Produção de ouro com indícios de ilegalidade aumenta 25% em um ano

Volume recorde de ouro aparentemente ilegal - quase 53 toneladas - foi identificado por pesquisa do Instituto Escolhas

Por Oscar Valporto | ODS 15ODS 16 • Publicada em 6 de outubro de 2022 - 16:02 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 09:12

Área de garimpo com dezenas de barracões às margens do Rio Uraricoera na Terra Indígena Yanomami: maior parte do ouro com indícios de ilegalidade vem da extração em áreas protegidas como os territórios indígenas (Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real – 05/06/2021)

Em 2021, o Brasil registrou 52,8 toneladas de ouro com graves indícios de ilegalidade – o equivalente a 54% da produção nacional. O montante é 25% maior do que o verificado em 2020, aponta levantamento realizado pelo Instituto Escolhas e divulgado nesta quinta-feira (06/10). De 2020 para 2021, a produção estimada de ouro aumentou apenas 5,6% (de quase 92 mil toneladas para pouco mais de 97 mil toneladas), indicando que o crescimento da mineração está baseada na ilegalidade.

A ausência de um sistema de rastreabilidade de origem para a cadeia do ouro favorece cada vez mais a ilegalidade, aumentando o impacto da extração ilegal no bioma amazônico e na vida das populações da floresta

Larissa Rodrigues
Gerente de Portfólio do Instituto Escolha

O levantamento do Escolhas – com base nos dados da Agência Nacional de Mineração e da Coleção 7 do projeto Mapbiomas, lançada no mês passado – traz um detalhamento sobre as origens do ouro com indícios de ilegalidade: a maior fatia corresponde ao ouro que veio de áreas onde há indícios de extração para além dos limites permitidos. “O aumento expressivo do ouro com indícios de ilegalidade evidencia a falta de controle e de ações para coibir a extração de ouro ilegal nos últimos meses”, destaca pesquisadora Larissa Rodrigues, coordenadora do estudo e gerente de Portfólios do Instituto Escolhas.

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O estudo do Instituto Escolas enfatiza ainda que quase dois terços das 52,8 toneladas desse ouro com indícios de ilegalidade (61%) vieram dos estados da Amazônia Legal: foram identificadas 32 toneladas vindas da região, onde estão concentrados os garimpos ilegais, com alguma indicação de irregularidade. O ouro saiu principalmente do Mato Grosso (16 toneladas) e do Pará (13,6 tonel adas), mas também de Rondônia, Tocantins, Amapá e Amazonas. “A ausência de um sistema de rastreabilidade de origem para a cadeia do ouro favorece cada vez mais a ilegalidade, aumentando o impacto da extração ilegal no bioma amazônico e na vida das populações da floresta”, destaca a pesquisadora.

(Infografia: Instituto Escolhas)

Os indícios de ilegalidade levantados no estudo aparecem em cinco tipos de situação. São identificados quando o ouro é comercializado: de títulos de extração que avançam sobre Terras Indígenas (TI) ou Unidades de Conservação (UC), onde a mineração não é permitida; de “títulos fantasmas”, onde não há indícios de extração ocorrendo, mostrando que podem estar sendo usados para a “lavagem de ouro”; de títulos onde há indícios de que a extração ocorre para além dos limites geográficos autorizados; sem a informação sobre os títulos de origem, que é obrigatória e, na sua ausência, torna a origem do ouro duvidosa; e, por fim, quando o ouro é exportado, mas sem os registros correspondentes nos dados da produção oficial.

A metodologia é a mesma utilizada no estudo “Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais”, lançado em fevereiro. Este levantamento – reunindo dados de 2015 a 2020 – apontou que pelo menos 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade foram comercializadas no país neste período. Os anos com maior ouro comercializado com suspeita de irregularidades foram 2016 (44 toneladas) e 2020 (42 toneladas). As quase 54 toneladas de ouro aparentemente ilegal de 2021 é um triste recorde. “Por tudo isso, o Escolhas tem insistido na importância dos Projetos de Lei 2159/2022 e 836/2021, que estabelecem controles sobre a comercialização do ouro, da extração até as exportações”, reforça Larissa Rodrigues.

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Refinaria sob suspeita

O levantamento do Instituto Escolhas foi concluído na semana em que uma das maiores refinarias de ouro do Brasil perdeu  importante certificado internacional de boas práticas socioambientais: a Marsam, de São Paulo, foi removida pela Iniciativa de Minerais Responsáveis da lista pública de fundições e refinarias consideradas em linha com as melhores práticas de fornecimento. Com isso, de acordo com especlailistas, a empresa deverá perder clientes importantes no mercado internacional.

Segundo reportagem da Associated Press, a decisão veio após reportagem mostrar as ligações da Marsam com um intermediário acusado pelo Ministério Público de comprar ouro extraído ilegalmente de Terras Indígenas e outras áreas protegidas. Ex-sócio da Marsam, o empresário Dirceu Frederico Sobrinho foi preso em setembro sob acusação de lavagem de dinheiro relacionada à comercialização de ouro de origem ilegal.

A Iniciativa de Minerais Responsáveis, fundada há mais de uma década, é encabeçada por grandes empresas do setor, com o objetivo de destacar aquelas que asseguram a origem do metal processado e vendido ao mercado internacional. Pelos padrões  definidos pela coalizão, uma empresa pode deixar a lista das com boas práticas se falhar na conformidade dessas regras, que vão desde a ausência de processos de investigação e análise de informações em sua cadeia até a falta de controle sobre a legalidade de documentos apresentados por fornecedores.

A direção da Marsam nega irregularidades e afirmou que pretende recorrer da decisão. A empresa tinha prestígio no mercado internacional, a ponto de ter sido a fornecedora do ouro utilizado para confeccionar as medalhas dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. No entanto, especialistas já levantavam desde aquela época a falta de controle efetivo da empresa sobre a origem do metal processado.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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