Diário da Covid-19: Brasil e Indonésia lutam para ultrapassar o pico da pandemia

Uma vendedora de Jamu, bebida tradicional à base de plantas da Indonésia, usa máscara e protetor facial em Jacarta. Foto Aditya Irawan/NurPhoto

Dois dos países mais populosos do mundo ainda sofrem muito com os efeitos do coronavírus

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 30 de junho de 2020 - 09:35 • Atualizada em 20 de novembro de 2021 - 12:45

Uma vendedora de Jamu, bebida tradicional à base de plantas da Indonésia, usa máscara e protetor facial em Jacarta. Foto Aditya Irawan/NurPhoto

A Indonésia – com 273 milhões de habitantes – e o Brasil – com 212 milhões de habitantes – estão entre os países mais populosos do mundo. A Indonésia só está atrás da China, Índia e EUA e à frente do Paquistão. O Brasil vem em seguida, no sexto lugar entre os maiores países do mundo em termos demográficos.

Mas no ranking dos países mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus o Brasil está em 2º lugar (com 1,4 milhão de pessoas infectadas e quase 60 mil mortes) e a Indonésia está em 29º lugar (com 55 mil casos e quase 3 mil mortes). É claro que as cifras reais devem ser muito maiores, pois existem muitas subnotificações nos dois países, sendo que o número de testes na Indonésia é ainda menor do que no Brasil. Diante, da fragilidade dos dados oficiais, fica difícil ter certeza sobre o impacto total da pandemia. Será preciso acompanhar os próximos meses para verificar os rumos que cada país vai seguir. Contudo, há evidências suficientes para dizer que ambos enfrentam um grande desafio para deter o avanço do Sars-CoV-2, embora os números indiquem que a situação do país sul-americano é muito mais grave do que a do país sul-asiático.

O primeiro caso confirmado da covid-19 no Brasil ocorreu em 26 de fevereiro de 2020, após a confirmação de que um homem de 61 anos de São Paulo que retornou da Itália testou positivo para o novo coronavírus. A primeira morte, de um homem de 62 anos, ocorreu em 17 de março, também em São Paulo. A propagação do vírus no Brasil ocorreu de forma mais rápida, atingindo todos os estados e já alcançando 85% dos municípios do país.

Na Indonésia, os dois primeiros casos foram registrados no dia 02 de março – um professor de dança e sua mãe. Ambos haviam organizado um curso de dança e entre os participantes havia um turista japonês que se declarou positivo dias depois. Desde então, o vírus se espalhou para muitas das 17,5 mil ilhas do arquipélago indonésio, tendo como foco inicial o chamado “cluster do curso de dança”. A primeira morte confirmada ocorreu em 11 de março, quando um cidadão britânico de 53 anos morreu em Bali. O mapa abaixo da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra como se distribui o número acumulado de casos registrados da covid-19 nas diversas províncias da Indonésia. Nota-se que a pandemia já se espalhou para grande parte do país, mas com intensidades diferentes.

O primeiro caso no Brasil já completou 4 meses e o primeiro caso da Indonésia também completa os mesmos 4 meses neste início de julho. Neste período, a pandemia avançou nos dois países, mas em ritmo mais veloz no território brasileiro. A tabela abaixo mostra que embora o Brasil tenha uma população menor do que a Indonésia, tem cerca de 20 vezes mais casos e mais mortes.  Em parte, esta grande diferença se deve ao menor número de testes da Indonésia (2,8 mil testes por milhão de habitantes), mas, embora as duas nações tenham cometido erros na contenção inicial da doença, o surto indonésio tem sido menos intenso do que o surto pandêmico brasileiro.

O Brasil apresentou, no dia 29/06, um coeficiente de incidência de 6.461 casos por 1 milhão de habitantes, contra 201 casos por milhão da Indonésia e 1.335 casos por milhão da média mundial. O coeficiente de mortalidade foi de 275 mortes por milhão de habitantes no Brasil, 10 mortes por milhão na Indonésia e 65 mortes por milhão na média mundial. A taxa de letalidade no Brasil foi de 4,3%, contra 5,1% na Indonésia e de 4,9% na média mundial. Em parte, essa menor taxa de letalidade do Brasil reflete a maior testagem em relação à Indonésia.

O gráfico abaixo, do jornal Financial Times, apresenta a média móvel de sete dias no número diário de casos e o tempo transcorrido desde o início, quando se atingiu a média de 3 pessoas infectadas. Nota-se que o Brasil não apenas tem um coeficiente de incidência (6,5 mil casos por milhão de habitantes) maior do que o da Indonésia (201 casos por milhão), como a curva brasileira é mais vertical, indicando uma maior velocidade na propagação dos casos.

O gráfico abaixo mostra o coeficiente de incidência dos casos diários, onde o Brasil apresentou cerca de 160 novos casos por milhão de habitantes e a Indonésia 5 novos casos por milhão de habitantes. Da mesma forma do gráfico anterior, a curva brasileira é mais vertical, indicando que o Brasil continua apresentando, proporcionalmente, mais casos no dia a dia do que a Indonésia.

O gráfico abaixo mostra o coeficiente acumulado da mortalidade, com o Brasil apresentando 275 vítimas fatais por milhão de habitantes e a Indonésia com 10 vidas perdidas por milhão de habitantes. Mais uma vez se percebe-se que a curva brasileira é mais vertical, indicando que o Brasil continua apresentando maiores números de mortes.

O gráfico abaixo mostra o coeficiente de mortalidade dos óbitos diários, onde o Brasil apresentou cerca de 5 novas mortes por milhão de habitantes e a Indonésia tem 0,2 novas mortes por milhão de habitantes. Ambas as curvas se mostram mais horizontais nas últimas semanas, indicando que há uma certa estabilização no número diário de vítimas fatais.

No mundo, o primeiro semestre de 2020 está terminando com a curva de casos em ascensão e a curva de óbitos em desaceleração. De fato até 31 de março havia 858 mil pessoas infectadas e 42,3 mil óbitos no mundo. No mês de abril houve um aumento de 2,4 milhões de casos e de 192 mil óbitos. No mês de maio o aumento de novos casos foi de 2,9 milhões e o número de novos óbitos caiu para 141 mil. No mês de junho o número de casos aumentou em ritmo mais acelerado e foi de 4,3 milhões de novos infectados, mas o número de novas mortes continuou diminuindo, apesar de acrescentar 138 mil vítimas fatais (sendo que na segunda quinzena de junho o número de mortes foi maior do que na primeira quinzena).

Desta forma, tudo indica que a pandemia vai continuar impactando o mundo no segundo semestre de 2020. Existem projeções globais que estimam 30 milhões de pessoas infectadas e 1,1 milhão de óbitos até o dia 31 de dezembro. Ou seja, o número de casos e de mortes, provavelmente, será maior nos últimos 6 meses do ano do que nos 6 meses iniciais. Sendo que a viabilidade de uma vacina que possa imunizar a maioria da população não deve ocorrer antes de 2021.

Por conta de tudo isto, no dia 29 de junho, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, alertou para o fato de que “O pior ainda está por vir”. Evidentemente, o ritmo do aumento relativo do número de casos e de mortes está diminuindo. Sem embargo, a experiência dos países que já controlaram a pandemia ou estão com variações diárias próximas de zero, indica que o lado direito da curva é sempre maior do que o lado esquerdo. Ou seja, os números de casos e de mortes no segundo semestre de 2020 devem ser maiores do que no primeiro semestre.

De fato, há vários países que ainda estão em fase de expansão da pandemia como Índia, Paquistão, Bangladesh e Arábia Saudita na Ásia, México, Colômbia, Peru e Chile na América Latina e África do Sul, Egito e Nigéria no continente africano. Além disto, os EUA passam por uma segunda onda de casos e o Irã já está apresentando uma terceira onda.

Neste quadro global, o Brasil e a Indonésia são exemplos de dois grandes países que também preocupam, pois ainda estão distantes do pico do número de casos, embora estejam numa fase de platô do número de óbitos (isto é, uma certa estabilidade em um patamar elevado, sem tendência de aumento, mas também sem tendência de queda significativa do número de vítimas fatais).

A gravidade da situação da pandemia no Brasil é a que mais se destaca no contexto global, pois além de ter um volume de casos e de óbitos muito mais elevado do que no caso da Indonésia, o ritmo brasileiro continua acelerado e o país mantém o primeiro lugar mundial no número diário de mortes. O que mais preocupa no caso brasileiro é que a pandemia se espraia para o interior e as cidades pequenas, que não possuem um sistema de saúde capaz de atender o crescente número de pessoas infectadas pela doença. Com o fim da quarentena e a maior flexibilização do isolamento social que ocorre nas diversas regiões, o número de novos casos está aumentando.

Assim, ainda existe a possibilidade de um aumento do número de vítimas fatais nas próximas semanas no Brasil, não obstante haver uma enorme torcida para que o pico da curva de óbitos tenha ficado para trás e que a diminuição consistente do número de vidas perdidas para o Sars-CoV-2 seja uma realidade permanente e duradoura.

Frase do dia 30 de junho de 2020

“Você não pode mudar o vento, mas pode ajustar as velas do barco para chegar onde quer”

Confúcio (551 a.C. – 479 a.C.)

Filósofo chinês

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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