Estudantes constroem avião para identificar até saúde da lavoura

Aeronave não tripulada desenvolvida pela Ufob disputa competição e servirá para projetos para a agricultura

Por Thais Borges | ODS 2ODS 4ODS 9 • Publicada em 24 de junho de 2019 - 08:00 • Atualizada em 24 de junho de 2019 - 23:04

O teste com o AeroChico, aeronave não tripulada desenvolvida na Ufob: intenção é usar avião em projetos para agricultura (Foto: divulgação/Ufob)
O teste com o AeroChico, aeronave não tripulada desenvolvida na Ufob: intenção é usar avião em projetos para agricultura (Foto: divulgação/Ufob)

No clima semiárido do Oeste da Bahia, a cidade de Bom Jesus da Lapa parecia distante de qualquer um dos centros aeronáuticos do país. No município, a quase 800 quilômetros da capital, Salvador, não há empresas nem serviços relacionados à aviação. O aeroporto da cidade não recebe voos comerciais desde 2011, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

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Foi neste cenário que, em novembro de 2017, um professor e um grupo de alunos da Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob) deram o primeiro passo para o desenvolvimento da aviação na região. Naquele ano, após uma visita à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estudantes de Engenharia conheceram o laboratório de uma equipe que participava da SAE Brasil Aerodesign, uma das principais competições de estudantes para a construção de aeronaves.

Menos de dois anos depois, o projeto já é o ponto de partida para iniciativas que vão desde o desenvolvimento de um avião destinado à pulverização de plantações e outro capaz de identificar a saúde da lavoura. “Em Bom Jesus da Lapa, somos pioneiros nesses estudos. No Oeste da Bahia, temos duas empresas que produzem aeronaves, o que torna o projeto importante para a formação de novos engenheiros com conhecimento nessa área, podendo serem absorvidos pelo mercado local”, explica o professor Filipi Marques de Souza, coordenador do projeto e da equipe AeroChico (como foi batizado o grupo que participa do torneio).

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O professor lidera o projeto de extensão, que conta, hoje, com 19 estudantes de graduação – sete de Engenharia Elétrica e 12 de Engenharia Mecânica. O grupo começou com um estudo aprofundado de uma das áreas da Engenharia que não conta com habilitação no campus: o da Engenharia Aeronáutica. Foi só depois disso que deram início ao desenvolvimento do chamado ‘projeto conceito’. A partir de análises computacionais, chegaram à configuração da primeira aeronave de testes.

“A aeronave foi construída e testada. Os testes tornaram possível a observação de alguns problemas que, após o voo, foram avaliados e discutidos, chegando a soluções. Em seguida, chegamos ao estágio atual, com a primeira aeronave modificada de acordo com as soluções discutidas e uma nova aeronave desenvolvida com configurações diferentes”, conta Souza.

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Para a construção das aeronaves, contamos com apoio de alguns lojistas e empresários da região. Mas a maior parte dos gastos são bancados pelos próprios estudantes e professores, além de ações como venda de rifas e realização de eventos

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O voo teste do protótipo aconteceu no dia 6 de abril deste ano. Agora, devem programar um novo teste de voo, para validar os cálculos do projeto e construir a aeronave definitiva para a competição, que acontece em outubro, em São José dos Campos (SP). Como é a primeira vez que a equipe vai participar, a AeroChico deve passar, primeiro, pelo torneio de acesso. Somente em 2020 terão o direito de concorrer à competição principal.

Projetos para a lavoura

Inicialmente, a ideia do projeto é justamente o desenvolvimento de uma aeronave cargueira – que será destinada à competição SAE Brasil AeroDesign. No entanto, o grupo já estuda a adaptação desse mesmo avião para pulverizar plantações com fertilizantes. Esse projeto, ainda em estágio inicial, deve ser realizado em parceria como o Instituto Federal Baiano (IF Baiano). “Além disso, esse projeto abre portas para o desenvolvimento de novos projetos na área de Engenharia Aeronáutica, como uma pesquisa que está sendo iniciada para o desenvolvimento de um Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado), com a missão de monitorar a saúde da plantação”, adianta o professor Filipi Marques de Souza.

Vôo de teste do avião da Ufob: construção do avião procurou usar materiais de baixo custo como isopor, restos de compensado e sucata (Foto: Divulgação)

Esse Vant, por sua vez, seria capaz de decolar verticalmente e seguir o voo como uma aeronave. No entanto, o objetivo é que, ao longo do voo, ele consiga monitorar e detectar áreas da lavoura que estejam com alguma carência de nutriente ou sendo atacadas por alguma praga. Esses dados serão transmitidos em tempo real para um smartphone.

Para o professor, a criação de uma aeronave como essa pode ajudar no desenvolvimento da própria universidade. A Ufob foi criada em 2013, com campi em cinco cidades baianas. Um dos campi era o antigo campus de Barreiras da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que tinha sido fundado em 2006. “Além da divulgação dos cursos, (o trabalho) proporciona o desenvolvimento de novos projetos na área, aumentando o surgimento de novas áreas de estudo e qualificação para os alunos”, opina Souza.

Apoio de empresários

Durante todo o processo, a obtenção de recursos foi a principal dificuldade do projeto. Em diversos momentos, tanto alunos quanto professores tiraram do próprio bolso para investir nos materiais. O grupo não tem nenhum tipo de financiamento público – a Ufob disponibiliza a estrutura dos laboratórios e o transporte para a realização dos testes, mas não conseguiram nenhum apoio de agências de fomento. “Para a construção das aeronaves, contamos com apoio de alguns lojistas e empresários da região. Mas a maior parte dos gastos são bancados pelos próprios estudantes e professores, além de ações como venda de rifas e realização de eventos”, explica o professor.

A equipe AeroChico, com foi batizado o grupo que vai disputar o torneio SAE Brasil Aerodesign: estudantes de graduação de Engenharia Elétrica e Engenharia Mecânica (Foto: Divulgação)

O dinheiro doado por empresários da região ajudou na construção do avião de testes, que usa materiais de baixo custo como isopor, restos de compensado e sucata. O equipamento final, por sua vez, deve contar com materiais mais nobres, a exemplo de madeira balsa, fibra de carbono, fibra de vidro e alumínio. Até lá, o grupo espera conseguir patrocínio de empresas especializadas nesses materiais.

Diante dessa realidade, para ele, é preocupante o cenário de restrições orçamentárias na educação. De acordo com Souza, não há dúvidas de que o projeto deve ser afetado. “O apoio que era disponibilizado pela universidade tende a ser cada vez mais restrito. Isso sem falar na evasão de nossos alunos devido aos cortes de auxílio, uma vez que a maioria dos nossos alunos se encontra em situação de vulnerabilidade social”, lamenta.

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Thais Borges

Thais Borges é jornalista e baiana. Trabalha no Correio*, em Salvador, e gosta de escrever sobre o cotidiano.

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