Na Califórnia do coronavírus, o medo do futuro

Com um sistema de saúde frágil e empregos em risco, estado mais populoso dos EUA sofre com as incertezas

Por Luciana Werner | ODS 3 • Publicada em 13 de março de 2020 - 19:54 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 16:56

Supermercado com as prateleiras vazias em San Rafael, na Califórnia. Moradores já começam a estocar alimentos. Foto Justin ullivan/Getty Images/AFP

O coronavírus, quem diria, está contribuindo para fazer com que as pessoas se distanciem ainda mais. Num mundo em que o ser humano já está tão longe um do outro, isolado pelas redes sociais – que muitas vezes afastam, em vez de aproximar -, mergulhado em seus próprios problemas e nas infinitas demandas do capitalismo selvagem, o Covid-19 chega para acabar de vez com qualquer proximidade: até os apertos de mão foram banidos. Na Califórnia, o estado mais populoso dos Estados Unidos, motor econômico do país, a doença já está fazendo estragos. Nesse e em outros sentidos. Um reflexo do que pode acontecer pelo resto do planeta.

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Não existe teste disponível. Está difícil saber como agir, aonde ir. Ninguém nos dá uma informação precisa. A China estava bem mais preparada do que nós

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Quando Donald Trump ainda dizia que estava tudo sob controle, o medo já era grande. Não havia mais álcool gel ou máscara de proteção para vender e os produtos de primeira necessidade estavam sumindo das prateleiras. Na quarta-feira, depois que o presidente suspendeu os voos para a Europa, esse medo virou pânico. Desesperadas, as pessoas correm de um lado para o outro estocando tudo que podem e até briga já está saindo nas lojas, principalmente quando os clientes se aproximam demais uns dos outros. “Mantenha distância”, exigem, tentando se proteger. Em algumas lojas, os funcionários estão sendo orientados a desinfetar produto por produto e filas quilométricas se formam nos caixas.

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Cartaz anuncia o cancelamento de um espetáculo em Hollywood por conta do coronavírus. Foto Rich Fury/Getty Images/AFP
Cartaz anuncia o cancelamento de um espetáculo em Hollywood por conta do coronavírus. Foto Rich Fury/Getty Images/AFP

No Safeway, um dos supermercados mais populares do país, já falta de tudo. E o que ainda existe para vender geralmente tem preço superfaturado. “Fiquei impressionada. Dois rolos de toalhas de papel estão saindo por U$ 8,29 (cerca de R$ 40). Eu costumava comprar um pacote grande, com 24 rolos, por U$ 18 (cerca de R$ 90)”, reclama a engenheira de computação Michelle Cooper.

As famosas highways, que interligam toda a Califórnia e vivem lotadas de carros, já estavam bem mais vazias depois que grandes empresas como Facebook e Apple liberaram seus funcionários para trabalhar de casa. Agora, devem ficar ainda mais livres assim que todos acabarem de comprar seus mantimentos e as escolas e universidades forem fechando suas portas. Até o centro de San Francisco, sempre efervescente, anda tranquilo nos últimos dias.

Além dessas mudanças que podem ser observadas facilmente, há um medo muito grande em relação ao atendimento dos pacientes infectados. Conhecido por ter um sistema de saúde frágil, em que o índice de mortalidade é diretamente ligado ao alto preço de exames e consultas médicas – muitos americanos deixam de ir ao hospital com medo da conta que vão precisar pagar depois – os Estados Unidos, segundo especialistas em saúde pública e em doenças infecciosas, não estão preparados para enfrentar o Covid-19. Estima-se que não haverá leitos suficientes para dar conta de tantos pacientes e muito menos testes para confirmar a doença, o que dificulta a definição da extensão da pandemia nas comunidades.

Menos de dois mil californianos foram testados desde que os primeiros casos apareceram. De acordo com os dados desta sexta-feira, 13 de março, aproximadamente 200 pessoas estão com a doença – mas isso não quer dizer muito, já que milhares devem estar infectadas e ainda não conseguiram ser testadas. Segundo o piloto de aviação John Peterson, que fez um voo para Seattle na semana passada e apresenta sintomas de um resfriado, nem que ele quisesse poderia fazer o teste para ver se está com o coronavírus: “Não existe teste disponível. Está difícil saber como agir, aonde ir. Ninguém nos dá uma informação precisa. A China estava bem mais preparada do que nós”, diz, preocupado.

Há ainda um outro temor que não sai da cabeça de muita gente. Boa parte dos trabalhadores da Califórnia recebe por semana e, se faltar ao trabalho, não tem remuneração. O que vai ser de quem tiver a doença? Como fazer para pagar os caríssimos aluguéis (os mais altos do país, só empatando com Nova York) todo mês? Esse é o caso da grande maioria dos imigrantes ilegais, uma força de trabalho gigante na Califórnia. Sem plano de saúde, eles contam apenas com clínicas comunitárias que pouco podem fazer e com algumas organizações não governamentais que tentam ajudar oferecendo vários exames e tratamentos de graça, mas que têm filas de espera de meses para qualquer procedimento.

A paralisação da Califórnia, o maior centro industrial dos Estados Unidos e líder na produção agropecuária, além da queda brusca do turismo na região – mais de 50 milhões de pessoas costumam circular por ano apenas no Aeroporto Internacional de San Francisco – influenciam diretamente no corte de postos de trabalho. A redução do ritmo de produção do estado pode gerar uma grande crise no país que, inevitavelmente, vai afetar boa parte do planeta.

Luciana Werner

Jornalista graduada pela PUC-Rio, trabalhou 15 anos no Jornal O Globo, onde foi repórter especial. Ocupou o cargo de editora de Cultura do Jornal O Dia e participou de projetos para empresas como Globosat e PUC-Rio. Mora em San Francisco, na Califórnia, onde continua a escrever e pretende fazer mestrado na área de sustentabilidade.

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