E se o amanhã confirmar as previsões?

A realidade atual inspira autores a projetarem um futuro sombrio para a Humanidade

Por Marlene Oliveira | ODS 16 • Publicada em 7 de novembro de 2019 - 11:36 • Atualizada em 7 de novembro de 2019 - 13:56

Ativistas se vestem como as personagens de “The Handmaid’s Tale” para protestar contra a proibição do aborto em frente à Embaixada dos EUA em Paris. Foto Samuel Boivin/NurPhoto
Ativistas se vestem como as personagens de "The Handmaid's Tale" para protestar contra a proibição do aborto em frente à Embaixada dos EUA em Paris. Foto Samuel Boivin/NurPhoto
Ativistas se vestem como as personagens de “The Handmaid’s Tale” para protestar contra a proibição do aborto em frente à Embaixada dos EUA em Paris. Foto Samuel Boivin/NurPhoto

Considerado um clássico da literatura do século XX, o livro “Eu, robô”, de Isaac Azimov, reúne contos que retratam um universo onde robôs humanoides controlam o mundo e acabam tornando o ser humano obsoleto. De 1950, quando foi publicado, até hoje, o que era ficção científica virou realidade e os computadores entraram nas nossas vidas, revolucionando e influenciando o trabalho, o lazer, a educação, a comunicação, as artes e até a política.

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De acordo com um estudo da PwC – PricewaterhouseCoopers (2016), uma das maiores consultorias globais, há uma profunda transformação digital em andamento. Se, em 2016, apenas 9% das empresas brasileiras se classificavam como avançadas em níveis de digitalização, em 2020 esse percentual deve saltar para 72%. Inteligência artificial, realidade aumentada, blockchain, drones, internet, robôs, realidade virtual e a impressão 3D vieram para impulsionar o crescimento, reduzir custos e melhorar a experiência do consumidor. No entanto, nessa nova realidade digital, nem tudo são flores e os riscos são enormes sem as proteções corretas. De acordo com o Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial de 2019, das 10 principais áreas de risco, pelo menos seis estão diretamente associadas à vulnerabilidade dos sistemas, os crimes cibernéticos, invasão de privacidade e o advento das “Fake News”. A gente já viu esse filme!

Capa do livro "Submissão", de Michel Houellebecq. Foto Reprodução
Capa do livro “Submissão”, de Michel Houellebecq. Foto Reprodução

De um jeito ou de outro, o fato é: Azimov acertou, os robôs e a inteligência artificial dominam as nossas vidas. A questão agora é outra: e se as previsões feitas por autores de hoje estiverem certas? Se a atualidade serve de inspiração e base para o futuro, estamos preparados para o mundo projetado por Kleber Mendonça, Margaret Atwood e Michel Houellebecq?

O futuro é logo ali!

É difícil não pensar nos robôs premonitórios de Azimov, ao assistir ao filme Bacurau , de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Bacurau é o retrato de um Brasil perdido no mapa. Mais que isso: insignificante no cenário mundial, parque de diversão de loucos e extremistas, palco de governantes sem escrúpulos e pudores, guiados apenas pela sede eleitoreira. Falta água, vacina e luz. Sobra arrogância, cara de pau e hipocrisia. Muita hipocrisia. No caso de Bacurau, o futuro é logo ali: daqui a 8 anos.

Já Michel Houellebecq escolheu as eleições presidenciais na França, em 2022, como pano de fundo para seu romance que ele batizou, sugestivamente, de “Submissão”. Nessa França imaginária, as eleições presidenciais são vencidas por Mohammed Ben Abbes, o candidato da chamada Fraternidade Muçulmana, que disputou um segundo turno apertado com Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita francês, Frente Nacional.

O tema do livro toca em um ponto sensível para uma parte da sociedade francesa: a representatividade crescente da população muçulmana e a questão da fé religiosa num país considerado laico.

Esposas, Martas, Tias e Aias

Para as mulheres, as perspectivas são ainda mais sombrias. Pelo menos é o que projeta a canadense Margaret Atwood, autora do romance, e agora série de TV, O Conto da Aia, The Handmaid’s Tale. Escrito em 1985 e ambientado na região da Nova Inglaterra, no noroeste dos Estados Unidos, o Conto da Aia se passa numa sociedade governada pela lei divina, a República de Gileade. Segundo a autora, seu livro é “apenas” uma extrapolação das tendências observadas nos Estados Unidos. Só lá?

Após um ataque terrorista matar o presidente dos Estados Unidos e a maioria dos membros do Congresso, um movimento fundamentalista de reconstrução cristã autointitulado “Filhos de Jacó”, destrói a constituição e lança uma revolução sob o pretexto de restaurar a ordem. O novo modelo totalitário, militarizado e hierárquico, acaba com os direitos civis e subjuga as mulheres, que perdem seu individualismo e independência. Os homens representam o topo da hierarquia e as mulheres, divididas em castas, são propriedade do Estado. Nesse novo modelo de sociedade teocrática, o papel da mulher pode ser: a de “Esposa”, as que são casadas com os comandantes; a de “Marta”, são as responsáveis pelos serviços domésticos na casa dos comandantes; as ‘Tias”, senhoras responsáveis pela doutrinação das mais jovens e as “Aias”, mulheres férteis que se tornaram objetos para reprodução. Difícil escolher, caso houvesse escolha!

E se?

Se você quando acorda, tem a sensação de que ficção e realidade andam se misturando, é sinal de que o futuro chegou mais rápido do que pensávamos. Durante seu discurso na ONU, o Presidente Jair Bolsonaro citou que “tudo o que precisamos é isto: contemplar a verdade, seguindo João 8:32”. Mas, como contemplar a verdade se ficção e realidade andam se misturando? O Discurso pro-família da Ministra Damares Alves, na Cúpula de Budapeste e a nova resolução do Conselho Federal de Medicina, que tira das gestantes o direito à recusa terapêutica, dando aos médicos o poder de realizar procedimentos à força, são apenas dois exemplos da realidade atual e que nos fazem refletir sobre a fragilidade da nossa sociedade, a liberdade, os direitos civis e nosso futuro como Humanidade.

Foto icônica da chegada a Bacurau: caminhão-pipa e frase emblemática. Foto de divulgação
Foto icônica da chegada a Bacurau: caminhão-pipa e frase emblemática. Foto de divulgação

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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