Não é pelos 20 centavos, mas por um debate honesto

Lotação: longos trajetos, com pouco conforto são marca dos ônibus no Rio (Foto Custodio Coimbra)

Cinco anos depois, pauta da mobilidade urbana perde espaço nas campanhas eleitorais

Por Clarisse Linke | ODS 16 • Publicada em 21 de setembro de 2018 - 08:12 • Atualizada em 21 de novembro de 2022 - 15:42

Lotação: longos trajetos, com pouco conforto são marca dos ônibus no Rio (Foto Custodio Coimbra)

Às vésperas das eleições de 2018, estamos diante de um quadro pintado com tintas fortes. Nele, vislumbramos a face de diversos atores que emergiram como protagonistas da ação política desde junho de 2013, marco inicial de profundas transformações sociopolíticas ainda em curso no Brasil. Ninguém poderia imaginar, antes daqueles dias, que a tarifa do transporte público seria a gota que faltava para transbordar o caldo de insatisfações populares reprimidas até ali. Em um movimento sem hierarquia, autônomo e orgânico que se tornaria o maior desde a redemocratização, os brasileiros tomaram as ruas de 388 cidades do país.

É preciso resistir à sedução do discurso que propõe soluções simples e reafirmar a importância do planejamento e do monitoramento participativo das políticas urbanas. Questões centrais que não têm aparecido na pauta das candidaturas são urgentes e devem ser cobradas

Passados cinco anos, a pauta da mobilidade está eclipsada nas discussões eleitorais. Atualmente, diante da centralidade de temas como a segurança pública e do recrudescimento do desemprego, as organizações da sociedade civil que atuam na agenda das políticas urbanas têm enfrentado dificuldade para influenciar os programas eleitorais dos candidatos aos cargos executivos, em parte pela polarização ideológica que parece ter sequestrado a democracia brasileira.

A pauta urbana tem aparecido somente como estratégia de dinamizar a economia por meio de investimentos em infraestrutura, repetindo um sucesso de bilheteria que não sai de cartaz: a distribuição de recursos para obras em programas nos moldes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou do Minha Casa Minha Vida, sob o argumento da geração de emprego e renda. No final do filme, entretanto, fica evidente a baixa efetividade do investimento para solucionar os problemas de quem precisa se deslocar nas nossas cidades.

No esforço de garantir a participação e pressionar por compromissos públicos, diversas iniciativas têm sido propostas e testadas pelas organizações civis e por movimentos e entidades de associativismo. Para apoiá-las, o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil) compilou uma série de dados provenientes da apuração de indicadores de mobilidade urbana, com o objetivo de qualificar o debate. Um dos principais gargalos identificados é a distância entre a população e as estruturas de transporte de média e alta capacidade (TMA) — os trens, metrôs, barcas, BRTs e VLTs. Nas regiões metropolitanas dos grandes centros urbanos brasileiros, boa parte da população mora a mais de 1 quilômetro das estações de acesso aos corredores de TMA. O número é invariavelmente alto, e representa 80% dos moradores de São Paulo, 77% dos moradores de Recife e 69% dos moradores do Rio de Janeiro. Para quem trabalha, a tarifa pesa no bolso. Nas duas maiores capitais brasileiras, os gastos mensais com transporte público podem comprometer 21% do salário mínimo.

Em todo o país, o transporte público está distante das pessoas, é caro, inseguro e desigual. Para boa parte da população, o desafio de acessar as oportunidades de emprego, saúde, educação e lazer mais parece uma maratona olímpica.

Estação de trem em Japeri. O município é considerado um dos campeões mundiais em tempo de deslocamento casa-trabalho do mundo. Foto Daniela Fichino
Estação de trem em Japeri. O município é considerado um dos campeões mundiais em tempo de deslocamento casa-trabalho do mundo. Foto Daniela Fichino

As eleições de 2018 podem redefinir os rumos do país, e, mais do que a disputa da política institucional, o que está em jogo é como o resultado desta se traduz em decisões posteriores, que impactam a vida de milhões de pessoas. É preciso resistir à sedução do discurso que propõe soluções simples e reafirmar a importância do planejamento e do monitoramento participativo das políticas urbanas. Questões centrais que não têm aparecido na pauta das candidaturas são urgentes e devem ser cobradas: o financiamento para obras e operação do transporte público, a implementação de mecanismos de subsídios cruzados que permitam extrair recursos do uso de modos menos eficiente para  baratear o custo para o passageiro, o papel das regiões metropolitanas para a promoção da integração dos municípios, a transparência nos contratos com concessionárias, a priorização de investimentos em modos ativos e coletivos.

Em tempos de fake news e de crise de credibilidade política, fomentar um debate claro, honesto e transparente parece uma missão impossível, mas a articulação para a incidência pode ser a chave da mudança. Para isso, a sociedade civil precisa atuar em rede e se fortalecer conjuntamente. Os dados compilados pelo ITDP Brasil estão disponíveis para serem utilizados por outras organizações e pela imprensa, e podem ser acessados na plataforma MobiliDADOS. Informações detalhadas para as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife podem ser solicitadas no e-mail brasil@itdp.org.

Clarisse Linke

É Diretora do ITDP no Brasil e atua com políticas públicas desde 2001, com experiência no Brasil, Moçambique e Namíbia. É Mestre em Políticas Sociais pela London School of Economics. Entre 2006-2011, foi responsável pela expansão da BEN Namibia, se tornando a maior rede de bicicletas integrada a empreendimentos sociais na África sub-Saariana. Em 2010, foi premiada pela Ashoka no Desafio “Mulheres, Ferramentas e Tecnologia”. Clarisse é uma pessoa que só pensa em como transformar as cidades em lugares de felicidade.

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