Diário da Covid-19: mais de mil razões para mudar

Iluminação do Cristo Redentor em homenagem aos profissionais de saúde na luta contra a covid-19: símbolo do Rio de Janeiro e do Basil (Foto: Carl de Souza/AFP -20/05/2020)

Brasil bate novos recordes de mortes e casos em meio ao maior desafio sanitário do século e do maior desgoverno da história

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 20 de maio de 2020 - 09:32 • Atualizada em 21 de dezembro de 2021 - 12:26

Iluminação do Cristo Redentor em homenagem aos profissionais de saúde na luta contra a covid-19: símbolo do Rio de Janeiro e do Basil (Foto: Carl de Souza/AFP -20/05/2020)

O Brasil ultrapassou a marca de mil mortes diárias. Este triste recorde aconteceu no dia 19 de maio e a única certeza que temos é que, infelizmente, não vai parar por aí. Vai piorar. Como se diz, os números não mentem e a análise estatística da série histórica indica que existe uma tendência de alta, já que o Brasil ainda não chegou ao pico da curva normal (curva em forma de sino ou curva Laplace-Gauss). O número diário de mortes no território brasileiro já ultrapassou todos os países do mundo – inclusive China e Índia que possuem populações com mais de 1 bilhão de habitantes – menos um. Mas já se aproxima rapidamente das marcas dos Estados Unidos. Mil e tantas mortes hoje foi um teto, mas amanhã será um piso.

O momento é grave. O Brasil está em meio ao maior desafio sanitário, em um século, mas também está diante do maior desgoverno da história. Resolver uma emergência que mata vítimas em progressão geométrica requer uma governança que envolva as três esferas da República para unir o país em torno de um objetivo comum: domar a pandemia e salvar vidas.

A covid-19 está encontrando um campo fértil para se reproduzir no Brasil, pois o território é enorme, possui marcantes desigualdades econômicas, sociais e geográficas, carências de renda e emprego e fragilidades na educação, saúde e saneamento básico. Mas ao invés de ter um plano para unir o país e enfrentar as dificuldades o governo do presidente Jair Bolsonaro se afasta das medidas mais simples, dificulta o gerenciamento da crise, faz piada, ataca quem está fazendo um bom trabalho e cria obstáculos em série que estão impossibilitando controlar a  doença. Imune ao sofrimento humano, o presidente da República tem transformado o país em um calvário. Não dá para continuar assim. O Brasil vai ter que escolher entre a luta ou o luto.

Moradora de Paraisópolis, uma das maiores favelas do país, participa de um protesto em São Paulo contra o abandono da comunidade em tempos de coronavírus. Foto Miguel Schincariol/AFP
Moradora de Paraisópolis, uma das maiores favelas do país, participa de um protesto em São Paulo contra o abandono da comunidade em tempos de coronavírus. Foto Miguel Schincariol/AFP

O panorama nacional

O Ministério da Saúde informou, na tarde de terça-feira (19/05), que o país atingiu 271.628 casos e 17.971 mortes pela covid-19, com uma taxa de letalidade de 6,6%.

O número diário de pessoas infectadas foi de 17.971 casos, recorde absoluto para o país e o número diário de vítimas fatais foi de 1.179 óbitos, também recorde absoluto, em 24 horas. O Brasil teve ontem 724 novos casos por hora ou 12 casos por minuto. E teve 48 mortes por hora, ou uma morte a cada 1 minuto e 12 segundos.

O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes no Brasil de março até o dia 19 de maio. Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis. Mas as linhas (pontilhadas) de tendência polinomial de terceiro grau apresenta uma suavização das oscilações sazonais e indica uma extrapolação para os próximos 7 dias.

O importante a observar é que existe de fato uma tendência ao aumento diário dos casos e das mortes e a perspectiva que estes valores elevados de ontem (19/05) devam se repetir na semana que vem e bater novos recordes, pois o pico da pandemia ainda não está à vista. O fato é que o ritmo do surto pandêmico está desacelerando nas capitais, mas avança em alta velocidade no interior e nas cidades pequenas. Trabalhadores que perderam seus empregos nos grandes municípios estão voltando para as suas cidades natais e, muitas vezes, sendo um vetor de transmissão da doença. O país tem uma taxa de transmissão entre as mais altas do mundo.

O panorama global

O mundo vai atingir a marca histórica de 5 milhões de pessoas infectadas pela covid-19 hoje, no dia 20 de maio de 2020. Mas a boa notícia é que o planeta já ultrapassou o pico da curva normal e já começou a “descer a ladeira”. No dia 19/05, o número de pessoas com o coronavírus chegou a 4,98 milhões de casos e 324,5 mil mortes. O número diário de pessoas infectadas no mundo aumentou em quase 95 mil casos e o número de vítimas fatais ficou em 4,6 mil óbitos em 24 horas.

Olhando a série histórica mundial, observa-se que a pandemia já atingiu o pico e desde a segunda quinzena de abril os números de casos diários já começaram a cair, embora ainda variando em alto patamar. Já o número de mortes tem caído em ritmo mais veloz e tem se mantido abaixo de 6 mil óbitos desde o dia 06 de maio. As linhas (pontilhadas) do modelo polinomial indicam que uma inclinação rumo a números cada vez menores, mesmo havendo oscilações diárias. O fato incontestável é que o mundo já deixou o pior para trás e começa a virar a página deste livro fúnebre.

Assim, percebe-se que o contraste entre os dois gráficos é bastante acentuado, pois enquanto o Brasil ainda está numa fase se expansão da pandemia, no mundo a tendência é de retração. Existem países, como Taiwan, Nova Zelândia e Vietnã que conseguiram controlar o surto do coronavírus e já estão planejando a retomada das atividades econômicas e sociais. Na América do Sul, o Uruguai só teve 3 mortes pela covid-19 nos últimos 19 dias. O que há em comum nestes países vitoriosos é a unidade entre o Poder Público e a sociedade civil em torno de medidas duras, mas efetivas para derrotar o vírus.

Infelizmente, no Brasil, nem o poder máximo da União e nem setores da sociedade foram capazes de criar uma sinergia para unir o país e vencer as dificuldades. O presidente da República tem atuado como um maestro que confunde a orquestra, difunde notas dissonantes e mantém um tom de deboche que não combina com a liturgia do cargo. Os agudos pronunciamentos presidenciais não estão sintonizados com a gravidade do momento. O povo brasileiro não terá um sono tranquilo se não for interrompida a cacofonia deste som.

Frase do dia 20 de maio de 2020

“Combater e morrer, e pela morte derrotar a morte, mas temer e morrer é fazer-lhe homenagem com um sopro servil”

William Shakespeare (1564-1616)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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