Diário da Covid-19: Cuba controla pandemia e dá olé no Brasil

Ilha famosa por seu sistema de saúde aposta em prevenção e vigilância para vencer o coronavírus e até emprestar médicos a 23 países - entre eles, a desesperada terra de Bolsonaro

Por Aydano André Motta | ODS 3 • Publicada em 3 de julho de 2020 - 10:03 • Atualizada em 4 de julho de 2020 - 11:05

A primeira brigada de médicos cubanos, que atuou na Itália, volta à Havana (Foto: Yamil Lage /AFP)

Uma das pragas que a parte vencedora da eleição presidencial em 2018 gostava de rogar está ressignificada de maneira radical pela pandemia. Enquanto o país do capitão Jair Bolsonaro produz mortos por covid-19 em ritmo industrial, uma pequena e pobre nação caribenha ostenta sucesso planetário no controle do coronavírus, ratificando o acerto do seu sistema de saúde.

Sim, amigues – tudo que os brasileiros poderiam sonhar agora era seguir aquele “Vai pra Cuba!” gritado pela turma de amarelo.

A ilha que um dia foi de Fidel e Che figura entre as nações mais bem-sucedidas na crise global. Com 2.353 casos no total, contabiliza 86 óbitos – ou 208 doentes e 8 mortos por milhão de habitantes. É dos poucos lugares sobre a Terra que pode garantir: a pandemia está controlada.

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Homem de máscara passa de lambreta, em frente à imagem de Fidel Castro: Havana começa a flexibilizar isolamento. Foto de Yamil Lage (AFP)
Homem de máscara passa de lambreta, em frente à imagem de Fidel Castro: Havana começa a flexibilizar isolamento. Foto de Yamil Lage (AFP)

Assim, o governo cubano decidiu reabrir as fronteiras e recuperar os viajantes que estão indo para a República Dominicana ou Jamaica, há duas semanas funcionando para o turismo. Havana, a lendária capital, encerra sua quarentena nesta sexta-feira (3), mas, como o resto do país, mantém cuidados rígidos: o contato entre locais e estrangeiros será monitorado de perto, para evitar uma segunda onda de contágio.

O primeiro-ministro, Manuel Marrero, anunciou pessoalmente a flexibilização na capital, com a retomada paulatina do transporte público, algumas atividades comerciais e serviços, além da permissão para deslocamento de cidadãos que cumprem medidas de distância física. A ilha de 11,2 milhões de habitantes se trancou ao mundo em 24 de março. Nesta quinta-feira (2), apenas cinco casos novos surgiram por lá. Como cada um tem o pico que merece, em Cuba foram 50 ocorrências no pior momento da jornada.

Não foi difícil para a população, acostumada com a lógica da medicina preventiva – e beneficiada por um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Reina Paula, vendedora de um supermercado em Havana, relatou ao New York Times que, logo após um funcionário ser diagnosticado com a covid-19, as autoridades enviaram equipes para testar os outros trabalhadores. “Todos que deram positivo foram levados para o hospital, e nós ficamos em quarentena por duas semanas nas nossas casas”, narra a funcionária. O  uso obrigatório de máscaras foi monitorado rigidamente pelo governo, que multou e até prendeu infratores (ah, se a moda pega num certo país mais ao sul…). O julgamento dos desobedientes era transmitido pela TV estatal.

No início da jornada, havia muitas incertezas em relação à capacidade do país de vencer a covid-19. O próprio #Colabora publicou artigo de Emily Morris e Ilan Kelman, do The Conversation, sobre a falta de recursos endêmica na ilha – vítima do terrível bloqueio econômico imposto por um capricho dos Estados Unidos -, que também angustiava o governo. Mas até agora, deu tudo certo.

Na verdade, o controle do Estado em quase todos os aspectos da vida cubana ajudou, porque permite mobilizar toda a população rapidamente. E o governo concentrou-se em detectar assintomáticos, que poderiam transmitir o vírus. “Se detecto um paciente confirmado para a covid-19, busco a última pessoa que possa ter tido contato com ele nos últimos 14 dias e que possa ter se infectado”, explicou o diretor de Epidemiologia do Ministério da Saúde, Francisco Durán, à AFP. “Isolo e estudo todas essas pessoas. Isso indiscutivelmente tem uma repercussão para reduzir a incidência e diminuir a transmissão”.

Como o destino debocha dos equivocados mesmo nas horas mais dramáticas, os cubanos ainda vão ajudar quem está em apuros. Enviaram profissionais de saúde a 23 países e segunda-feira (29), saiu no Diário Oficial do governo brasileiro a reincorporação de 498 médicos da ilha que haviam sido proibidos de trabalhar no Programa Mais Médicos. E Bolsonaro foi para Cuba – pedir arrego.

Enquanto isso, na terra da irresponsabilidade…

A surrealista aglomeração na Rua Dias Ferreira, no Leblon, ninho dos ricos cariocas. Reprodução do Twitter
A surrealista aglomeração na Rua Dias Ferreira, no Leblon, ninho dos ricos cariocas. Reprodução do Twitter

Precisa mesmo. O Brasil afunda na pandemia, tentando enxergar um platô na espiral incessante de casos, que atingiu apocalípticos 1.501.353, com 61.990 mortes – respectivamente 7.063 ocorrências e 292 óbitos por milhão de habitantes. Mas um mundo de irresponsabilidade separa o país dos lugares que realmente lutam contra o coronavírus. Os governantes das duas maiores capitais resolveram fingir que a pandemia acabou e ordenam a reabertura do comércio e dos serviços, num ritmo aterrorizante. No Rio de 58.615 casos e 6.689 mortos (com 6,7 milhões de habitantes, pouco mais da metade de Cuba), o bispo Marcelo Crivella, prefeito da cidade, autorizou o funcionamento de bares e restaurantes. Produziu cena aterrorizante de uma aglomeração, na noite desta quinta-feira, na Rua Dias Ferreira, no Leblon, que ficou com as calçadas lotadas de gente sem máscara nem vergonha. No mesmo dia, a terra carioca registrou 548 óbitos.

A imprudência atravessa a Ponte Aérea, com o governador de São Paulo, João Doria, prestes a autorizar o funcionamento de academias, salões de beleza, teatros, cinemas e salas de espetáculos. Nesta quinta-feira, o estado chegou a 302.179 infectados, com 15.351. A flexibilização será anunciada um dia depois do registro de 12.244 contaminados – o segundo maior número desde o início da pandemia. Até o meio do mês, os cálculos preveem entre 18 mil e 23 mil mortos por covid-19 no estado mais rico desta gigantesca ilha de insensatez chamada Brasil.

Frase do dia 3 de julho

“A aglomeração de gente em bares do Leblon é coisa de uma elite que naturaliza a morte dos outros – percebidos como “sobras viventes” descartáveis do sistema – e ao mesmo tempo delira, com triunfalismo ignorante, que é imortal.”

Luiz Antonio Simas, professor, escritor e historiador

Aydano André Motta

Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!

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