ODS 1
Drones assombram terra indígena no Pará
Aparecimento dos misteriosos aparelhos voadores alarmam indígenas Gavião, preocupados com invasão de território
Apesar de a Terra Indígena Mãe Maria, no sudeste do Pará, ter sido homologada em 1986, os cerca de 700 moradores das aldeias, estão acostumados a ficar em permanente alerta já que o território é cortado pela rodovia BR-222, pela linha de transmissão de energia de Tucuruí, e pela estrada de ferro Carajás, da Vale. Estão acostumados a lidar com invasores e caçadores ilegais, mas, desde junho, os indígenas estão alarmados com o aparecimento, no meio da noite, de drones misteriosos. “É uma coisa sem explicação e a gente não sabe como se defender. São tantas perguntas e a gente não tem resposta”, afirma Ana Maria Parkatêjê, 55 anos, liderança indígena que protocolou denúncia contra os drones na Secretaria de Segurança do Estado do Pará.
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A Terra Indígena Mãe Maria tem pouco mais de 20 aldeias onde vivem indígenas do povo Gavião, formado por três etnias: Gavião Akrãtikatêjê, Gavião Kykatejê e Gavião Parkatêjê). Localizada no município de Bom Jesus do Tocantins, fica a 30 quilômetros de Marabá, principal cidade da região, na divisa com Maranhão e Tocantins. Os líderes indígenas também levaram suas preocupações com os drones ao Ministério Público – Estadual e Federal – e à Polícia Federal, mas, até agora, não há explicações para os objetos voadores. Eles suspeitam que os drones sejam de empresas interessadas na possível abertura das terras indígenas à mineração. As temperaturas mais baixas da madrugada facilitariam a detecção de áreas com minério.
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Veja o que já enviamosA falta de explicações aumenta o clima de medo e tensão que paira sobre as aldeias da TI Mãe Maria. “Eram umas 20h e eu estava aqui, nessa mesma rede, quando minha filha, que estava sentada ali naquela mureta, me chamou e disse que tinha algo estranho no céu bem próximo aqui da nossa casa, bem pertinho de nós”, relata o indígena Katejupre, 31 anos, morador da Aldeia Akroti, sobre a primeira vez que viu um drone. Ele pegou o carro e tentou seguir o objeto voador, mas ele desapareceu na noite perto da aldeia vizinha. “Eu voltei pra casa e fiquei de guarda. Na mesma noite, umas 22h, mais dois drones sobrevoaram a aldeia. A gente nem dormiu nesse dia e ficou acordado até 4h da madrugada”, desabafa Katejure.
Em Bacurau, drones do mal
O susto talvez fosse maior se o indígena tivesse assistido Bacurau, o premiado filme de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles em que o aparecimento de drones é o primeiro sinal de que a população da pequena cidade seria vítima de um ataque. Os moradores das aldeias da Mãe Maria não sabem o que está acontecendo, mas sentem-se vigiados. “Toda vez que a gente avista esses drones é bem em cima da aldeia: sobrevoando em cima de casas, nunca em cima da mata. Sempre em cima das aldeias ou bem próximos das nossas casas”, conta Aiteti Parkatêjê, liderança jovem da Aldeia Parkatéjê, que já viu drones até na divisa da reserva com o território da cidade. “Eram umas 17h. O drone era grande, parecia um avião”, garante.
Dona Ana Maria Parkatêjê aproveitou um evento do governo estadual em Belém para se queixar com as autoridades e formalizar a denúncia. “A nossa TI Mãe Maria está sendo invadida por drones; e, na maioria das vezes, é à noite. Então eu estou aqui em Belém fazendo uma denúncia formal. Nesse tempo em que eu estou aqui, eles lá na aldeia estão postando o tempo todo que os drones estão aparecendo”, disse a indígena a secretários do governo estadual.
Após a queixa de dona Ana Maria á Secretaria de Segurança, foram enviados, na primeira quinzena de julho, dois investigadores da Polícia Técnica para tentar apurar a veracidade da denúncia: eles levaram para a região bloqueadores de sinal com o propósito de derrubar os drones ilegais. No dia em que os investigadores estavam na TI, os drones apareceram várias vezes e em maior número, mas a equipe técnica não conseguiu descobrir nem a origem dos objetos voadores ou o propósito dos sobrevoos. Após testemunharem a ocorrência, os policiais disseram aos indígenas que voltariam para continuar a investigação, mas até hoje não retornaram e nem disseram quais providências seriam tomadas. Questionado, o governo do Pará disse que a Terra Indígena Mãe Maria é de responsabilidade federal, mas está preparando um relatório sobre a situação.
Os indígenas das etnias Gavião já tiveram conflitos com a Vale, que hoje assiste o território com projetos e parcerias ajudando a manter a proteção do entorno da ferrovia e do meio ambiente. Alguns indígenas queixam-se de impactos causados pela mineradora como a poluição do Rio Mãe Maria pelos detritos e dejetos que a ferrovia traz para a floresta ou a morte de animais por atropelamentos devido o transporte diário de minério extraído das minas da empresa no Pará, levado de trem para o Maranhão. A Vale, que tem drones, afirmou que o equipamento, quando usado, fica apenas na faixa de domínio da ferrovia e em horário comercial – e as líderanças da TI são previamente informados.
Flecha e tiro
Os indígenas sofrem com as invasões de indivíduos das fazendas vizinhas que invadem o território para caçar. Uma caminhada pela floresta, perto dos trilhos, revela que alguns acampamentos não são de caçadores passageiros mas de pessoas que ensaiam a construção de estruturas para moradia definitiva. Os indígenas também responsabilizam invasores por queimadas e cortes de árvores em seu território.
Mas, atualmente, a maior preocupação nas aldeias é com os misteriosos drones noturnos: os indígenas reforçaram a vigilância para tentar descobrir sua origem e a razão para os constantes sobrevoos. “Eles já tentaram abater de flecha, de tiro, mas não conseguem . Antigamente, meu filho passava a noite atrás de caça para a gente comer; agora ele passa a noite na guarita de segurança da aldeia”, conta Dona Ana Maria. “Da raiva porque a gente sente a nossa privacidade sendo invadida. A gente quer uma solução”, acrescenta.
Os misteriosos objetos voadores levam medo também as crianças que pedem aos pais explicações que eles não têm. Kra tem apenas 9 anos e é uma menina muito alegre e inteligente. Quando a reportagem pergunta sobre o aparecimento dos drones, ela demonstra um temor racional por sua família e pelo território. “A gente viu e ficou com muito medo porque estava perto daqui. Fico com medo por causa dos meus pais e meus amigos”, afirma a criança.
Depois que algumas jovens lideranças do povo Gavião publicaram em suas redes sociais que haviam drones sobrevoando e assediando o TI Mãe Maria, apareceram relatos parecidos em outras terras indígenas no Mato Grosso e na Bahia. No Pará, os sobrevoos dos drones não cessaram: os objetos voadores, que começaram a ser vistos em março, aparecem com cada vez mais frequência. Rios poluídos, queimadas criminosas, animais mortos à beira da estrada de ferro, invasões e agora o aparecimento de drones misteriosos. Só mais um item para a longa lista de ameaças sofridas pelo povo Gavião que já se acostumou a lutar por qualidade de vida e respeito.
João Paulo Guimarães, paraense de 43 anos, é foto documentarista e
foto jornalista freelancer para as agências AFP e Pública e para os sites Jornalistas Livres, Metrópoles e Projeto Colabora.