Diário da Covid-19: Brasil e América do Sul rumam para o epicentro da pandemia

Em 15 dias, número de casos no Brasil saltou de 8 mil para 68 mil, mas subnotificação indica que quadro pode ser ainda pior

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 16 de janeiro de 2022 - 09:40 • Atualizada em 23 de janeiro de 2022 - 17:46

Menina recebe a primeira dose da vacina Pfizer-BioNTech contra covid-19, no Hospital das Clínicas de São Paulo (Foto: Nelson Almeida/AFP. Janeiro/2022)

O mês de janeiro de 2022 começou com recordes absolutos de pessoas infectadas pela covid-19 no mundo, com a impressionante marca de 3,7 milhões de casos no dia 12 de janeiro e a expressiva média de quase 3 milhões de casos a cada 24 horas, na semana de 08/01 a 15/01. Felizmente, o número de mortes não acompanhou o surto de casos na pandemia. A média de vidas perdidas caiu de 8 mil óbitos diários no início de dezembro de 2021 para 6 mil óbitos no fim da primeira semana de janeiro, mas aumentou um pouco para 7 mil óbitos no dia 15 de janeiro de 2022.

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Com a alta transmissibilidade da variante ômicron do SARS-CoV-2, o tsunami de pessoas infectadas se espalhou pelo mundo, mas não ocorreu de forma uniforme, pois ficou muito concentrada em alguns continentes: Oceania (com 2,5 mil casos por milhão), Europa (1,54 mil casos por milhão) e América do Norte (1,47 mil casos por milhão), conforme mostra o gráfico abaixo. No dia 14/01, a média mundial foi de 365 casos por milhão, sendo que na Ásia e na África a média de casos ficou abaixo de 100 casos por milhão.

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A América do Sul mantinha um coeficiente de incidência abaixo da média mundial até o dia 07/01, mas saltou para 607 casos por milhão de habitantes no dia 14/01. Nos surtos anteriores também houve uma defasagem entre os ciclos da Europa e da América do Norte e o crescimento dos casos sul-americanos. Desta forma, as perspectivas para a América do Sul não são boas no mês de janeiro, já que existe uma tendência de grande crescimento do número de pessoas infectadas.

Em relação ao coeficiente de mortalidade, a América do Sul já está em terceiro lugar com 1,2 óbito por milhão, atrás apenas da Europa com 4 óbitos por milhão e da América do Norte com 3,4 óbitos por milhão de habitantes, conforme mostra o gráfico abaixo. A Oceania que ocupa o primeiro lugar no número de casos (em função do grande surto da Austrália) está em 4º lugar no coeficiente de mortalidade com 1 óbito por milhão. O mundo apresenta 0,9 óbito por milhão e a Ásia e a África com 0,23 óbito por milhão de habitantes. A Índia também tem iniciado um novo surto pandêmico e apresentou uma média diária de 212 mil casos e de 300 óbitos no dia 14/01, mas como tem uma população muito grande (quase 1,4 bilhão de habitantes), os coeficientes indianos de incidência e de mortalidade são bastante baixos.

Os países da América do Sul mais atingidos pelo surto pandêmico até o momento, meados de janeiro de 2022, são a Argentina (com 2,5 mil casos por milhão), Uruguai (com 2,2 mil casos), Bolívia (com 877 casos), Peru (com 620 casos) e Colômbia (com 576 casos por milhão), todos com coeficientes acima da média mundial. Os outros 5 países da América do Sul possuem coeficiente abaixo da média mundial: Equador (com 344 casos), Brasil (com 323 casos), Chile (com 273 casos), Paraguai (com 125 casos) e Venezuela (com 32 casos por milhão). O ritmo acelerado no crescimento dos casos sul-americanos prenuncia a possibilidade de o continente saltar para o epicentro da pandemia global nas próximas semanas.

Em relação ao coeficiente de mortalidade, afortunadamente, os valores são bem mais baixos do que no pico anterior, conforme mostra o gráfico abaixo.  Os países com maior proporção de vidas perdidas são Equador (com 4,1 óbitos por milhão), Bolívia (com 3,2 óbitos), Argentina (com 1,5 óbito), Peru (com 1,4 óbito), Uruguai (com 1,1 óbito) e Chile (com 1 óbito por milhão), todos estes países acima da média global. Brasil, Paraguai e Venezuela com menos de 1 óbito por milhão de habitantes estão abaixo da média global.

Um dos principais motivos que explicam a menor letalidade da variante ômicron é o avanço da vacinação. Neste sentido, a América do Sul está mais bem posicionada em relação aos demais continentes, pois possui a maior proporção de pessoas imunizadas com a vacinação completa: são 65% na América do Sul, 59% na Ásia e na América do Norte, 62% na Europa, 59% na Oceania, 51% no mundo e somente 10% na África, como mostra o gráfico abaixo da pandemia.

Contudo, a vacina não é bala de prata e outros cuidados preventivos são sempre necessários para evitar a contaminação, a internação e os óbitos da covid-19. Por exemplo, Portugal tem 94% da população vacinada com a primeira dose e 90% com vacinação completa. Porém, a alta imunização não foi suficiente para evitar o novo surto da pandemia entre os portugueses. O gráfico abaixo mostra que, em 14/01, o coeficiente de incidência chegou a 3,3 mil casos por milhão em Portugal, contra 366 casos por milhão no mundo e 323 casos por milhão de habitantes no Brasil. Em relação ao coeficiente de mortalidade, os valores atingiram 2,3 óbitos por milhão em Portugal, 0,9 óbito por milhão no mundo e 0,83 óbito por milhão no Brasil.

O caso de Portugal deve servir de alerta para o Brasil e para a América do Sul, pois se a imunização completa diminui muito o número de mortes, outras ações são necessárias para evitar o repique da pandemia. Por exemplo, os dois maiores países da Oceania possuem, aproximadamente, a mesma taxa de vacinação, mas a Nova Zelândia que conseguiu implementar uma boa barreira sanitária e fez um excelente rastreamento e acompanhamento das poucas pessoas infectadas apresentou, no dia 14/01, uma média de somente 13 casos por milhão e 0,03 óbito por milhão de habitantes, enquanto a Austrália apresenta 4,2 mil casos por milhão e 1,6 óbito por milhão de habitantes.

A situação brasileira requer muito cuidado por três motivos. Primeiro porque o país vive uma situação de carência de dados, já que o site do Ministério da Saúde não tem sido atualizado desde a segunda semana de dezembro de 2021. Em segundo lugar, faltam testes de covid-19 tanto no Sistema Único de Saúde quanto na rede privada de farmácias, dificultando o registro da verdadeira dimensão da doença. Em terceiro lugar, apenas nas duas primeiras semanas de janeiro, o número de casos subiu mais de 700% e o número de mortes aumentou mais de 50%.

Segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), a média móvel de 7 dias era de 8,1 mil casos e de 95 óbitos no dia 31 de dezembro de 2021 e passou para 68,1 mil casos e 148 óbitos no dia 15 de janeiro. Desta forma, o Brasil já vive a 4ª onda da pandemia e caminha para atingir tristes recordes do número de pessoas infectadas em janeiro de 2022. Com avanço das infecções, faltam trabalhadores em todos os setores da economia no Brasil. Muitas fábricas, restaurantes, companhias aéreas e hospitais registram aumento de casos positivos de covid-19 entre seus funcionários e já começa a faltar trabalhadores em vários setores, contribuindo para uma desaceleração da economia e até agravando o quadro de estagflação do país.

A vacinação infantil no Brasil

Um dos principais motivos para a vacinação de crianças contra covid-19 é impedir novas ondas de transmissões, assim com evitar casos graves e mortes entre a população nas primeiras faixas etárias da população.

Evidentemente, a vacinação começou pelas faixas etárias mais avançadas da população idosa porque o risco de contágio e de morte é maior quando mais longeva é a pessoa. O gráfico abaixo, com base nos dados do Portal da Transparência do Registro Civil, mostra que, nos dois primeiros anos da pandemia no Brasil, os homens e os idosos foram as principais vítimas da pandemia. Em 2020 e 2021, 70% das mortes ocorreram entre a população com 60 anos ou mais de idade. No recorte de gênero, os homens representam 56% do total de mortes e as mulheres 44%.  Portanto, os homens idosos têm sido as principais vítimas fatais da covid-19.

Porém, cabe destacar que as mortes entre crianças e adolescentes não foram desprezíveis. No grupo de idade de 0 a 9 anos, se registrou 618 óbitos de meninos e 545 óbitos de meninas. Entre os adolescentes de 10 a 19 anos, houve 1.425 óbitos masculinos e 1.273 óbitos femininos.

A Associação Médica Brasileira (AMB) e mais de 11 entidades do setor de saúde publicaram uma carta dizendo: “A imunização é indispensável para reduzir a transmissão, em particular por enfrentarmos uma doença com ciclos inesperados e o surgimento de novas variantes. Vemos agora novas ondas na Europa e nos Estados Unidos atingindo, proporcionalmente, muito mais crianças e adolescentes do que há dois anos. Faz-se necessária a urgente aquisição das doses pediátricas pelo Ministério da Saúde”.

A vacinação de adolescentes de 12 a 17 anos começou em setembro de 2021. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a vacinação de crianças de 5 a 11 anos no dia 16 de dezembro de 2021. Contudo, o presidente Jair Bolsonaro atacou a vacinação infantil contra a covid e minimizou o número de mortes nesta faixa etária, dizendo que é quase zero. Ele também questionou os interesses da Anvisa em aprovar a vacinação infantil contra a covid e acusou quem defende a imunização de “tarados por vacinas”.

Concomitantemente às críticas do presidente da República, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tomou uma série de medidas para procrastinar o início da vacinação infantil, criou uma injustificável audiência pública sobre o tema para a primeira semana de janeiro e disse que “a pressa é inimiga da perfeição”.

Finalmente, depois de muita pressão das entidades médicas e da sociedade civil, a imunização de crianças na faixa etária de 5 a 11 anos começou no dia 14 de janeiro de 2022, com a vacina da Pfizer. A primeira criança vacinada no Brasil foi o pequeno indígena Davi Xavante, de 8 anos, morador de Piracicaba e que foi vacinado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, acompanhado pelo governador, João Doria, que foi também a autoridade pública a promover a vacinação da enfermeira Mônica Calazans, a primeira pessoa vacinada no Brasil há praticamente um ano.

Sem dúvida, a imunização é indispensável para reduzir a transmissão e as mortes da covid-19, em particular, quando o país e o mundo enfrentam uma doença com ciclos inesperados e o surgimento de novas variantes. A vacinação infantil é particularmente importante antes do início das aulas. Mas a vacinação ainda precisa avançar mais no conjunto da população brasileira. De maneira complementar, são indispensáveis a adoção de medidas de prevenção e de distanciamento social durante a pandemia. Fundamentalmente, é necessário interromper, com urgência, a divulgação de fake news e as mentiras dos negacionistas que tantos prejuízos têm causado à saúde dos brasileiros e brasileiras de todas as idades.

Frase do dia 16 de janeiro de 2022

“Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso”

Bertolt Brecht (1898-1956)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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