Diário da Covid-19: Brasil bate recorde de mortes totais em janeiro de 2022

Casos de pneumonia e Síndrome Respiratória Aguda Grave ajudam a explicar a elevação no número de óbitos no país

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 20 de fevereiro de 2022 - 09:25 • Atualizada em 2 de março de 2022 - 12:27

Enquanto o Brasil bate recorde de mortes, manifestantes, em São Paulo, protestam contra a aplicação de vacinas (Foto: Nelson Almeida / AFP / 15-2-2022)

O primeiro mês de 2022 foi o mais mortal para os meses de janeiro de toda a história brasileira. O gráfico abaixo mostra que houve 100,1 mil mortes em janeiro de 2018, aumentando para 110,3 mil em 2019 e 112,6 mil em 2020. Mas nos dois anos seguintes o número deu um salto, com 137,4 mil óbitos em janeiro de 2021 e o recorde de 145,5 mil em janeiro de 2022, segundo os dados do Portal da Transparência do Registro Civil da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais).

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O que fez a diferença na alta mortalidade de janeiro de 2022 foi o aumento significativo das mortes por pneumonia e por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Foram 21,7 mil mortes por pneumonia, número bem superior às mortes por covid-19. Isto sugere que pode estar havendo uma subenumeração dos falecimentos pela covid-19 e que pode estar havendo um efeito indireto da pandemia no aumento do número geral de vidas perdidas.

O gráfico abaixo, com dados sistematizados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), mostra o número mensal de óbitos da covid-19 de março de 2020 a janeiro de 2022. Nota-se que o mês com maior número de mortes da pandemia foi abril de 2021 com 82,3 mil óbitos. Em janeiro de 2021 houve 29,6 mil óbitos e um número menor em janeiro de 2022, com 8,1 mil óbitos. Portanto, o número de vítimas fatais da covid-19 diminuiu no primeiro mês de 2022, mas isto não evitou o recorde de total de mortes ocorrido em janeiro. O Brasil teve excesso de mortes em janeiro e estudos adicionais são necessários para esclarecer o papel da pandemia neste processo.

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O número de mortes no Brasil vem aumentando ano após ano em função de uma população maior e mais envelhecida. As duas pirâmides etárias abaixo, da Divisão de População da ONU (revisão 2019), mostram que a população brasileira passou de 53,9 milhões em 1950 para 212,6 milhões de habitantes em 2020, sendo que a população idosa (de 65 anos e mais) passou de 1,6 milhão para 20,4 milhões, no mesmo período. Por conta destas características, o número de mortes tem aumentado no Brasil, embora a taxa bruta de mortalidade tenha caído de 16,1 por mil em 1950 para 6,6 por mil em 2020.

O gráfico abaixo, também com dados da Divisão de População da ONU, mostra que o número de mortes no Brasil foi de 883 mil óbitos em 1950, de 1,1 milhão em 2003 e de 1,38 milhão em 2019. Como as últimas projeções da ONU foram divulgadas antes da pandemia, os números recentes não levam em consideração a elevação da mortalidade por conta do novo coronavírus, mas são úteis como referência da descrição das tendências históricas. Em 2020 estava previsto um total de 1,4 milhão de óbitos; em 2021, 1,43 milhão, e em 2022, 1,46 milhão. Para 2032, a ONU estimou o montante de 1,77 milhão de óbitos. Mas a emergência sanitária mudou o quadro.

O gráfico abaixo compara os dados das projeções da Divisão de População da ONU com os dados do Portal da Transparência do Registro Civil. Nota-se que os registros de mortes em 2019 ficaram abaixo do número projetado pela ONU. Todavia, os números dos cartórios brasileiros superaram em muito as projeções em 2020, com 1,47 milhão de óbitos, e em 2021, com 1,73 milhão. O número de mortes registrados ano passado no Brasil é equivalente ao projetado para 2032 pela Divisão de População da ONU. Portanto, a pandemia teve um impacto muito forte na mortalidade brasileira, antecipando uma tendência que estava prevista para 10 anos à frente.

Além disto, era esperado que o número total de mortes começasse a ser reduzido em 2022 em relação ao ano anterior. Porém, como vimos, os dados de janeiro mostraram um aumento das mortes e, mesmo com dados preliminares, o mês de fevereiro também apresenta, até o momento, número mais elevados do que o imaginado anteriormente.

Este aumento da mortalidade está interrompendo uma tendência incrível de aumento da expectativa de vida ao nascer no mundo e nos diversos países. O gráfico abaixo, do Our World in Data, mostra que, em 1900, a expectativa de vida ao nascer dos Estados Unidos era de 49 anos; do mundo, de 32 anos, e do Brasil, de somente 29 anos. A expectativa de vida brasileira atingia apenas 59% da expectativa de vida americana. Em 1950, o Brasil (com 50,1 anos) já tinha ultrapassado a expectativa média mundial e representava 73,5% da expectativa americana. No ano 2000, o Brasil registrou uma expectativa de vida de 70,1 anos (mais do dobro daquela de 1900) e já representando 91,3% da expectativa de vida americana. Em 2019, o último ano antes da pandemia, o Brasil apresentou expectativa de vida ao nascer de 75,9 anos; o mundo, de 72,6 e os EUA, de 78,9 anos (apenas 4% acima da expectativa de vida brasileira).

Ainda não existem dados consolidados para avaliar com precisão como se comportou a expectativa de vida global e nos diversos países do mundo após o início da pandemia da covid-19. A Divisão de População da ONU tem feito reuniões e realizado um grande esforço para aquilatar os dados de 2020 e 2021 e preparar as novas projeções populacionais (revisão 2022), que devem ser divulgadas em junho do corrente ano.

As últimas projeções populacionais do IBGE foram divulgadas em 2018. O Instituto pretendia elaborar novas projeções populacionais após a conclusão do censo demográfico. Porém, como o censo foi adiado e está previsto para ser realizado no segundo semestre de 2022, as novas projeções brasileiras serão divulgadas, provavelmente, somente no final de 2023. Evidentemente, a carência de dados prejudica as políticas públicas, o planejamento dos investimentos da iniciativa privada e o conhecimento da realidade brasileira.

Embora o censo demográfico seja uma fonte de dados essencial, o Brasil possui outros registros administrativos que nos permitem reconhecer que o país está em uma encruzilhada e com dificuldade para manter a tendência histórica de aumento da expectativa de vida. Além da emergência sanitária, o Brasil vive também os efeitos da emergência climática e ambiental. Houve centenas de mortes nas enchentes de Bahia, Minas Gerais e São Paulo, e o número de vítimas fatais não para de subir no novo grande desastre provocado pela imprevidência e pelas chuvas em Petrópolis (RJ).

O direito à vida é uma garantia fundamental prevista no artigo 5º da Constituição Federal e o aumento da longevidade é um indicador obrigatório para o avanço do desenvolvimento humano e para o bem-estar geral de todos os habitantes do país. As projeções da ONU (revisão 2019) indicavam que o Brasil alcançaria uma esperança de vida ao nascer de 80 anos em 2040. Alcançar este patamar é perfeitamente possível, já que países como Chile e Costa Rica já atingiram essa meta em 2015.

Para não ficar para trás e não perder o “trem da história”, o Brasil precisa vencer a cultura da morte e reconhecer que todas as vidas importam e são necessárias para construir um país melhor e mais justo.

Frase do dia 20 de fevereiro de 2022

“Hoje eu estou aqui / Por sorte não por ser forte / Por que que sobrevivi, não sei / Sei que não foi blefe ou trote

Anteontem na UTI / Foi me visitar a morte / Mesmo sedado senti / Seu bafo no meu cangote”

Anteontem, Itamar Assumpção

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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