ODS 1
Invasão de garimpeiros armados leva tensão a terra indígena no Pará
Após pedidos sem respostas por providências, MPF abre investigação sobre descaso e omissão das autoridades federais sobre ameaças ao povo Munduruku
Desde a semana passada, indígenas Mundukuru vêm denunciando a invasão de suas terras, no sudoeste do Pará, por garimpeiros armados e o crescente clima de tensão na área. Depois de dois pedidos de providência a órgãos federais e nenhuma ação, o O Ministério Público Federal (MPF) abriu apuração nesta terça (23/03) sobre a ocorrência de improbidade administrativa por parte de autoridades responsáveis por evitar a invasão garimpeira em terras indígenas. Para os procuradores, as invasões estão sendo tratadas “com descaso e omissão”.
A tensão na área vem aumentando desde o dia 14, com a chegada de grande número de pás carregadeiras a uma região – o igarapé Baunilha, em Jacareacanga – próxima à bacia do rio Cururu, responsável pela maior parte do abastecimento de água e também pela pesca dos indígenas Munduruku. Alertados pelos indígenas, os procuradores solicitaram a intervenção “urgente” de forças federais para conter o avanço da invasão de garimpeiros na região – foram encaminhados documentos à Polícia Federal e também à Funai e ao Ibama.
Vídeo feito por indígenas na sexta-feira (19/03) mostra pessoas armadas impedindo indígenas Mundukurus, que chegavam de barco, de desembarcar na área. De acordo com o MPF, o grupo que impede o desembarque é formado por garimpeiros ilegais e por uma minoria indígena aliciada pelos garimpeiros ilegais. No vídeo, o grupo armado se afasta quando percebe que está sendo filmado. Segundo a denúncia dos Munduruku, todos os garimpeiros e indígenas aliciados estavam armados.
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Veja o que já enviamosUm helicóptero foi filmado em sobrevoo pela área. Segundo o MPF, a suspeita é que o helicóptero esteja servindo para apoio e escolta dos garimpeiros ilegais. Os procuradores voltaram a cobrar das autoridades federais ações para a desocupação da Terra Indígena pelos invasores.
O MPF explicou que decidiu abrir investigação já que há a iminência de conflito na região “enquanto o Poder Executivo segue inerte”. Além de instaurar notícia de fato para apuração de improbidade administrativa por parte das autoridades responsáveis pelo combate ao garimpo ilegal, o MPF instaurou notícia de fato para verificação da ocorrência de dano coletivo aos indígenas porque os criminosos falsificam os registros dos resultados para dar a aparência que a mineração ocorreu em lavras legalizadas fora de áreas indígenas – as compensações financeiras aos municípios são calculadas com base nessas informações falsas.
Invasões constantes no governo Bolsonaro
Conhecido como povo guerreiro, os Munduruku estão situados em regiões e territórios diferentes no estado do Pará (sudoeste, calha e afluentes do rio Tapajós, nos municípios de Santarém, Itaituba, Jacareacanga), além de terem aldeias no Amazonas e em Mato Grosso. Eles já expulsaram madeireiros de suas terras no oeste do Pará e fizeram protestos contra a construção da – planejada, adiada e, por enquanto, cancelada – hidrelétrica de Tapajós.
Desde 2012, os Mundurukus e o Ministério Público Federal vêm denunciando as invasões sistemáticas de garimpeiros ilegais nesta área da reserva indígena na região de Jacareanga, no sudoeste do Pará, mas o clima foi piorando a partir de 2016. Em novembro de 2017, o MPF enviou recomendações ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para que promovessem fiscalizações periódicas contra os garimpos ilegais na região do rio das Tropas, no município de Jacareacanga.
Como não constatassem um aperto na fiscalização, Paulo de Tarso Moreira Oliveira entrou com ação em 2018 para que a Justiça determinasse o combate ao garimpo ilegal na terra indígena. Denúncias recebidas e comprovadas pela instituição pelo MPF na terra indígena apontavam uma série de danos socioambientais provocados pela intensa atividade de garimpos ilegais – entre os impactos, a redução da pesca, a contaminação por mercúrio e outros problemas à saúde, ameaça aos costumes e à organização social dos Munduruku, como o consumo de alimentos industrializados, de bebidas alcoólicas e drogas, e a prostituição.
A ação na Justiça provocou a operação Pajé Brabo, realizada por Polícia Federal, Ibama, ICMBio e Forças Armadas contra garimpos ilegais na TI Munduruku, em novembro de 2018. Foram queimadas e apreendidas máquinas utilizadas nos garimpos ilegais – este tipo de ação foi reprovada pelo já então presidente eleito Jair Bolsonaro. No novo governo, garimpeiros passaram a ser tratados como aliados e o Executivo mandou projeto ao Congresso para liberar a exploração em terras indígenas.
Com a simpatia federal, as invasões por garimpeiros cresceram. Em junho de 2020, o MPF ajuizou nova ação: novamente pedindo ajuizou ação que os órgãos responsáveis voltassem a ser obrigados a combater a mineração ilegal em terras indígenas do sudoeste do Pará. Na ação, o MPF citava que, “em 2019 foi desmatada área equivalente a dois mil campos de futebol na Terra Indígena (TI) Munduruku”. O MPF pedia ainda fiscalização urgente na TI Sai Cinza. “O garimpo ilegal está avançando rumo as áreas mais próximas às aldeias, o que potencializa os riscos de contaminação dos indígenas por doenças, sobretudo pela covid-19 nesta pandemia”, alertavam os procuradores.
Em agosto, operação de fiscalização do Ibama na TI Munduruku chegou a ser iniciada, mas foi interrompida após visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que desembarcou em Jacareacanga e se reuniu com garimpeiros, e da intervenção do Ministério da Defesa. O MPF lembra que “as circunstâncias da interrupção incluíram suspeitas de vazamento de informações sigilosas e transporte de garimpeiros em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), e estão sendo investigadas em dois inquéritos”.
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade