O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o dispositivo legal que, desde 2013, instituiu a chamada “presunção de boa fé” dos compradores do ouro, iniciativa que facilitou a ampliação do garimpo ilegal no país e está no centro da crise humanitária no território Yanomami.
Na decisão liminar, Mendes deu prazo de 90 dias para que o governo federal adote um novo marco regulatório para a fiscalização do comércio do ouro no país. Cobrou que sejam tomadas medidas para que se inviabilize a aquisição desse minério extraído de “áreas de proteção ambiental e de Terras Indígenas”.
A liminar de Mendes, que tem validade imediata, será levada a julgamento pelo plenário virtual do STF para ser confirmada ou derrubada. “É preciso que esse consórcio espúrio, formado entre garimpo ilegal e organizações criminosas, seja o quanto antes paralisado. O provimento de medida cautelar, pelo Supremo Tribunal Federal, é o meio adequado e necessário para tanto”, afirmou Gilmar Mendes em sua decisão.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosGilmar Mendes é o relator de uma ação do Partido Verde que questiona trecho da lei que fixou critérios aplicáveis às Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMS) para a regularização da aquisição de ouro produzido em áreas de garimpo. A norma permite que que as distribuidoras comprem o metal com base no princípio da boa-fé, ou seja, utilizando exclusivamente informações prestadas pelos vendedores. Mais cedo, a A Procuradoria-Geral da República (PGR) havia enviado ao STF um parecer favorável a suspender o trecho da lei que autoriza que a procedência do ouro comercializado no país seja atestada pelo vendedor do metal.
A decisão foi celebrada por Larissa Rodrigues, gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, que vem estudando o comércio ilegal de ouro nos últimos anos. “Acabar com a boa-fé é o mais fundamental para moralizar o comércio de ouro dos garimpos. Não é aceitável, não é cabível, que tenhamos um comércio bilionário com base na boa-fé dos envolvidos. Diante de tantas denúncias de crimes era impossível e imoral que esse sistema continuasse operando no país”.
A decisão de Mendes também foi comemorada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, em seu perfil no Twitter. “Importante decisão que previne crimes contra o meio ambiente, as terras indígenas e o próprio mercado”, escreveu Dino na rede social.
A decisão do ministro Gilmar Mendes vem num momento em que o governo Lula está preparando uma nova legislação tanto para derrubar a “presunção de boa fé” para o comércio do ouro como para estabelecer regras mais rígidas para as transações. Na semana passada, foi publicada no Diário Oficial instrução normativa da Receita Federal para a adoção de nota fiscal eletrônica na comercialização do ouro do garimpo. Até então, a Receita ainda mantinha o uso da nota de papel no comércio do ouro, apesar do documento digitalizado já ser usado na maioria dos setores.
Com a decisão do STF, deixa de valer regra que previa que os compradores de ouro podiam aceitar a palavra do vendedor sobre a origem legal do metal sem o risco de serem responsabilizados no caso da descoberta, depois da venda, que o ouro vinha de um garimpo ilegal. O ministro Gilmar Mendes apontou em sua decisão que as regras previstas na lei acabam por sabotar a eficácia do controle de uma atividade poluidora, o que viola princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente.
“As presunções, trazidas no diploma legislativo impugnado, relativas à legalidade do ouro adquirido e à boa-fé do adquirente simplesmente sabotam a efetividade do controle de uma atividade inerentemente poluidora (e nessa medida chocam com o corolário do princípio da precaução, que possui assento constitucional), uma vez que não apenas facilitam, como servem de incentivo à comercialização de ouro originário de garimpo ilegal. Exatamente por isso, revelam-se uma opção normativa deficiente quanto à proteção do meio ambiente”, argumentou o ministro em sua decisão.
De acordo com estudo do Escolhas, entre 2015 e 2020, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, indicando que quase a metade (47%) do ouro produzido e exportado pelo país tem origem duvidosa. O levantamento foi feito a partir da análise de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro e imagens de extração.