As empresas da covid-19 no Rio: rastro de suspeitas pelo estado

Empresas investigadas por superfaturamento na venda de luvas e outros produtos hospitalares deixam rastro de denúncias de irregularidades em municípios fluminenses (Foto: Divulgação SES/RJ)

Quatro fornecedoras, que faturaram quase R$ 150 milhões em contratos com secretaria estadual, colecionam denúncias em municípios fluminenses

Por Leonardo Iecker | ODS 16ODS 3 • Publicada em 18 de maio de 2020 - 08:10 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 16:45

Empresas investigadas por superfaturamento na venda de luvas e outros produtos hospitalares deixam rastro de denúncias de irregularidades em municípios fluminenses (Foto: Divulgação SES/RJ)

A dispensa de licitação prevista pela Lei Federal do COVID-19, editada em março deste ano, não deu oportunidade apenas para superfaturamento de leitos hospitalares e respiradores que nunca chegaram. Para além da operação Mercadores do Caos e da própria operação Lava Jato, que prenderam no início de maio membros da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (SES) até o ex-presidente da Alerj Paulo Melo (MDB), acusados de fraudar licitações para compra de ventiladores pulmonares, o perfil das quatro fornecedoras de medicamentos e equipamentos básicos de saúde que mais contrataram com o estado do Rio no início da pandemia revela que a legislação emergencial também atraiu para os cofres estaduais esquemas de fraudes de licitação de remédios e produtos hospitalares que, há anos, são suspeitos de desvio de verbas públicas dos municípios fluminenses.

Reportagem anterior do #Colabora mostrou que apenas quatro empresas – Carioca Medicamentos e Material Médico Eireli, a Speed Século XXI Distribuidora de Produtos e Serviços Hospitalares, a Avante Brasil e Comércio Eireli e a Sogamax Distribuidora e Produtos Farmacêuticosabocanharam quase R$ 150 milhões durante a gestão do ex-subsecretário-executivo de Sáude do Estado do Rio, Gabriell Neves, preso no dia 4 de maio na Operação Mercadores do Caos, por suspeita de superfaturamento de respiradores. Sem maiores esclarecimentos, o quarteto era escolhido a dedo por membros da SES para apresentarem suas propostas de preços, com indícios de superfaturamento nos produtos. A sequência de escândalos no setor levaram, neste domingo (17/5), à demissão do secretário estadual de Saúde do Rio, Edmar Santos.

Um raio-x sobre essas empresas e suas conexões políticas, contudo, revela como suas práticas de sobrepreço de medicamentos junto com municípios fluminenses foi importada para dentro da SES de Gabriell Neves.

Como nascem empresas e candidaturas

A Carioca Medicamentos e Material Médico Eireli, cujos contratos assinados com o governo estadual entre março e abril somam mais de R$ 80 milhões, tem uma longa trajetória de relações com o Poder Público. Fundada em maio de 2009 com o nome “Distribuidora de Medicamentos BK Ltda.”, a empresa tinha como sócios Renan Xavier de Azevedo, recém filiado ao PSDB, e Pietro Miranda Coccaro, filiado ao PT em dezembro do ano anterior. Com a saída precoce de Renan da sociedade, Pietro Coccaro pode tocar seus negócios de forma mais livre, vencendo pregões de fornecimento de remédios nos principais municípios da Região Metropolitana, principalmente na cidade da empresa, São Gonçalo.

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 Com as eleições municipais de 2012 se avizinhando, Pietro, então com 26 anos, resolve filiar-se ao PSB – sem desfiliar-se do PT, diga-se de passagem -, e lança candidatura a vereador: teve 1206 votos, ficando em 88º, numa distante suplência – São Gonçalo tem mais de 600 mil eleitores e 27 vagas de vereador na Câmara Municipal.

Pietro Coccaro, da Carioca Medicamentos e Material Médico: candidato a vereador em São Gonçalo (Reprodução)
Pietro Coccaro, da Carioca Medicamentos e Material Médico: candidato a vereador em São Gonçalo (Reprodução)

Passada a frustração, e sem se desligar dos negócios, Pietro resolve transformar sua sociedade em empresa de responsabilidade individual, dando origem a atual Carioca Medicamentos e Material Médico Eireli, com capital social de R$ 1,5 milhão. É nesse fase que o suplente de vereador vê seu empreendimento decolar: durante a gestão de Eduardo Paes na Prefeitura do Rio, Pietro consegue contratos vultuosos de fornecimento de remédios para a Biotech Humana Organização Social de Saúde, então mantenedora do Hospital Municipal Pedro II. Em dezembro de 2015, o Ministério Público do Rio de Janeiro deflagra a “Operação Ilha Fiscal” para combater fraudes em licitações organizadas pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio.*

Quanto a Pietro, a denúncia do MP o acusa de desviar R$ 4.499.661,03 em contratos com superfaturamento de até 394%, sendo o valor remetido tanto para a conta da empresa de seu primo, Leandro Pinto Coccaro, quanto para outra empresa sediada em Delaware, nos EUA. Apesar de intimado, o dono da Carioca, que já teve passagem pela polícia por agressão à mulher e crime de trânsito, nunca apresentou defesa na ação de improbidade administrativa que tramita na 1ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro.

Ficha criminal de Pietro Coccaro (Reprodução)

Antes, Pietro decide vender sua empresa em setembro de 2016 para Cláudio Wagner Ribeiro da Silva, funcionário da Carioca de 46 anos e filiado ao PSDB. Pelos termos do acordo, Cláudio, que no ano anterior daria entrada para requerer o certificado de conclusão do ensino médio através do Enem, deveria pagar 167 parcelas para adquirir a empresa, totalizando cerca de R$ 1,1 milhões.

Já Pietro encontra novo parceiro de negócios. Trata-se de Guilherme da Silveira Marcatti, ex-vereador de Magé pelo PRB (hoje Republicanos). Em 2014, Guilherme foi condenado no TRE-RJ por participar de esquema de compra de votos em Magé. Segundo testemunhas ouvidas no processo, apoiadores do candidato abordavam pessoas nas ruas de Magé oferecendo R$ 30,00 em troca do voto em Marcatti. Na véspera da votação de 2012, foram apreendidos 41 títulos de eleitor, sete pedaços de papel com anotações de título de eleitor, um caderno com anotações sobre títulos de eleitor, 179 “santinhos” de propaganda eleitoral e R$ 910,00 em espécie. Por conta do desgaste na campanha, Guilherme não conseguiu a reeleição, também acabando como suplente naquelas eleições.

Guilherme Marcatti: ex-vereador em Magé e parceiro de Coccaro (Reprodução)

O ex-vereador, que antes da condenação tinha como sustento sua própria empresa de fornecimento de medicamentos, a G.S. Comércio e Distribuidora ME, aproveita a chegada de Pietro Coccaro como sócio para mudar a denominação social da firma, agora chamada Gmed Distribuidora de Medicamentos, empresa que viria a vencer boa parte das licitações nos principais municípios da Região Metropolitana. 

Contrato para compras – sem licitação – entre a Prefeitura de Silva Jardim e a Gmed (Reprodução)

E mesmo a saída de Guilherme no ano passado não abalou a posição sólida da empresa. Pelo contrário. A sequência de dispensa de licitação ocasionada pela pandemia da covid-19 tem rendido para a Gmed contratos como o do município de Silva Jardim, orçado em R$ 734 mil, em que os itens a serem adquiridos não são discriminados, tampouco a razão para a escolha direta da empresa de Pietro.

Já a Carioca Medicamentos se transformou durante a pandemia da covid-19 na maior fornecedora de medicamentos do Estado do Rio de Janeiro, com contratos totalizando R$ 80 milhões. Por outro lado, o crescimento da empresa também chamou a atenção das autoridades estaduais de fiscalização. No processo mais recente analisado pelo TCE-RJ (Processo no 207886-8/2019), foram investigados indícios de superfaturamento na proposta da empresa e de outras competidoras, atraídas pelo valor global de R$ 33 milhões da licitação, organizada pela Prefeitura de Magé, domicílio eleitoral de Guilherme Marcartti.

Empresário com jogo duplo na política

Detentora de dois contratos com a SES de mais de 17 milhões, também com dispensa de licitação, a Sogamax Distribuidora de Produtos Farmacêuticos Ltda. é uma das importantes engrenagens de Cardoso Moreira, município do Norte Fluminense. O sócio Márcio Cosendey Alves é filiado ao PHS desde o início dos anos 2000, tendo participação ativa nas eleições da cidade. Em 2012, partiu dele próprio a iniciativa de solicitar uma pesquisa de intenção de votos para a Prefeitura.

Naquele pleito, o partido de Márcio integrava a coligação que apoiava o candidato do PDT, Élcio Rangel da Silva. O dono da Sogamax, contudo, optou por ajudar o rival, Genivaldo da Silva Cantarino (PRB), que acabou eleito. O apoio, ainda que discreto, rendeu-lhe o Processo nº 436-67.2012.6.19.0141, no qual o juízo da 141a Zona Eleitoral intimou Genivaldo a esclarecer supostas doações ilícitas de Márcio e de outros apoiadores.

Investigação sobre doações ilícitas de Marcio Consendey Alves, sócio da Sogamax (Reprodução)

A doação de Márcio não consta até o presente momento no banco de dados do TSE referente à candidatura de Genivaldo. Uma vez eleito, o “Gegê Cantarino” teria uma relação tortuosa com a Justiça. Durante a campanha de 2016, buscando a reeleição, o prefeito valeu-se do locutor oficial da XXIV Exposição Agropecuária, Comercial e Industrial de Cardoso Moreira para veicular propaganda eleitoral, o que lhe rendeu uma multa de R$ 25 mil. 

Cantarino, que acabou não se reelegendo, também foi condenado organizar convenção partidária de apoio a sua candidatura nas dependências de um imóvel alugado da Prefeitura. O Ministério Público estadual também o investiga em razão da grave situação das contas públicas deixadas pela gestão do então prefeito e por supostas práticas fraudulentas, como o superfaturamento em R$ 1,3 milhão na compra de terrenos pelo município.

Já a Sogamax e Márcio Cosendey seguem com contratos de fornecimento de medicamentos, alguns deles com indícios de superfaturamento. No mesmo processo em tramitação no TCE em que a Carioca é investigada, por exemplo, a Sogamax surge como uma das competidoras, também com propostas de valores considerados elevados para o tribunal. 

No contrato com a SES referente ao Processo SEI no 080001/005552/2020, a Sogamax ofereceu valor unitário de R$ 55,00 em óculos de proteção individual, item que, segundo o Banco de Preços em Saúde do Ministério da Saúde, tem custo médio de R$ 7,60. Apesar da distorção do preço, a Sogamax, que atualmente apresenta débito tributário de R$ 1,2 milhão relativos ao recolhimento de ICMS, sagrou-se vencedora.

Compra de óculos de segurança da Sogamax pela Secretaria de Saúde investigada pelo TCE: suspeita de superfaturamento (Reprodução)

Por seus serviços prestados ao município de Cardoso Moreira, Márcio Cosendey Alves foi agraciado em junho passado com o título de “Cidadania Cardosense” pela Câmara dos Vereadores.

Uma ‘carona’ de quase R$ 700 mil

Com quase R$ 20 milhões em contratos com dispensa de licitação da SES no mês passado, a Avante Brasil Comércio Eireli é fornecedora bastante presente nas licitações dos municípios fluminenses e do próprio estado do Rio. Seu sócio, Rodrigo Álvaro Cunha, atualmente com 31 anos, desde cedo apostou no setor varejista para crescer na vida. 

Ainda antes de fundar a Avante em junho de 2015, Rodrigo participou da RV Replay Modas Ltda, empresa destinada ao comércio de roupas e tecidos. Contudo, buscando ter seu próprio negócio, Rodrigo deixa a sociedade e decide fundar outra, que, a partir deste momento, não mais se limitaria a apenas um setor varejista. Nasce a Avante Brasil, empreendimento sediado em Nova Iguaçu e cuja descrição de atividades informada à Receita Federal vai muito além do fornecimento de medicamentos e produtos hospitalares básicos:

Avante: do fornecimento de medicamentos a calçados e equipamentos de telefonia (Reprodução)

Apesar de atacar em quase todas as frentes, é com o comércio de “medicamentos e drogas de uso humano” que Rodrigo alcançaria seu primeiro milhão. O sinal foi dado no dia no discurso de posse do prefeito de Campos dos Goytacazes, Rafael Diniz (PPS), que, em 1º de janeiro de 2017, havia avisado ao público que sua gestão seria definitivamente marcada pela saúde. Menos de dois meses depois, Rodrigo e a prefeitura assinam quatro contratos com dispensa de licitação, totalizando R$ 7.975.221,00. 

Não houve qualquer especificação dos produtos a serem adquiridos pelo município, nem a justificativa para a dispensa, exceto a mera indicação do art. 24, IV, da Lei Geral de Licitações, justamente o dispositivo que versa sobre casos de calamidade pública, como a vivenciada atualmente na crise da covid-19. 

Contrato com dispensa de licitação da Avante com a Prefeitura de Campos: pagamentos de R$ 67 milhões desde 2017 (Reprodução)

Em todo o ano de 2017, a empresa faturou R$ 17.310.852,64 em contratos com o município. Desde a posse de Rafael Diniz, a Avante já recebeu dos cofres públicos de Campos mais de R$ 65 milhões. A secretária de Saúde da cidade, Fabiana de Mello Catalani Rosa, quem assinou boa parte dos contratos, já foi condenada por improbidade administrativa no início do ano passado por acumular três cargos nas prefeituras de Campos, Macaé e Quissamã, tendo inclusive participado da gestão anterior de Rosinha Garotinho, rival de Rafael Diniz.

Mas Rodrigo Álvaro Cunha não concentrou suas atividades apenas em Campos. Assim como a Carioca, a Sogamax e a Speed (veja mais abaixo), a Avante Brasil foi figura fácil nos pregões de medicamentos organizados por municípios do estado do Rio. 

Um deles, contudo, vem lhe dando dor de cabeça. Trata-se da Ata de Registro de Preço 10B/2016, registrada em meados de 2016 pelo município de Duque de Caxias junto às fornecedoras Avante Brasil, a Telemedic Distribuidora, o Hosp Rio Material Hospitalar, a SNA Comércio e a Ultrafarma Produtos Médicos. 

Ainda que nela constassem preços notoriamente desvantajosos para a Administração Pública, a equipe de transição do prefeito eleito de Nova Friburgo, Renato Bravo (PP), fez questão de aderir à ata de Caxias e abrir mão de licitação própria no município, que já estava em andamento. 

A conta chegou somente em janeiro deste ano, quando a PF e o MPF deflagraram a “Operação Carona do Duque”, destinada a cumprir mandados de busca e apreensão contra os ex-secretários de Saúde e da Casa Civil de Nova Friburgo, como também dos empresários das cinco empresas presentes na Ata de Duque de Caxias, dentre eles, Rodrigo Álvaro Cunha. Segundo consta na denúncia, Bruno Villas Boas, que seria indicado novo secretário de Governo de Renato Bravo (PP), pressionou internamente para a efetivação da “carona” à Ata de Caxias pela prefeitura de Nova Friburgo, articulando o processo junto com empresários que já participavam daquela licitação. 

Nesse esquema, as cinco empresas trabalharam para frustrar a licitação em andamento em Friburgo, apresentando preços explicitamente superfaturados para dar motivo de abandono do certame. Assim, concluída com sucesso a “carona” de Caxias, a Avante chega a faturar R$ 203.272,00 junto à prefeitura de Friburgo, sendo R$ 103.718,86, ou 65,75% do total, resultado de superfaturamento. Segundo o MPF, o valor global desviado ilicitamente pelo grupo alcançou a cifra de R$ 684.736,49.

E mesmo o bloqueio de R$ 103.718,86 em sua conta corrente, decretado pela  1o Vara Federal de Nova Friburgo, não chegou a intimidar a vocação de Rodrigo para o mundo dos negócios. No mesmo dia da deflagração da “Operação Carona do Duque”, a Prefeitura de Petrópolis publica no Diário Oficial a contratação da Avante Brasil para fornecimento de medicamentos, avaliado em mais de R$ 1 milhão. Dentre os itens adquiridos pelo município está o antibiótico claritromicina injetável. No Banco de Preços em Saúde, o medicamento tem custo médio de R$ 34,58. Já para Petrópolis, Rodrigo fechou o negócio pelo preço unitário de R$ 45,00.

Avante: contrato de R$ 1 milhão com a prefeitura de Petrópolis mesmo com a empresa alvo de operação da Polícia Federal (Reprodução)

Menos de dois meses depois, já em meio ao estado de calamidade pública decorrente pandemia da covid-19, Rodrigo aproveita a dispensa sistemática de licitação na aquisição de medicamentos pela SES para triplicar o preço do antibiótico no Processo SEI no 080001/006692/2020. Quem levou aquele lance, contudo, foi sua parceira de licitações na SES, a Speed Século XXI, que ofertou pelo módico valor de R$ 120,00.

Compra sob investigação da Secretaria Estadual de Saúde: disparada de preços de claritromicina (Reprodução)

Vejamos o caso da vencedora desta compra.

A inflação de 7.246% em antibiótico

Das quatro empresas do oligopólio de fornecimento de medicamento para a SES durante a pandemia, a Speed Século XX Distribuidora de Produtos Médicos e Hospitalares Ltda. é a que há mais tempo participa de licitações dos municípios do estado. Fundada em junho de 2010 em São João do Meriti, a empresa já colecionou uma sequência de sócios, que sempre mantiveram o padrão agressivo de vendas da empresa.

No fim da administração de José Leonardo Ribeiro Antelo, no ano eleitoral de 2016, a Speed expandiu significativamente seus negócios, assinando contratos milionários com municípios como São Gonçalo (R$ 4.782.651,00 – Pregão 09/2016), Cabo Frio (Pregão 02/16 – R$ 5.420.067,49) e Mangaratiba (R$ 965.420,00 – Pregão 30/15).  

Mas o que mais chama atenção são os R$ 16.836.040,44 arrecadados nos primeiros meses do novo governo que se instalou na Prefeitura de Engenheiro Paulo de Frontin. Somente em um deles, o valor global acertado foi de R$ 7.224.533,02. Todos foram assinados pelo prefeito Jauldo de Souza Balthazar Ferreira, que entrou para o PSC no fim do ano passado, recebendo sua filiação das mãos do próprio Pastor Everaldo, presidente nacional da sigla.

Em outubro daquele ano, José Leonardo vende o controle da Speed ao advogado trabalhista Sílvio César Ferreira de Moraes, em uma transação de R$ 4 milhões divididos em 24 parcelas mensais e mais R$ 250.000,00 de entrada. Filiado ao MDB, o jurista e empresário possui perfil discreto de atuação política, nunca tendo se candidatado a qualquer cargo político.

Mas nem por isso a Speed se afastou do Poder Público. Para além da habitualidade de contratos vultuosos com municípios do estado, como os de Guapimirim (R$ 916.608,00 – Pregão 03/18) e  Búzios (R$ 1.154.280,50 – Contrato 007/2020), a empresa foi convocada 11 vezes em menos de um mês por funcionários da SES, comandados por Gabriell Neves, para oferecer propostas de preços de medicamentos a serem adquiridos com dispensa de licitação. E aproveitou.

No Processo SEI no 080001/006000/2020, por exemplo, a Speed oferecera a proposta de R$ 99,12 por caixa de antibiótico Azitromicina 500mg injetável.

Oferta da Speed para a venda de antibiótico para a Secretaria Estadual de Saúde: R$ 99,12 por caixa e contrato sob investigação (Reprodução)

Para efeitos de comparação, própria Speed, naquele contrato de R$ 7 milhões com o município de Engenheiro Paulo de Frontin, oferecera o mesmo produto pelo irrisório valor de R$ 1,30.

Proposta da Speed para venda do mesmo antibiótico para a Prefeitura de Paulo de Frontin há três anos: R$ 1,30 por caixa (Reprodução)

Alerta da Assessoria Jurídica

No Parecer SES/SJ/AJ/FMF/DT 04/2020, publicado cinco dias após a primeira reportagem do #Colabora, a Assessoria Jurídica da SES alerta para uma sequência de irregularidades envolvendo os processos de contratação direta das quatro empresas, como a ausência de pesquisa prévia de preços para a aquisição de medicamentos e outros produtos, além da falta de critérios para a escolha específica das quatro empresas

Segundo o órgão, cabe “pontuar que quase todas as aquisições emergenciais de medicamentos, insumos e EPIs desta Secretaria de Estado – como a que ora se analisa – são atribuídas a uma ou mais das empresas abaixo listadas. Inclusive, são elas as únicas que regularmente apresentam orçamento às disputas. Se outros concorrentes foram consultados, não há registro nos autos”.

Trecho de parecer da Assessoria Jurídica da Secretaria Estadual de Saúde: indícios de irregularidades na seleção da empresas (Reprodução)

Ainda que as orientações dadas pela Assessoria Jurídica não sejam obrigatórias, o Parecer destacou ainda que seria necessária a pesquisa de preços em todos os processos em que as quatro empresas aparecem como fornecedoras. A SES, contudo, ainda não se posicionou definitivamente sobre o tema.

Todos os processos estão sob auditoria interna da pasta.

*A reportagem foi atualizada em 29/05 para corrigir a informação de que os ex-secretários Hans Dohmann e Daniel Soranz foram alvos de mandados de prisão durante a Operação Ilha Fiscal. Na verdade, ambos atualmente figuram como réus apenas na Ação de Improbidade Administrativa n. 0123264-56.2017.8.19.0001, uma das ações judiciais originadas a partir das descobertas da Operação Ilha Fiscal, instaurada para investigar suspeitas de superfaturamento de remédios e materiais hospitalares no âmbito da Prefeitura do Rio de Janeiro. Pelo erro, o repórter Leonardo Iecker e o #Colabora pedem desculpas a Hans Dohmann e Daniel Soranz.

Leonardo Iecker

Ex-repórter nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, é formado em jornalismo pela PUC-RJ e em Direito pela Faculdade Nacional de Direito/UFRJ. Tem mestrado em História pela UFF e está concluindo outro mestrado em Direito Internacional pela UERJ. Atualmente trabalha em escritório de advocacia, embora nunca tenha abandonado o olhar de jornalista

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4 comentários “As empresas da covid-19 no Rio: rastro de suspeitas pelo estado

  1. Daniel Ricardo Soranz disse:

    Está matéria contém informações inverídicas sobre a minha pessoa, nunca fui acusado em nenhuma denúncia criminal na operação ilha fiscal ou qualquer outra denúncia do tipo, nunca foram emitidos mandatos de prisão e não há qualquer referência A minha pessoa ou do Secretário Hans nesta operação, solicito a supressão do texto “ foram expedidos mandados de prisão contra os ex-secretários municipais de Saúde, Hans Dohmann e Daniel Soranz”
    Está é uma solicitação extra judicial, disseminar fakenews é crime

  2. Daniel Ricardo Soranz disse:

    Está matéria contém informações inverídicas sobre a minha pessoa, nunca fui acusado em nenhuma denúncia criminal na operação ilha fiscal ou qualquer outra denúncia do tipo, nunca foram emitidos mandatos de prisão e não há qualquer referência A minha pessoa ou do Secretário Hans nesta operação, solicito a supressão do texto “ foram expedidos mandados de prisão contra os ex-secretários municipais de Saúde, Hans Dohmann e Daniel Soranz”
    Está é uma solicitação extra judicial, disseminar fakenews é crime.

    • Oscar Valporto disse:

      *A reportagem foi atualizada em 29/05 para corrigir a informação de que os ex-secretários Hans Dohmann e Daniel Soranz foram alvos de mandados de prisão durante a Operação Ilha Fiscal. Na verdade, ambos atualmente figuram como réus apenas na Ação de Improbidade Administrativa n. 0123264-56.2017.8.19.0001, uma das ações judiciais originadas a partir das descobertas da Operação Ilha Fiscal, instaurada para investigar suspeitas de superfaturamento de remédios e materiais hospitalares no âmbito da Prefeitura do Rio de Janeiro. Pelo erro, o repórter Leonardo Iecker e o #Colabora pedem desculpas a Hans Dohmann e Daniel Soranz.
      A informação foi retirada e este texto adicionado no final da reportagem. Oscar Valporto – editor.

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