Nova variante do coronavírus: cientista britânica responde a questões-chave

O coronavírus, causador da covid-19 (Sars-cov-2): variante, a partir de mutações, pode aumentar a transmissão (Foto: Peter Endig/dpa/AFP)

Pesquisadora explica o que já se sabe - e o que não se sabe - sobre a linhagem do vírus da covid-19 que fez dezenas de países fecharem às portas aos moradores do Reino Unido

Por The Conversation | ODS 3 • Publicada em 23 de dezembro de 2020 - 09:37 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 16:19

O coronavírus, causador da covid-19 (Sars-cov-2): variante, a partir de mutações, pode aumentar a transmissão (Foto: Peter Endig/dpa/AFP)

Cientistas acreditam que uma nova variante do SARS-CoV-2, o coronavírus responsável pela covid-19, esteja  provocando o aumento da transmissão da doença em partes do Reino Unido. O governo colocou algumas regiões – incluindo Londres – sob novas e mais rígidas restrições ao coronavírus, conhecidas como Nível 4. As pessoas em áreas de Nível 4 não poderão se reunir com ninguém fora de sua casa no Natal, enquanto as do resto do país só podem se reunir no próprio dia de Natal.

Mais de 40 países já fecharam suas fronteiras para os britânico até o momento, por receio da disseminação da nova variante. Filas quilométricas de caminhões estão sendo observadas nas estradas e rodovias da região inglesa de Kent, onde está o porto de Dover, onde os veículos faziam a travessia para a França que fechou a fronteira para os britânicos. As estradas viraram estacionamentos improvisados.

Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico, e seus principais assessores científicos disseram que a nova variante poderia aumentar a transmissão da covid-19 em até 70% e fazer crescer o número R (ou número de reprodução) em 0,4 – cada pessoa poderia contaminar mais quatro do que atualmente. Qual é o significado desta nova descoberta? The Conversation perguntou a Lucy van Dorp, pesquisadora de genômica microbiana e especialista na evolução de patógenos na University College London (UCL), algumas perguntas-chave sobre o que sabemos neste momento.

The Conversation – O que sabemos sobre esta nova variante?

Lucy van Dorp – A nova variante do coronavírus no Reino Unido, conhecida como VUI – 202012/01 ou linhagem B.1.1.7, foi anunciada pela primeira vez por Matt Hancock, o secretário de saúde em 14 de dezembro. Foi posteriormente confirmado pela Public Health England e pelo consórcio de sequenciamento da covid-19 do Reino Unido . Analisando os bancos de dados do SARS-CoV-2, a primeira amostra foi coletada no condado de Kent em 20 de setembro.

A variante carrega 14 mutações definidoras, incluindo sete na proteína spike, a proteína que mede a entrada do vírus nas células humanas. Este é um número relativamente grande de mudanças em comparação com as muitas variantes que temos em circulação globalmente.

A cientista britânica Lucy van Dorp: nova variante do coronavírus tem número grande e variado de mutações (Foto: The Conversation)

Até o momento, os perfis genéticos – ou genomas – dessa variante foram sequenciados e compartilhados em grande parte no Reino Unido, mas incluem alguns na Dinamarca e dois casos na Austrália. Também houve relatos de um caso na Holanda. Todos esses países têm grandes esforços de sequenciamento do genoma e é muito possível que essas observações não reflitam a verdadeira distribuição dessa variante do vírus, que poderia existir sem ser detectada em outro lugar. Saberemos mais à medida que mais genomas forem gerados e compartilhados.

Graças aos esforços de compartilhamento de dados, vigilância genômica e resultados do teste COVID-19 no Reino Unido, parece que esta variante está agora começando a dominar as versões existentes do vírus e que pode ser responsável por uma proporção crescente de casos em partes do país, especialmente em regiões onde também temos números de casos em rápida expansão.

É sempre muito difícil separar causa e efeito nesses casos. Por exemplo, o aumento no aparecimento de certas mutações pode ser devido ao aumento da frequência das linhagens virais que as carregam, simplesmente porque são aquelas presentes em uma área onde a transmissão é alta – por exemplo, devido às atividades da população ou à escolha de intervenções pelo Poder Público.

Embora isso ainda seja uma possibilidade, há observações claramente preocupantes até agora para esta variante para garantir uma caracterização, vigilância e intervenções muito cuidadosas para conter a transmissão.

Essa variante do coronavírus é mais perigosa?

Chris Whitty, diretor médico do Reino Unido, afirmou claramente que não há evidências até o momento de que esta variante altere a gravidade da doença, seja em termos de mortalidade ou dos sintomas da doença para os infectados. Pesquisas estão em andamento para confirmar isso.

Como as mutações de vírus acontecem?

As mutações são uma parte natural da evolução do vírus. No caso do SARS-CoV-2, essas mutações podem surgir devido a erros aleatórios durante a replicação do vírus, podem ser induzidas por proteínas antivirais em pessoas infectadas ou ainda por embaralhamento genético – conhecido como recombinação. Sinais de recombinação, contudo, não foram ainda detectados no SARS-CoV-2.

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A variante do Reino Unido, ou linhagem, é definida por um número incomum e uma combinação, também incomum, de mutações

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A maioria das mutações virais não costuma ter qualquer impacto. Por exemplo, quando nossa equipe avaliou substituições de mutações individuais em mais de 50 mil genomas da primeira onda da pandemia, não detectamos nenhuma mutação que alterasse significativamente a aptidão viral – a capacidade do vírus de sobreviver e se reproduzir.

No entanto, de vez em quando, uma mutação, ou neste caso uma combinação particular de mutações, pode dar sorte e oferecer ao vírus uma nova vantagem. Os vírus que carregam essas combinações de mutações podem, então, aumentar em frequência por seleção natural, dado o ambiente epidemiológico certo.

De onde veio a variante?

No momento, não sabemos. Até o momento, os cientistas não identificaram nenhum vírus estreitamente relacionado para apoiar a teoria de que a variante foi introduzida do exterior. Os padrões de mutações observados são mais favoráveis a um período extenso de evolução adaptativa, provavelmente no próprio Reino Unido, com base nos dados que temos hoje

Padrões semelhantes de mutação a estes foram observados na evolução do SARS-CoV-2 em pacientes cronicamente infectados, com sistema imunológico mais fraco. A hipótese atual é que tal quadro de infecção crônica, em um único paciente, possa ter influenciado a origem dessa variante. Isso continua sendo investigado.

Quantas variações do SARS-CoV-2 encontramos?

Existem muitos milhares de linhagens de SARS-CoV-2, que diferem em média por apenas um pequeno número de mutações definidoras. É verdade que o SARS-CoV-2 atualmente em circulação global tem pouca diversidade genômica. Sutilezas nas mutações carregadas em linhagens diferentes podem, no entanto, sere, muito úteis para reconstruir padrões de transmissão. Como exemplo, trabalhos iniciais na pandemia usaram atribuições de linhagem para identificar pelo menos mil introduções de SARS-CoV-2 no Reino Unido.

Barreira no porto inglês de Dover onde ferries fazem a travessia para a França: fronteira francesa fechada para os britânicos (Foto: Justin Tallis/AFP)
Barreira no porto inglês de Dover onde ferries fazem a travessia para a França: fronteira francesa fechada para os britânicos (Foto: Justin Tallis/AFP)

Por que esta variante é diferente?

É importante notar que muitas das mutações que definem a variante do Reino Unido foram observadas no SARS-CoV-2 antes e até mesmo no início da pandemia.

No entanto, a variante do Reino Unido, ou linhagem, é definida por um número incomum e uma combinação, também incomum, de mutações. Uma dessas mutações, N501Y, já havia demonstrado aumentar a ligação do vírus aos receptores em nossas células. O N501Y foi sequenciado pela primeira vez em um vírus no Brasil em abril de 2020 e está atualmente sendo associada a uma variante do SARS-CoV-2, que vem aumentando em frequência na África do Sul – uma linhagem independente de B.1.1.7 que também é motivo de preocupação.

As deleções (tipo de mutação) específicas identificadas na proteína spike de B.1.1.7 apareceram em várias outras linhagens do vírus em frequência crescente e também são observadas em infecções crônicas onde podem alterar a antigenicidade – reconhecimento por anticorpos imunes. Essas deleções também podem estar associadas a outras mutações na região de ligação da proteína do pico do coronavírus, incluindo aquelas observadas em infecções entre visons cultivados e uma mutação que demonstrou desempenhar um papel na capacidade do vírus de escapar do sistema imunológico em humanos. A linhagem B.1.1.7 também abriga um gene ORF8 truncado, com deleções nesta região previamente associadas à redução da gravidade da doença.

O efeito funcional dessas mutações e deleções, particularmente quando na combinação registrada na B.1.1.7, ainda está para ser determinado. O alto número de mutações e o recente aumento na prevalência desta variante em particular, juntamente com a relevância biológica de alguns dos candidatos à mutação, enfatizam a necessidade de um estudo aprofundado.

O que isso significa para a vacina?

No momento, não sabemos. Embora devamos ter a certeza de que as vacinas estimulam uma ampla resposta de anticorpos para toda a proteína spike, é de se esperar que sua eficácia não seja significativamente prejudicada por mutações. Isso já está sendo testado.

No entanto, há um crescente corpo de evidências de que outras espécies de coronavírus sazonais exibem alguma capacidade de escapar da imunidade por longos períodos de tempo. Portanto, é concebível que possamos chegar a um ponto em que sejamos obrigados a atualizar nossas vacinas para a covid-19, como fazemos para a gripe, para refletir as variantes em circulação na época. É muito cedo para dizer se este será o caso agora, mas extenso sequenciamento do genoma, compartilhamento de dados e relatórios padronizados de variantes serão vitais para informar esses esforços.

The Conversation

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