Menina Yanomami de 12 anos é estuprada e assassinada por garimpeiros

Acampamento de garimpo no Rio Uraricoera, na TI Yanomami: menina indígena de 12 anos foi estuprada e morta por garimpeiros (Foto: Bruno Kelly)

Líder teme revolta de indígenas e massacre de comunidade Aracaçá, na Terra Yanomami, onde vivem 30 pessoas da etnia

Por Amazônia Real | ODS 10ODS 16 • Publicada em 27 de abril de 2022 - 08:38 • Atualizada em 1 de dezembro de 2023 - 17:49

Acampamento de garimpo no Rio Uraricoera, na TI Yanomami: menina indígena de 12 anos foi estuprada e morta por garimpeiros (Foto: Bruno Kelly)

(Fabrício Araújo* – Boa Vista/RR) – Uma menina de 12 anos estuprada até a morte e uma criança perdida após ser jogada em um rio. Este é o resultado de um ataque feito por garimpeiros contra a comunidade Aracaçá, que fica na região de Waikás, na Terra Yanomami, em Roraima, na segunda-feira (25). A informação foi dada pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY), Júnior Hekurari, em sua rede social, e confirmada à reportagem da Amazônia Real.

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Enquanto a maior parte dos indígenas caçava, os garimpeiros se aproveitaram para invadir a comunidade. Segundo o presidente do Condisi, uma mulher, a menina e outra criança de 4 anos foram levadas pelos garimpeiros até o acampamento ilegal de ouro. A adolescente foi violentada. A tia tentou contê-los, mas foi impedida pelos garimpeiros que, num ato violento, jogaram a criança no rio, segundo Junior.

“Eles chegaram de surpresa, só estavam as três. O restante da comunidade estava no mato, trabalhando na roça e caçando. Então elas estavam sozinhas e os garimpeiros se aproveitaram”, declarou Junior Hekurari nesta terça-feira (26).

Esta comunidade está muito chateada e corre o risco de tentarem revidar atacando os garimpeiros. Só que os garimpeiros estão armados e, em um embate, a comunidade vai ser totalmente massacrada

Júnior Hekurari
Presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Yek’wana (Condisi-YY)

A mulher conseguiu escapar nadando até a comunidade, mas ao que tudo indica foi a única sobrevivente. O corpo da criança ainda não foi localizado, enquanto o da adolescente já foi recuperado pelos moradores da aldeia. Na região está chovendo forte, o que impossibilita que a ajuda chegue por meios aéreos para prestar ajuda, segundo Hekurari.

O presidente do Condisi quer que as autoridades apurem mais este episódio de extrema violência contra os Yanomami, que desde 2021 vêm sofrendo ataques generalizados nas suas aldeias.

“Eu estou muito preocupado. Esta comunidade está muito chateada e corre o risco de tentarem revidar atacando os garimpeiros. Só que os garimpeiros estão armados e, em um embate, a comunidade vai ser totalmente massacrada porque só vivem cerca de 30 pessoas lá”, declarou o líder Yanomami.

Júnior Hekurari enviou um ofício ao Distrito de Saúde Indígena (Dsei), à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), à Fundação Nacional do Índio (Funai), à Polícia Federal e ao procurador da República, Alisson Marugal. A Amazônia Real tentou contato com esses órgãos, mas não recebeu resposta sobre o caso.

Aracaçá foi a comunidade da TI Yanomami que apresentou o maior índice de contaminação por mercúrio no diagnóstico realizado pela Fiocruz em 2014/15 em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), sendo considerada a área em situação mais alarmante. Segundo o estudo, 92% do total de amostras dos moradores da aldeia apresentaram índices elevadíssimos de contaminação.

Manifestação de indígenas em Boa Vista contra o garimpo na Terra Yanomami: pelo menos sete crianças mortas em 2021 (Foto: Hutukara Associação Yanomami - 11/04/2022)
Manifestação de indígenas em Boa Vista contra o garimpo na Terra Yanomami: pelo menos sete crianças mortas em 2021 (Foto: Hutukara Associação Yanomami – 11/04/2022)

Terra Yanomami sob ataque

O relatório “Yanomami Sob Ataque”, divulgado pela Hutukara Associação Yanomami em 11 de abril, registrou quatro ataques que resultaram na morte de ao menos sete crianças desde o início de 2021.

“O governo federal está sendo muito negligente com toda essa situação, não está fazendo nada diante de mortes e invasões. Parece que o Bolsonaro está gostando muito do sofrimento do povo Yanomami, parece que ele está alegre com essas mortes dos Yanomami”, criticou Júnior Hekurari.

Um dos casos destacados pelo relatório é um ataque a tiros em Palimiu, que resultou na morte por afogamento de duas crianças. Segundo o relatório, os atiradores eram capangas de uma das “donas” da zona de exploração do Rio Uraricoera, que margeia a TI Yanomami.

Também houve um caso de revolta que gerou a interceptação de um bote com 900 litros de combustível que tinha como destino o “garimpo de Dona Íris”. Os indígenas fizeram a ação após uma criança morrer afogada em 27 de abril de 2021. Conforme o relatório, um barco de garimpeiro gerou uma forte onda em um local onde a família da vítima tomava banho.

Outras duas crianças morreram em um ataque com arma de fogo em 10 de maio de 2021, ainda de acordo com o relatório. Sete embarcações com 27 homens armados, vestidos de coletes e balaclavas, fizeram o ataque na comunidade Yakepraopë.

Já o quarto caso relatado, também ocorreu por afogamento. Mais duas crianças morreram “enquanto brincavam na praia em frente às suas casas, após serem derrubadas e sugadas pela correnteza gerada por uma draga garimpeira que operava a poucos metros da comunidade”, em outubro de 2021, conforme noticiou a Amazônia Real. Segundo o relatório da Hutukara, familiares ficaram “tão devastados que abandonaram a região e passaram a morar em barracos de lona à margem de um rio quase morto”.

Além das mortes de crianças, o documento também expõe estupros contra adolescentes, “casamentos arranjados” em troca de comida e vulnerabilidade por desnutrição e malária as quais estão submetidas as crianças Yanomami.

Garimpo conhecida como Tatuzão, na região do rio Uraricoera na TI Yanomami: indígenas denunciam que mais de 20 mil garimpeiros tenham invadido a Terra Indígena ( Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Garimpo conhecida como Tatuzão, na região do Rio Uraricoera na TI Yanomami: indígenas denunciam que mais de 20 mil garimpeiros tenham invadido a Terra Indígena (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

Destruição e mortes

Estima-se que mais de 20 mil garimpeiros estejam atuando livre e impunemente dentro da Terra Indígena Yanomami, um território cada vez mais dominado pelo crime organizado. O rastro de destruição e mortes tem se acelerado nos últimos anos, no que pode se chamar de “quarta grande corrida do ouro ilegal”, agora com a presença da facção criminosa PCC em Roraima. As mortes de indígenas e a devastação da floresta são causadas por ações diretas e indiretas dos garimpeiros, conforme denunciou a Amazônia Real, em parceria com a Repórter Brasil, na série Ouro do Sangue Yanomami, que mostrou, em junho do ano passado, como funciona a cadeia de exploração ilegal do ouro, que já dura quase quatro décadas.

A agência realiza, desde a sua fundação, uma cobertura sistemática da presença do garimpo em terras indígenas e, em particular, dos Yanomami. Mulheres e crianças têm sido as principais vítimas. Em setembro de 2021, a reportagem mostrou que a população padecia, por falta de assistência médica, de doenças facilmente curáveis como diarreia, verminoses, leishmaniose, pneumonia, tuberculose e malária. Em documento produzido pelas lideranças, mais de 13 crianças morreram nos anos de 2020 e 2021 de diarreia e pneumonia. Estudo mostrou que as crianças Yanomami já nascem com grave e crônico déficit de estatura.

Mesmo depois de operações de combate ao garimpo ilegal, como a Operação Omama, da Polícia Federal, em junho de 2021, relatos indicam que os conflitos com garimpeiros ilegais não cessaram um dia sequer. Depois da publicação da série de reportagens Ouro do Sangue Yanomami, o Condisi-YY visitou aldeias e denunciou que agentes de saúde trocavam vacinas contra a Covid-19 por algumas gramas de ouro.

*Fabrício Araújo é cearense, formado em jornalismo pela UFRR. Já escreveu reportagens para o G1, Estadão e Folha de Boa Vista; se interessa por questões humanitárias, sobretudo as que envolvem a comunidade LGBTI

Amazônia Real

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