Mulheres indígenas juntas, misturadas e unidas

Mapeamento mostra expansão, interiorização e presença em todo o território nacional de organizações femininas. Em quatro anos, cresceu duas vezes e meio o número de entidades

Por Liana Melo | ODS 16 • Publicada em 5 de dezembro de 2024 - 08:12 • Atualizada em 11 de dezembro de 2024 - 09:03

Lançamento do Mapa das Organizações das Mulheres Indígenas, com a presença da ministra Sônia Guajajara. (Foto: Divulgação)

Elas sempre estiveram na resistência. Ana, Esperança, Inês são alguns dos nomes de mulheres indígenas que, no século 18, foram à luta contra a escravidão na cidade de São Luís. Já naquela época, denunciavam o cativeiro a que estavam submetidas na capitania do Maranhão. Depois vieram Carmelita Tuxá, Tuyra, Hilda e tantas outras indígenas que romperam e continuam derrubando barreiras, enfrentando estereótipos, confrontando o machismo estrutural dentro e fora das aldeias.

O mapeamento poderá contribuir com o fortalecimento das redes de mulheres, indicando possíveis caminhos de articulação política e ação

Luma Prado
pesquisadora do ISA e uma das organizadoras do Mapa

O protagonismo feminino vem sendo contabilizado em números e o Mapa das Organizações das Mulheres Indígenas no Brasil 2024 mostrou que o crescimento é expressivo, o movimento de organização feminina se interiorizou e está espalhado por todo o país. Ao todo, 241 organizações de mulheres indígenas: 174 locais, 48 regionais, 14 estaduais e cinco nacionais. Elas estão agrupadas em coletivos, movimentos, departamentos e outros tipos de organizações. Ao menos, 233 povos indígenas têm organizações de mulheres.

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O Coletivo de Mulheres Fág Jãre Fag é a caçula das organizações de indígenas mapeadas no levantamento. Nasceu justamente após as enchentes no Rio Grande do Sul, em maio deste ano. As organizações veteranas surgiram nos anos 1980, quando começaram a pipocar os primeiros grupos criados por mulheres indígenas e muitos deles como resultado de assembleias indígenas e outros processos de mobilização de décadas anteriores.

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À medida que a mobilização das mulheres indígenas foi crescendo, ganhando corpo e conquistando visibilidade foi mudando, paralelamente, a cara do movimento indígena, que inicialmente fora protagonizado por homens. Hoje, mulheres indígenas transitam no mundo institucional da política, ocupando cargos importantes como a ministra Sonia Guajajara, no Ministério dos Povos Indígenas, e Joênia Wapichana, na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

“Todos os estados brasileiros têm um número expressivo de organizações de mulheres indígenas”, comemora Lucimara Patté, do povo Xokleng, cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). O mapeamento constatou, por exemplo, que nos Xokleng existem quatro diferentes organizações de mulheres – uma realidade que está espalhada pelo país, onde se encontra grupos de indígenas LGBT+, escritoras, esportistas, artesãs, ceramistas, brigadistas, jornalistas.

Crescimento nas bases

Braulina Baniwa, Keila Guajajara, Joziléia Kaingang, Jaqueline Kuña Aranduha, Shirley Krenak e Lucimara Patté na Marcha das Mulheres Indígenas. (Foto: Mariana Soares/ISA)
Braulina Baniwa, Keila Guajajara, Joziléia Kaingang, Jaqueline Kuña Aranduha, Shirley Krenak e Lucimara Patté na Marcha das Mulheres Indígenas. (Foto: Mariana Soares/ISA)

Em 2019, esse movimento já se fazia notar. Em abril, mais de 500 mulheres conquistaram, pela primeira vez, uma plenária exclusiva no Acampamento Terra Livre (ATL). Em agosto do mesmo ano, elas colocaram na rua a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas. Na esteira dessa mobilização, foi lançada a 1ª edição do Mapa das Organizações de Mulheres Indígenas, em fevereiro de 2020. Em 2021, as mulheres bioma fundaram a Anmiga, que articula nacionalmente mulheres indígenas e suas organizações.

O primeiro mapa foi lançado em 2020 e, à época, levantou-se 85 organizações de mulheres indígenas e sete organizações indígenas que possuem departamentos de mulheres, num total de 92 organizações espalhadas por 21 estados do país. Quatro anos depois, foi registrado um crescimento no número de organizações da ordem de duas vezes e meia. A cerimônia de lançamento do mapa foi na primeira das sete etapas da Conferência das Mulheres Indígenas 2024/ 2025, que foi acolhida pela assembleia  das mulheres Kaiowá e Guarani, na última semana de novembro, no Mato Grosso do Sul.

Por mais que as mulheres estejam organizadas, ainda sofremos muito com a tentativa de invisibilizar as nossas lutas

Lucimara Patté
cofundadora da Anmiga

“O mapeamento poderá contribuir com o fortalecimento das redes de mulheres, indicando possíveis caminhos de articulação política e ação”, analisa Luma Prado, pesquisadora do Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizadoras da publicação, feita em parceria com a Anmiga. Outra função do mapa, explica, é servir como uma espécie de ferramenta para identificação de zonas de concentração de organizações e possíveis lacunas do associativismo de mulheres indígenas.

A defesa do território, como fazem as Guerreiras da Floresta (ou Tenetehar Kuzá Gwer Wá na língua guajajara), uma articulação de Guardiães da Floresta, luta pela proteção da Terra Indígena Araribóia (MA). Outras pautas são o enfrentamento às violências contra as mulheres, a valorização da alimentação tradicional e de seus modos de vida, além de saúde e educação diferenciadas. Invisibilizadas e silenciadas das lutas por liberdade, autonomia, direitos e conquistas territoriais fazem parte do passado. As lideranças femininas indígenas querem ter voz dentro e fora dos territórios.

Enfrentar o machismo estrutural é uma batalha diária. “Ainda é muito difícil sermos convidadas para participar dos encontros”, conta Patté, comentando que romper a desigualdade de gênero nos espaços de poder, dentro e fora da aldeia, só mesmo com muita cobrança. “Por mais que as mulheres estejam organizadas, ainda sofremos muito com a tentativa de invisibilizar as nossas lutas”, pontua.

Em março de 2025, o movimento vai realizar a 1ª Conferência das Mulheres Indígenas, depois da realização das sete etapas previstas para ocorrer até a data do encontro, entre os dias 6 e 10 de março. Paralelamente a conferência, vai ocorrer a 4ª Marcha das Mulheres Indígenas, que vai ocorrer no dia 8 de Março. A expectativa de Prado é que numa próxima atualização do mapa, se o associativismo das mulheres mantiver esse ritmo de crescimento, será necessário fazer um atlas, porque o mapa não será suficiente.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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