ODS 1
Líderes comunitários na África e no Haiti inovam na luta contra a pandemia
Ações criativas vão de mecanismos simples para lavar as mãos até apoio psicológico para vítimas de violência doméstica
Se nas metrópoles as barreiras para reter a pandemia do coronavírus são inúmeras e, mesmo assim, a covid-19 vem ganhando espaço, imagine nas comunidades mais pobres e regiões remotamente acessadas. Como lavar as mãos e manter um mínimo de assepsia quando não se tem água? O que fazer quando ela chega e ainda está contaminada? Como ficar em casa se as pessoas não têm um teto? Como denunciar a violência doméstica, se em muitos lugares o acesso às autoridades é cada vez mais difícil e distante?
Em meio a tantas adversidades, dois líderes comunitários fazem de tudo para reverter essas mazelas. Salma Simeus, morador do vilarejo Onaville, ao norte de Porto Príncipe, capital do Haiti; e Pauline Juma, moradora de uma das maiores favelas do mundo, a de Kibera, em Nairóbi, na África, contam para o Projeto #Colabora como estão ajudando suas comunidades de forma inovadora e ainda dando exemplo de superação e persistência.
Salma Simeus
Como diz um provérbio chinês, é durante a crise que nascem as oportunidades – além de iniciativas criativas. Salma, por exemplo, criou um mecanismo chamado “Tiptape”, para a comunidade lavar as mãos sem tocar em nada. Ele é feito com madeira, barbante e pregos. Segundo ele, são 42 mil habitantes que enfrentam dificuldades de infraestrutura, ruas sem asfalto, falta de acesso à água, eletricidade, segurança, saúde e problemas de vulnerabilidade ambiental, como terremotos. Salam, inclusive, é sobrevivente de um deles, de magnitude 7, em 12 de janeiro de 2010, que deixou mais de 300 mortos na ilha. Depois da tragédia ele começou a liderar a comunidade, atuando na reconstrução dos locais afetados. “Meu irmão era deputado e isso facilitou a coleta de suprimentos para a distribuição. Desde então, tornei-me voluntário. Por conhecer de perto a necessidade das pessoas, eu fazia essa ponte com as ONGs estrangeiras, facilitando o trabalho. Minha primeira ação, logo depois do terremoto, foi criar e delimitar as ruas de Onaville que foram totalmente destruídas”.
A partir desse momento ele começou a fazer um trabalho de sensibilização, mostrando como era importante a comunidade se engajar, cívica e socialmente. “Isso foi muito bom para o meu desenvolvimento intelectual. Ajudando as organizações, recebi formações e, rapidamente, aprendi o que só seria possível em anos de faculdade”.
Em tempos de coronavírus, Simeus ensinou a comunidade como usar o projeto “Tiptape”, que além de ser útil na pandemia, ajuda a economizar água. “É um mecanismo muito simples em que não precisamos tocar em nada para conseguir lavar as mãos. Assim que começou a crise, coloquei em pontos estratégicos na minha comunidade e foquei em orfanatos. Já são centenas de pessoas beneficiadas com acesso à água, já que nem todos conseguem comprar álcool em gel. Meu sonho é expandir e atingir a toda a comunidade, que é dividida em 15 blocos (os nossos bairros)”.
Pauline Juma
Mãe de dois meninos, fundadora da ONG Rebirth of a Queen (“Renascimento de uma Rainha”) para mulheres que sofrem violência doméstica, estupro ou qualquer coisa que afete a saúde mental. “Desde o início da pandemia, uma em cada quatro mulheres da minha comunidade sofreu algum tipo de violência sexual, especialmente as adolescentes”. Para dar assistência, a instituição criou um centro que oferece apoio psicológico e cuidados básicos, com voluntárias que vão até as casas das vítimas e fazem um acompanhamento rotineiro. A ONG, que se mantém da doação de amigos, foi criada em 2017 com o objetivo de promover a autoconfiança e treinar as meninas nas habilidades de comunicação. “No início era um grupo pequeno e falava sobre violência contra a mulher de forma indireta, usando a poesia para expressar medo, ansiedade e a dor das sobreviventes. Contei a minha própria história de violência sexual e, a partir daí muitas começaram a se abrir e formamos um grupo de terapia”. Aos 16 anos, Pauline foi estuprada por uma gangue e, aos 19, sofreu violência doméstica depois de um casamento precoce. “Também temos um grupo que apoia sobreviventes, incentivando e fortalecendo a autoestima da mulher, além da distribuição de absorvente íntimo para mais de 500 meninas e alimentos para 100 famílias. Em maio, resgatamos 60 meninas vulneráveis”.
E não vai parar por aí: Pauline sonha em ter uma escola de arteterapia para mulheres no Quênia. “Em cinco anos eu gostaria de ver o ‘Rebirth of a Queen’ como um centro transformador – entram meninas frágeis, saem mulheres mais poderosas, tanto econômica quanto socialmente, para ajudar as vítimas a lutar pelos seus direitos”.
Assim como atitudes individuais de líderes natos, agências focadas em ajuda voluntária também estão tendo que se reinventar. Como é o caso da “Volunteer Vacations (VV)”, a primeira agência brasileira para capacitar, treinar e alocar voluntários em campo para projetos em educação, empoderamento feminino e proteção ambiental.
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Veja o que já enviamosCriada em 2014 a agência atua em 26 países em parcerias com instituições, ONGs e agências de ajuda humanitária. Segundo Mariana Serra, uma das fundadoras, a maior dificuldade com a crise do coronavírus é a falta de dinheiro, com as doações suspensas. No entanto, a ONG criou um financiamento coletivo: https://volunteervacations.com.br/destinos/-ajude-sem-sair-de-casa
“Enumeramos as principais necessidades das comunidades e criamos uma nova forma de atuar: apadrinhar financeiramente uma iniciativa social ou um líder local. Temos planos de 1, 3 ou 6 meses, com ajuda a partir de R$ 3 por dia, e montamos o planejamento. Com isso conseguimos controlar e mensurar todo resultado da ação. Temos projetos precisando de ajuda desde habilidades em gestão, mídias sociais, empoderamento feminino, até as aulas e iniciativas pedagógicas”, conta Mariana.
A VV atua em diferentes comunidades e sempre com líderes locais, que se tornam parceiros, dando a lista de necessidades das pessoas. “Cada país tem o seu obstáculo, mas o principal costuma ser a falta de recurso, especialmente financeiro, e tem também a insalubridade, o que potencializa a propagação de doenças. Já nos países em conflito, as dificuldades são as de logística, a entrada, o desenvolvimento e execução do projeto em si”, finaliza Mariana.
Viviane Faver, jornalista carioca freelancer radicada em Nova Iorque. No Brasil, começou a estagiar no Jornal do Commercio, onde permaneceu por 10 anos na editoria de economia. Resolveu largar tudo e se mudar para NY em 2014, onde começou a fazer freelas para o jornal O Extra, O Dia, CNN Style (Londres), entre outros.
Também trabalha com documentários, o mais recente foi o 'Queen of Lapa', que ganhou o premio no festival LGBT, NewFest, em Nova Iorque, dezembro do ano passado - conta a história das travestis na Lapa, no Rio de Janeiro.