Casal homoafetivo gaúcho terá filha com genética de ambos os pais

Através de processo de “Barriga Solidária”, Jarbas e Mikael vão realizar o sonho da paternidade e pretendem inspirar outras pessoas

Por Micael Olegário | ODS 3 • Publicada em 20 de fevereiro de 2024 - 09:01 • Atualizada em 26 de fevereiro de 2024 - 09:45

Bebê foi gerado com genes da irmã de Mikael e de Jarbas, processo foi realizado em clínica de Porto Alegre – Foto: Arquivo Pessoal/Mikael Mielke Fotografia

“Nós decidimos que íamos nos casar perante a lei, mudar os nossos nomes e fazer a coisa se tornar mais séria do que já era perante a sociedade. Com isso, começou a construção do sonho de aumentar a nossa família através da paternidade”, relata o gestor de vendas Jarbas Mielke Bitencourt, 48 anos, companheiro há mais de 15 anos do fotógrafo Mikael Mielke Bitencourt, 35 anos. O casal se conheceu na praia de Imbé, no litoral Norte do Rio Grande do Sul e há dois anos, depois de se casarem oficialmente, eles começaram a buscar formas de se tornarem pais e multiplicar o afeto que sentem um pelo outro. Agora, com o apoio da amiga Jéssica Konig, 31 anos, o casal está perto de alcançar esse sonho através de processo conhecido como “barriga solidária”.

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Quem descobriu a possibilidade foi a própria Jéssica, que já é mãe de duas crianças, uma menina de sete anos e um menino de seis. “Na realidade, todo esse processo era desconhecido por nós até a Jéssica trazer essa informação. Na minha vida, só ouvia falar em barriga de aluguel”, revela Jarbas. Antonella, nome escolhido para a bebê com nascimento previsto para maio, foi gerada com o sêmen de Jarbas e o óvulo doado pela irmã de Mikael, Marie Bortolanza; com isso Antonella, possui os genes de ambos os pais.

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Eu acho que nós vamos ser meio que embaixadores do processo de barriga solidária; é uma vontade nossa, porque nós somos um casal homoafetivo casado há 15 anos. Nós somos de Porto Alegre, do estado do Rio Grande do Sul, dois gaúchos: um de Bento Gonçalves, italiano, e outro de Porto Alegre, uma capital extremamente provinciana. E está tudo certo, desde que a gente seja respeitado

Jarbas Mielke Bitencourt
Gestor de vendas

A “barriga solidária” ou “útero de substituição”, como é o nome técnico da reprodução assistida, ocorre quando uma mulher recebe de forma voluntária o embrião gerado em laboratório por uma pessoa solteira ou um casal hétero ou homoafetivo. Esse método é diferente da “barriga de aluguel”, quando uma pessoa paga para outra gerar seu filho/a – o que no Brasil é proibido por lei. Geralmente, o Conselho Federal de Medicina (CFM), permite apenas que parentes de até quarto grau possam receber o embrião dos pais; no entanto, após o pedido junto ao Conselho Regional de Medicina (Cremers), o casal conseguiu a liberação para realizar o procedimento.

Da escolha da clínica que realizaria a fertilização “in vitro”, até a liberação do CFM para o “empréstimo” da barriga por Jéssica, Jarbas e Mikael tiveram de esperar quase oito meses, até meados de setembro do ano passado. “Como eu já tenho meus filhos também, eu acho que nada mais justo do que realizar o sonho de quem quer ser pai”, comenta Jéssica Konig sobre a escolha de participar do processo.

O primeiro caso de barriga solidária envolvendo um casal LGBTQIAPN+ no Brasil foi em 2021, quando dois engenheiros de Minas Gerais foram pais de gêmeos, em um processo realizado em Brasília. Três anos depois, a alternativa é ainda pouco conhecida, por isso, o casal gaúcho busca compartilhar sua história e sonha em inspirar outras pessoas, sejam hétero ou homoafetivas.

Casal tentou adotar criança e enfrentou frustração no final

Antes de conhecer a fertilização através da barriga solidária, Jarbas e Mikael tentaram realizar a adoção de uma criança. Assim conheceram uma jovem que estava grávida e queria doar o filho. O casal então começou os preparativos para receber o bebê, inclusive organizando o quarto e acompanhando a mãe no período do pré-natal. O que deveria ser a realização de um sonho virou um pesadelo quando a jovem parou de responder às tentativas de contato do casal.

“Chegou na finaleira da gestação que a criança estava para nascer em janeiro e ela começou meio que a sumir e nos mandou uma mensagem dizendo que iria desistir da adoção, que a avó paterna iria ficar com a criança”, conta Mikael. Mesmo assim, ambos seguiram buscando uma alternativa de conversar com a mãe para fazer parte da vida da criança, no entanto, no dia do nascimento, eles descobriram que o bebê seria doado para outro casal.

A gente debate muitas coisas, por exemplo, como é que dois homens vão fazer para entrar com a Antonella num banheiro para trocar ela? A gente vai no banheiro masculino ou vamos no banheiro feminino? E se não tiver fraldário?

Mikael Mielke Bitencourt
Fotógrafo

Por trabalhar como fotógrafo principalmente com o público infantil, Mikael adoeceu com a frustração no processo de adoção. “Não tinha estado psicológico para estar trabalhando no meio das crianças, sabendo que, no início do ano, eu perdi um filho”. Foi justamente por acompanhar de perto a dor do casal que Jéssica decidiu pesquisar formas de reprodução assistida, até descobrir o método da barriga solidária.

Em setembro de 2023, depois da liberação do Cremers e da doação dos óvulos pela irmã de Mikael, o casal foi até a clínica em Porto Alegre, onde seria feita a fertilização “in vitro”. Inicialmente, foram onze embriões fecundados, sendo que três foram investigados pelo casal – termo utilizado para se referir ao exames para descobrir o sexo e condições de saúde do embrião.

A princípio o casal teria um menino – Benjamin receberia o mesmo nome do filho que seria adotado antes. Porém, no dia da transferência do embrião para a barriga de Jéssica, apenas um dos três embriões selecionados se multiplicou, o de uma menina. “Independente da crença de qualquer um, mas, espiritualmente, acho que a vida estava nos dando sinais. Vocês têm que ter uma menina”, completa Jarbas, ao recordar tudo que viveu ao lado do companheiro para realizar o sonho da paternidade.

Foto colorida de Jarbas e Mikael segurando foto do ultrassom e de teste de gravidez próxima a barriga de Jéssica. Ambos olham para a foto e sorriem
Casal pretende quebrar barreiras e inspirar outras pessoas – Foto: Arquivo Pessoal/Mikael Mielke Fotografia

Misto de sentimentos e desejo de quebrar preconceitos

Mesmo vivendo em um país e em um estado com forte presença do preconceito contra casais LGBTQIAPN+, o casal acredita que pode fazer a diferença e pretende divulgar todo o processo de paternidade através do instragram @2paisdaantonella. “A gente acredita que a Antonella tem coisas para nos mostrar, para nós e para a sociedade como um todo, porque tem muito preconceito ainda, existe muito preconceito, quer queira ou não”, comenta Jarbas.

Atualmente, o casal também lida com a ansiedade e o fato de que – independente da configuração da família – não existe um manual de como ser pai. “Eu só penso nela. Não vejo a hora de pegá-la no colo, dar carinho, te encher de beijo e amor. Então, o sentimento é muito grande, é inexplicável, ser pai é assim”, celebra Mikael. A mesma apreensão é vivida por Jarbas.

Uma das questões que tira o sono dos futuros pais é como lidar com “emergências” em locais públicos. “A gente debate muitas coisas, por exemplo, como é que dois homens vão fazer para entrar com a Antonella num banheiro para trocar ela? A gente vai no banheiro masculino ou vamos no banheiro feminino? E se não tiver fraldário?”, questiona Mikael, que acrescenta estar disposto a comprar a briga em nome da normalidade para o fato de casais LGBTQIAPN+ com filhos andarem por um shopping e qualquer outro local de forma tranquila.

“Eu acho que nós vamos ser meio que embaixadores do processo de barriga solidária; é uma vontade nossa, porque nós somos um casal homoafetivo casado há 15 anos. Nós somos de Porto Alegre, do estado do Rio Grande do Sul, dois gaúchos: um de Bento Gonçalves, italiano, e outro de Porto Alegre, uma capital extremamente provinciana. E está tudo certo, desde que a gente seja respeitado”, finaliza Jarbas. O casal também permanece na fila da adoção e quer aumentar ainda mais a família em breve.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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