ODS 1
Letalidade policial tem nova queda no Rio e STF impõe mais restrições
Número de mortes em decorrência da ação de agentes do estado em julho cai 74% em relação a 2019, mas índice acima de junho preocupa pesquisadores
O Rio de Janeiro registrou, em julho, uma queda de 74% no número de mortes por ação de agentes do estado em relação ao mesmo mês do ano passado, de acordo com o dado oficial do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão do governo estadual. Reflexo direto da liminar do Supremo Tribunal Federal restringindo as operações em favelas durante a pandemia, a queda da letalidade policial deve ser comemorada com moderação: as 50 mortes decorrentes de ações policiais em julho significam quase 50% a mais que as 34 mortes registradas em junho. “Infelizmente, só consideramos 50 um número mensal baixo porque a polícia do Rio mata muito. Ficamos muito preocupados com esse número maior do que no mês passado porque pode significar uma retomada das ações indiscriminadas e da política de confronto”, afirmou a cientista social e pesquisadora Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).
A letalidade nas ações policiais tornou-se uma epidemia no Rio, pelo menos desde o ano passado, quando 1.810 pessoas foram mortas no estado – uma média de 150 mortes por mês, o triplo do registrado em julho de 2020. Essa média continuou alta mesmo após o começo da pandemia e chegou a alcançar 177 mortes por agentes do estado em abril, quando o Rio estava em quarentena. Foi essa escalada que levou os autores da ADPF (Ação de Descumprimeto de Preceito Constitucional) 638 – impetrada junto ao STF em novembro de 2019 para questionar a política de segurança do Rio – a pedir uma liminar para suspender as operações nas favelas durante a pandemia. “Pelas nossas projeções, se mantivesse o ritmo dos quatro primeiros meses, o Rio de Janeiro chegaria a mais de duas mil pessoas mortas em decorrência de ação policial”, destacou Silvia Ramos.
A escalada de mortes foi interrompida com a liminar do ministro Edson Fachin em 5 de junho – e confirmada pela maioria do plenário do STF no começo de agosto. “Creio que as autoridades de segurança, dos secretários aos comandantes e chefes levaram um susto com a liminar claramente desautorizando essa política de confronto permanente estabelecida no Rio de Janeiro. Com a liminar, realmente houve um cuidado maior nas operações, apesar de as autoridades de segurança e os policiais em geral terem sido muito reativos, reclamando que o Supremo estava impedindo seu trabalho. Mas a decisão serviu para mostrar que essa política de confronto é, além tudo, ineficaz para combater o crime”, frisou a coordenadora do Cesec.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosOs dados divulgados nesta segunda (17/08) pelo ISP sobre julho – o primeiro mês inteiro com as restrições impostas pela liminar – revelam que os índices de criminalidade caíram junto com a letalidade Os homicídios dolosos registrados no estado caíram 19% em julho deste ano na comparação com o mesmo mês de 2019. Também tiveram queda em julho de 2020 em relação a julho de 2019 os números relativos a roubos de carga (-21%), a roubos de veículos (-43%) e a roubos de rua. que incluem roubos a transeunte, roubos de aparelho celular e roubos em coletivo (-40%).
No caso de homicídios dolosos, foram registradas 2.153 vítimas nos sete primeiros meses de 2020 e 255 em julho – esses valores representam o menor para o acumulado e para o mês desde 1991, de acordo com o ISP. Na comparação com o ano passado, o indicador apresentou queda de 10% em relação ao acumulado do ano e de 19% em relação a julho. “O Rio vem registrando essa tendência de queda no número de homicídios dolosos nos últimos anos, tanto que deixou de figurar entre os estados com maior taxa de assassinatos por 100 mil habitantes. O que aumenta no Rio é a taxa de letalidade policial, o que faz com que, em alguns regiões, quase a metade das mortes seja decorrentes de ações policiais”, apontou Silvia Ramos.
Julgamento no STF estabelece novos limites
Enquanto o ISP divulgava os dados registrando a queda no número de mortes em decorrência de ação de agentes do estado em relação ao ano passado, o STF terminava, também nesta segunda (17/08) de julgar as medidas cautelares solicitadas na ADPF 683, chamada de ADPF das Favelas, que também virou nome de um movimento reunindo entidades de comunidades do Rio que apoiam os termos da ação impetrada inicialmente pelo PSB. Os ministros, por unanimidade, estabeleceram mais limites às operações: restrição do uso do helicóptero a casos excepcionais, que precisam ser justificados; restrição a operações policiais em lugares próximos a escolas, creches, hospitais ou postos de saúde; proibição de uso de escolas ou unidades de saúde como base das operações; determinação para que policiais e profissionais de saúde preservem os vestígios de crimes ocorridos em operações e peritos documentem com fotos todas as fotos produzidas em crimes contra a vida.
Relator da ADPF das Favelas, o ministro Edson Fachin também deferiu os pedidos cautelares – acompanhado por todos os outros ministros – e determinou ao Ministério Público do Rio de Janeiro que instaure procedimentos investigatórios autônomos nos casos de mortes e demais violações a direitos fundamentais cometidas por agentes de segurança, ouça a vítima e/ou seus familiares nestes casos, nas investigações de mortes e abusos possivelmente cometidos por policiais, priorize os procedimentos quando vítimas forem crianças ou adolescentes e designe também um promotor para ficar de plantão para esses casos. Todas essas decisões valerão de forma permanente, mesmo após o fim da pandemia de covid-19.
A pesquisadora Silvia Ramos destacou a importância dessas cautelares, especialmente às determinações balizando a atuação do Ministério Público. “No Rio de Janeiro, o MP tem sido muito leniente com a violência policial e não vem cumprindo seu papel de órgão de controle”, criticou. As entidades do movimento ADPF das Favelas – Redes da Maré, Iniciativa Direito à Memória e a Justiça Racial, Mães de Manguinhos, Fala Akari e Papo Reto, entre outras – já decidiram procurar o Ministério Público para saber o que está sendo feito para acompanhar as operações policiais com mortes.
No julgamento, os ministros do STF decidiram também determinar a a suspensão do artigo 1º do Decreto Estadual n° 46.775/2019, que excluiu, do cálculo das gratificações dos integrantes de batalhões e delegacias, os indicadores de redução de homicídios decorrentes de intervenção policial. “Um Estado que apresenta altos índices de incidente dessa natureza deve buscar engajar todo seu quadro de servidores, dando-lhes os incentivos corretos para isso, na tarefa de reduzir ao máximo as intercorrências”, afirmou o relator Facchin na análise da cautelar para a suspensão do decreto, em seu voto.
Relacionadas
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade
Parabéns pela matéria e aos movimentos sociais que presam por justiça social para todos.