Abandonados pelos governos, indígenas de Manaus criam sua própria unidade de saúde

A unidade inaugurada no Parque das Tribos: mobilização contra o abandono. Foto de Neto Ramos/Coaib

Posto começou a funcionar em janeiro, no Parque das Tribos, e realizou mais de 180 atendimentos. Mas a carência de profissionais, equipamentos e estrutura continua enorme

Por Ariel Bentes | ODS 3 • Publicada em 26 de fevereiro de 2021 - 09:24 • Atualizada em 4 de março de 2021 - 11:31

A unidade inaugurada no Parque das Tribos: mobilização contra o abandono. Foto de Neto Ramos/Coaib

Com o sistema público de saúde em colapso, e a crise de oxigênio, o Amazonas ultrapassou 290 mil casos confirmados de Covid-19, na segunda e pior onda da pandemia. A crise atingiu dramaticamente os moradores do Parque das Tribos, localizado na zona urbana de Manaus, que sem o apoio do poder público decidiram buscar a própria solução: assim nasceu a Unidade de Apoio à Saúde do Povo Indígena (UASPI), posto de saúde para os habitantes do bairro. 

Parque das Tribos é o primeiro bairro indígena da capital, com 688 famílias e 35 etnias que nunca tiveram acesso a saneamento básico nem a uma Unidade Básica de Saúde (UBS), como afirma Miquéias Kokama, cacique e uma das principais lideranças dos povos tradicionais na cidade. Inconformado com a situação, Miquéias juntou-se a outros moradores na empreitada que terminou com inauguração da UASPI dia 8 de janeiro. 

“Precisava fazer alguma coisa, só eu sei o que a minha comunidade passa. O meu povo precisa de saúde e eu não podia esperar pela Prefeitura ou pelo governo do Estado. Não temos equipamentos e profissionais suficientes, mas tinha que fazer algo se não eu ia perder mais um indígena da comunidade, assim como perdi meu pai”, resumiu Miquéias sobre a situação do bairro. O cacique assumiu o posto após a morte do pai, Messias Kokama, vítima do coronavírus.

A UASPI funciona em uma antiga igreja da comunidade e conta com a colaboração de 50 voluntários, entre eles médicos, enfermeiros, assistentes sociais, serviços gerais, cozinheiros, seguranças e coordenadores. Segundo Edcarla Portugal, advogada representante do Parque das Tribos e uma das coordenadoras do projeto, em janeiro e fevereiro a unidade realizou mais de 180 atendimentos, com mais de 20 pacientes que precisaram ficar internados nas redes da UASPI, que substituem as macas hospitalares em ambiente mais acolhedor. 

Profissional de saúde na unidade criada pelos indígenas: 180 atendimentos desde janeiro. Foto de Neto Ramos/Coiab
Profissional de saúde na unidade criada pelos indígenas: 180 atendimentos desde janeiro. Foto de Neto Ramos/Coiab

Para uma das coordenadoras da UASPI, a técnica de enfermagem Vanda Ortega, primeira pessoa a ser vacinada contra o coronavírus no Amazonas, a criação da unidade é reflexo da negligência do Estado. “A criação da UASPI se dá a partir da negligência do Estado com a população indígena em contexto de cidade, uma vez que não há políticas para o atendimento dessas pessoas. Todo esse esforço da nossa comunidade e das lideranças também ocorre porque não conseguimos atendimento nos hospitais lotados e sem condições de receber mais gente”.

A criação e a manutenção da unidade têm sido com recursos próprios das lideranças ou através da campanha “Salvando vidas indígenas”, que arrecada doações da população e de organizações sociais. Tanto Miquéias quanto Edcarla afirmam que a UASPI necessita de remédios, produtos de higiene e alimentos, mas principalmente de melhorias na estrutura do local que padece nas fortes chuvas deste período. Há carência também de profissionais e equipamentos que possam fornecer serviços de saúde mais específicos. “Enviaram uma UBS móvel para cá no dia 1º de fevereiro, mas é para os serviços básicos e isso já temos. Preciso de mais cilindros de oxigênio, ambulância, médicos e fisioterapeutas e exames específicos e aprofundados que estejam disponíveis por 24 horas e não somente de segunda a sexta”, conta o cacique. 

Com mais de 10 mil mortos por coronavírus no Amazonas e sem a inclusão de indígenas que vivem em centros urbanos no Plano Nacional de Imunização da covid-19, a Unidade de Apoio à Saúde do Povo Indígena deve continuar por tempo indeterminado. Além disso, segundo Edcarla, as lideranças do projeto estão enviando ofícios que exigem uma unidade de saúde permanente no Parque das Tribos.

Para apoiar a UASPI, confira o site “Salvando vidas indígenas” ou entre em contato com o telefone (92) 99308-9547.

UBS móvel realiza somente atendimentos em nível de atenção primária 

Ao #Colabora, a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) de Manaus informou que a UBS móvel foi implantada no Parque das Tribos em maio de 2020, mas com a redução das demandas acabou redirecionada a outras comunidades indígenas da capital. “Diante do agravamento da situação de saúde em Manaus, esta Pasta retornou com a UBS Móvel para o Parque das Tribos, com funcionamento de segunda à sexta-feira, em horário integral de 8h às 16h30″, acrescenta a nota. 

Questionada sobre a Unidade de Apoio aos Povos Indígenas, a Semsa afirma que os casos positivos para Covid-19, identificados no local pela secretaria, estão sendo direcionados à unidade móvel.

A equipe da unidade: voluntariado e solidariedade. Foto de Vanda Ortega
Ariel Bentes

Moradora de Manaus, formanda em Jornalismo na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), repórter do Favela em Pauta e colaboradora do Atlas da Notícia. É co-fundadora da Abaré - Escola de Jornalismo e foi repórter do Portal e Revista Mercadizar.

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Um comentário em “Abandonados pelos governos, indígenas de Manaus criam sua própria unidade de saúde

  1. miqueias da silva moreira disse:

    isso e uma pura mentira essas ajuda de colaboração usaro a imagem do meu Pai que faleceu com COVID. nunca eu recebi essas ajudar. Cacique Messias Martins Moreira etinia KOKAMA

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