelevante’, e, portanto, ‘aceitável’”, diz o dossiê. “Outros países têm caminhado para ter legislações mais protetivas, mas aqui no Brasil, as grandes fabricantes de agrotóxicos encontraram o cenário ideal para descartar produtos tóxicos no nosso ambiente e na nossa mesa”, afirmou Karen Friedrich, integrante do Grupo Temático Saúde e Meio Ambiente da Abrasco e toxicologista da Fiocruz.

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O PL do Veneno pretende, ainda, alterar o termo “agrotóxico” para “pesticida”, com o objetivo de suavizar o potencial tóxico dessas substâncias. Outra medida relevante é transformar o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no principal órgão responsável pelo registro dos agrotóxicos. Atualmente, o registro passa também pelo Ibama e pela Anvisa. Caso o projeto seja aprovado, Ibama e Anvisa vão apenas avaliar ou homologar avaliações, perdendo poder de regulamentação. Outra mudança estabelece o registro eterno de agrotóxicos no Brasil – ou seja, uma vez que os produtos forem liberados, não poderão ser suspensos, ainda que se comprove que são altamente danosos.

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A oposição tentou protestar e obstruir as votações no Plenário da Câmara. “O PL do Veneno ignora tudo aquilo que nós pudemos ver nas últimas décadas do que se produziu de pesquisa dos impactos que tem para a saúde humana, em especial. Houve aumento da incidência de uma série de doenças, aumento que está relacionado diretamente ao consumo de alimentos e água contaminados por agrotóxicos”, protestou o deputado Nilto Tatto (PT/SP), lembrando que alguns dispositivos do PL já estão sendo implementados pelo Ministério da Agricultura e o governo tem pressa na aprovação para garantir segurança jurídica à boiada infralegal.

Líder do Psol, a deputada Sâmia Bomfim (Psol/SP) criticou a falta de uma reunião de líderes para definir a pauta da semana: a entrada do requerimento de urgência surpreendeu até mesmo governistas. “Em uma pauta sem discussão com líderes, tenta-se colocar um projeto que libera veneno, venenos proibidos nos países de origem”, disse a deputada Fernanda Melchionna (Psol/RS), vice-líder do partido. “Que país é esse que prioriza veneno?”, protestou a deputada Joênia Wapichana (Rede/RR).

Para o deputado Henrique Fontana (PT/RS), o projeto de lei vai tornar a agricultura brasileira ainda mais atrasada. “É inacreditável que a Câmara Federal queira se debruçar hoje, como uma grande prioridade, em um projeto de lei para ampliar o uso de agrotóxicos e outros venenos proibidos na Europa e nos Estados Unidos, tornando a nossa agricultura cada vez mais atrasada em nível internacional”, criticou.

A deputada Erika Kokay (PT/DF) destacou que a proposta centraliza no Ministério da Agricultura a autorização das substâncias, que hoje envolve o Ministério do Meio Ambiente, através do Ibama, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Hoje há três órgãos responsáveis pela liberação dos agrotóxicos, querem diminuir para um. Hoje há uma série de exigências que serão simplesmente rasgadas em detrimento da saúde do povo”, disse.

Discurso de modernização

O PL do Veneno teve todo o apoio do governo Bolsonaro; o próprio presidente, ao participar da aberta dos trabalhos do Legislativo, apontou o projeto com uma das prioridades do Executivo. Na lista entregue por Bolsonaro aos presidentes da Câmara e do Senado, o Projeto de Lei 6299/2002 é chamado de “Lei do Alimento Mais Seguro”.

Líder da Maioria, deputado Diego Andrade (PSD/MG) afirmou que o projeto vai modernizar a agricultura brasileira. Segundo ele, a produção agrícola brasileira é feita com sustentabilidade. “A gente tem que parar de falar mal da Nação que alimenta o mundo com sustentabilidade, e precisamos sim dos defensivos, como precisamos de vacina, que também é um remédio e, na dose certa, cura. Não podemos jogar contra aquilo que está sustentando o Brasil”, disse.

O deputado Evair Vieira de Melo (PP/ES), vice-líder do governo, afirmou que é mentirosa a afirmação de que a proposta vai colocar mais veneno na mesa dos brasileiros. “Quem fala isso não tem fundamento, é um discurso meramente de posição ideológica. Os números apresentados aqui são fictícios”, disse. Ele afirmou ainda que as exportações brasileiras passam por agências internacionais. “Toda nossa exportação é vistoriada por agências internacionais criteriosas. Esses mesmos alimentos são vistoriados por agências internas, portanto, o alimento brasileiro é seguro”, declarou.

A proposta também foi defendida pelo deputado Marcel Van Hattem (Novo/RS). “Já passa da hora de regulamentar esse tema para garantir mais tecnologia. Hoje, a análise de um novo defensivo leva oito anos, vamos reduzir em muitos casos a aprovação para dois anos no máximo”, afirmou.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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