Indígenas lançam campanha por vacinação e contra fake news

Chefe indígena Jurema Nunes, da aldeia guarani São Mata Verde Bonita, em Maricá (RJ): campanha da Apib reivindica vacinação para também indígenas moradores de áreas urbanas (Foto: Mauro Pimentel/AFP)

Mulheres comandam iniciativa para que vacinação prioritária inclua indígenas fora da aldeia e para vencer resistências criadas por informações falsas

Por Oscar Valporto | ODS 3 • Publicada em 26 de janeiro de 2021 - 08:43 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 19:52

Chefe indígena Jurema Nunes, da aldeia guarani São Mata Verde Bonita, em Maricá (RJ): campanha da Apib reivindica vacinação para também indígenas moradores de áreas urbanas (Foto: Mauro Pimentel/AFP)

Com uma live reunindo mais de 30 mulheres indígenas de todas as reuniões do país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou a campanha “Vacina, parente!” para conscientizar sobre a importância da vacinação no combate à pandemia de covid-19 e para cobrar a vacinação para toda população indígena no país. “Numa continuação dos ataques genocidas contra os povos indígenas, as aldeias estão sendo invadidas por informações falsas para desmoralizar as vacinas”, afirmou Célia Xakriabá, de Minas Gerais, integrante da coordenação da Apib.

De acordo com dados do Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, da APIB, 46.508 indígenas foram contaminados pelo novo coronavírus e 929 faleceram em decorrência da covid-19, que afetou diretamente 161 povos em todo país. “Os indígenas estão no grupo prioritário pela nossa mobilização, mas também porque está provado que os indígenas são mais vulneráveis à doença, com um percentual de mortes maior do que de não indígenas”, destacou Nara Baré, do Amazonas, dirigente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

As líderes indígenas criticam, duramente, o plano de vacinação apresentado pelo Governo Federal que não inclui a totalidade da população indígena do Brasil no cronograma de imunização prioritária. O critério adotado define como indígenas – para estar entre o grupo prioritário para a vacinação apenas os povos que vivem em aldeias de terras indígenas homologadas, ignorando a complexidade do processo de demarcação, indígenas que vivem em contexto urbano e os povos venezuelanos que se encontram refugiados no Brasil. “Esse critério é mais um processo discriminatório porque inclui apenas a metade dos indígenas. Há muitos povos indígenas reconhecidos mas sem ainda seu território regularizado e que estão terrivelmente ameaçados pela pandemia”, apontou Cris Pankararu, de Pernambuco, coordenadora da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

As primeiras vítimas fatais entre indígenas foram exatamente moradores de áreas urbanas. “É importante não esquecer que os indígenas foram desalojados de suas terras de muitas maneiras. Foram as cidades que invadiram as terras indígenas, por isso tantos parentes moram nas cidades”, argumentou Ana Patté, integrante da Apib e indígena do povo Xokleng, de Santa Catarina. “A maioria é tão ou até mais vulnerável do que os indígenas que vivem na aldeia e tem apoio da comunidade”, acrescentou.

Imagem para a campanha #VacinaParente, da Apib: em defesa da vacinação para todos os indígenas e contra informações falsas (Arte: Apib)
Imagem para a campanha #VacinaParente, da Apib: em defesa da vacinação para todos os indígenas e contra informações falsas (Arte: Apib)

O combate às fake news é outra prioridade da campanha, que está sendo disseminada pelas redes sociais com a hashtag #VacinaParente. “Eu fiz questão de ser vacinada logo para mostrar para os parentes, principalmente os mais velhos, que a vacina é segura e é única forma de evitar mais doenças e mortes”, contou Oé Kayapó, do Pará. “Os parentes no Brasil inteiro estão recebendo informações falsas – desde que os indígenas foram escolhidos para começar a vacinação para servir de cobaia até a que essas vacinas não servem porque foram desenvolvidas de forma muita rápida”, acrescentou Leonice Tuoari, de Rondônia.

Participaram do lançamento virtual a pesquisadora Ana Lúcia Pontes, coordenadora do GT Saúde Indígena da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e a médica sanitarista Sofia Mendonça, coordenadora do Projeto Xingu, programa de extensão universitária da Escola Paulista de Medicina. “A vacina é uma vitória da ciência. Muitos indígenas morreram, nesses cinco séculos de Brasil, exatamente por falta de vacina”, disse a médica Sofia. “Os mais velhos devem lembrar como era antes das vacinas. Temos vacinas seguras que vão ser fundamentais para impedir o avanço da doença”, afirmou a pesquisadora da Abrasco.

Os mais velhos são exatamente a maior preocupação das mulheres indígenas. “Nós perdemos tantos anciões. Perdemos nossas bibliotecas, nossas farmácias, nossa história. É isso que os mais velhos representam e a vacina é fundamental para protegê-los”, afirmou Anna Terra Yawalapiti, da aldeia Tuatuari, de Mato Grosso. Os idosos também são os mais desconfiados: em várias aldeias, eles pedem para os mais jovens serem vacinados primeiro para ver se a imunização funciona.

A Apib, ao lançar a campanha Vacina, Parente!, também divulgou um Manifesto pela Vida onde criticam os critérios do governo e a desinformação. “Seria um absurdo incabível colocar todos os profissionais de saúde, indígenas e idosos para serem exterminados como “cobaias” da vacina. Essa informação mentirosa precisa ser encarada de frente. A vacina é a principal arma hoje para o enfrentamento da pandemia, parentes!”, afirma o documento.

O manifesto ataca o governo, as suas informações falsas e a falta de ação contra a pandemia. “É preciso combater o desserviço feito por agentes públicos, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, que difundem mentiras e buscam desqualificar a ciência, autoridades e organismos mundiais de saúde”, diz o documento. “Repudiamos a perversidade de Bolsonaro e do alto escalão do Governo Federal no empenho para que as pessoas façam tratamento precoce com uso indiscriminado de medicamentos que não possuem comprovação de eficiência no combate à covid-19”.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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