Governo Bolsonaro teve 795 assassinatos de indígenas, aumento de 54%

Entre 2019 e 2022, houve alta também do número de suicídios (535) e de mortes de crianças indígenas até quatro anos de idade (3552)

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 26 de julho de 2023 - 17:17 • Atualizada em 18 de julho de 2024 - 12:29

Protesto contra o PL do Marco Temporal em Brasília: 795 assassinatos de indígenas durante o Governo Bolsonaro (Maiara Dourado/Cimi – 05/06/2023)

O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2022 – mostra que, durante o Governo Bolsonaro, foram registrados 795 homicídios de indígenas, um aumento de mais 54% em comparação com as mortes registradas entre 2015 e 2018, nos governos Dilma e Temer, quando 500 indígenas foram assassinados. Apenas em 2022, foram 180 casos de homicídios de indígenas. “Os registros totalizam 416 casos de violência contra pessoas indígenas em 2022. Tomados em conjunto, os quatro anos sob o governo de Jair Bolsonaro apresentaram uma média de 373,8 casos de Violência contra a Pessoa por ano – nos quatro anos anteriores, sob os governos de Michel Temer e Dilma Rousseff, a média foi de 242,5 casos anuais”, destaca o relatório. Esse tipo de violência também inclui tentativas de homicídios, lesão corporal, ameaças, abuso de poder, racismo e violência sexual. O relatório contabiliza ainda e 535 suicídios entre 2019 e 2022.

Leu essa? Brutalidade marca assassinatos de indígenas em 2021

O ano de 2022 registrou um novo crescimento no número de invasões e conflitos em territórios indígenas, segundo o relatório elaborado Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e apresentado, nesta quarta-feira (26/07), em evento na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, também transmitido ao vivo pelo canal do Cimi no Youtube. “O relatório escancarou as atrocidades contra mulheres, homens, jovens e crianças indígenas. Também escancarou a brutalidade do genocídio, que está em curso e em escala progressiva de norte a sul do país”, afirmou dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho (RO).

Estamos diante de um cenário de horrores, de violência permanente contra pessoas, contra povos, contra natureza, contra os espíritos. É a necromáquina atuando

Lucia Helena Rangel
Socióloga, antropóloga e autora do relatório

Em 2022, como nos três anos anteriores, os estados com o maior número de assassinatos de indígenas registrados foram Roraima (41), Mato Grosso do Sul (38) e Amazonas (30), segundo dados da Sesai, do SIM (Sistema de Informação sobre Mortandade, do Ministério da Saúde) e de secretarias estaduais de saúde. Esses três estados concentraram quase dois terços (65%) dos 795 homicídios de indígenas registrados entre 2019 a 2022: 208 em Roraima, 163 no Amazonas e 146 no Mato Grosso do Sul. O relatório dos assassinatos de lideranças Guarani e Kaiowá como Marcio Moreira e Vitorino Sanches, nos meses seguintes ao caso conhecido como “massacre do Guapoy”, que vitimou o Kaiowá Vitor Fernandes, em Mato Grosso do Sul. Também lembra o assassinato de três Guajajara da TI Arariboia, no Amazonas – Janildo Oliveira, Jael Carlos Miranda e Antônio Cafeteiro – mortos em setembro de 2022, no espaço de apenas duas semanas.

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Presente no evento, Erilsa Pataxó, a vice-cacica da Terra Indígena Barra Velha, na Bahia, lembrou as violências ocorridas em seu território que culminaram no assassinato de Gustavo Silva da Conceição, garoto Pataxó de 14 anos, morto com um tiro na cabeça, em setembro de 2022, em um ataque que também deixou outro jovem, de 16 anos, ferido a bala. “Estamos sendo atacados não apenas pelos fazendeiros mas por todos os lados: grilagem, agronegócio, setor imobiliário, justiça regional, governos, mídia regional”, desabafou a vice-cacica da TI Barra Velha. “Mas nós seguiremos resistindo. A cada indígena que é morto, nascem 10 guerreiros dispostos a lutar pelos nossos direitos”, acrescentou Erilsa Pataxó.

O roteiro incluía a desterritorialização, com a não demarcação e e exploração das terras demarcadas; a desconstrução dos direitos indígenas; a destruição de tudo, o fogo na floresta, o devastação das matas, a contaminação das águas; a desestruturação de tudo – Funai, do Incra, de Ibama, de Icmbio; a desassistência, a desumanização. Era um roteiro programático do genocídio

Roberto Antonio Liebgott
Coordenador conselheiro do Cimi e autor do relatório

O relatório também aponta 467 casos de violência contra o patrimônio em 2022. Foram 158 casos de conflitos territoriais e 309 registros de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio — em ambos, os números registrados no ano passado foram recorde. Os conflitos e a grande quantidade de invasões e danos aos territórios indígenas avançaram lado a lado com o desmonte das políticas públicas voltadas aos povos originários, como a assistência em saúde e educação, e com o desmantelamento dos órgãos”, aponta o relatório. Esses casos foram registrados em 218 terras indígenas em 25 estados.

Os organizadores do relatório – Lucia Helena Vitalli Rangel e Roberto Antonio Liebgott – frisaram que o relatório ainda é parcial. A presente edição deste relatório apresenta um retrato do último ano deste ciclo recente sob o governo de Jair Bolsonaro: um período em que nossas publicações se avolumaram e, mesmo assim, foram insuficientes para retratar a totalidade das violações acumuladas. O retrato que buscamos apresentar aqui, portanto, é necessariamente incompleto – e nem por isso deixa de ser estarrecedor”, escreveram.

A socióloga e antropóloga Lucia Helena Rangel destacou que, mesmo que os dados sejam parciais, o relatório descreve esse panorama de violências, abusos e violações, incentivado pelo próprio governo. “Estamos diante de um cenário de horrores, de violência permanente contra pessoas, contra povos, contra natureza, contra os espíritos. É a necromáquina atuando”, afirmou.

Coautor do relatório, Roberto Antonio Liebgott, coordenador conselheiro do Cimi na Região Sul enfatizou que o relatório mostra que estava em curso um “roteiro programático do genocídio”, durante o governo. “Esse roteiro incluía a desterritorialização, com a não demarcação e e exploração das terras demarcadas; a desconstrução dos direitos indígenas; a destruição de tudo, o fogo na floresta, o devastação das matas, a contaminação das águas; a desestruturação de tudo – Funai, do Incra, de Ibama, de Icmbio; a desassistência, a desumanização. Era um roteiro programático do genocídio, que não foi concluído pela resistência dos povos indígenas”, afirmou Liebgott.

Mortalidade infantil

O relatório lembra ainda que, de 2019 a 2022, nenhuma terra indígena foi demarcada pelo governo federal. “Sob Bolsonaro, o Poder Executivo não apenas ignorou a obrigação constitucional de demarcar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos originários como também atuou, na prática, para flexibilizar este direito, por meio de Projetos de Lei (PLs) e de medidas administrativas voltadas a liberar a exploração de terras indígenas”, destaca a apresentação do documento.

No capítulo sobre omissão do Poder Público, o relatório do Cimi aponta um número particularmente cruel: 3.552 crianças indígenas de até quatro anos de idade morreram nos quatro anos do Governo Bolsonaro. Os dados fornecidos pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) revelam a ocorrência de 835 mortes de crianças indígenas desta faixa etária apenas em 2022. A maioria das mortes foi registrada no Amazonas (233), em Roraima (128) e em Mato Grosso (133). No período de quatro anos, os mesmos três estados concentraram a maioria dos óbitos: foram, no total, 1.014 mortes de crianças menores de cinco anos no Amazonas, 607 em Roraima e 487 em Mato Grosso, segundo dados atualizados obtidos junto à Sesai.

De acordo com o levantamento do Cimi, o DSEI Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY), que cobre a TI Yanomami e estende-se entre os estados de Roraima e Amazonas, registrou 621 mortes de crianças de 0 a 4 anos entre 2019 e 2022, concentrando 17,5% de todas as mortes de crianças indígenas nesta faixa etária. Segundo o DSEI-YY, a população na TI Yanomami é estimada em aproximadamente 30,5 mil pessoas – o que corresponde a apenas 4% do total de indígenas atendidos pela Sesai, como indicam as informações da Sesai. “O fato de que parte da estrutura de saúde da TI foi apropriada por garimpeiros, em regiões isoladas e de difícil acesso, indica que a realidade certamente é ainda mais grave do que os dados oficiais reconhecem”, destaca o relatório.

O documento de 285 páginas também indica a ocorrência de 115 suicídios de indígenas em 2022, a maioria nos estados do Amazonas (44),
Mato Grosso do Sul (28) e Roraima (15). Mais de um terço das mortes por suicídio (39, equivalentes a 35%) ocorreu entre indígenas de até 19 anos de idade. Entre 2019 e 2022, dados atualizados totalizam 535 mortes de indígenas por suicídio. Neste período, os mesmos três estados registraram o maior número de casos: Amazonas (208), Mato Grosso do Sul (131) e Roraima (57) concentraram, juntos, 74% dos suicídios indígenas ao longo destes quatro anos.

O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil é dedicado “a todos os indígenas que perderam suas vidas resistindo à violência
sistemática praticada nestes quatro anos de descalabro; ao indigenista Bruno Pereira e ao jornalista Dom Phillips, que tiveram suas vidas interrompidas por essa mesma violência, vitimados pelo simples fato de se colocarem ao lado dos povos; e ao amigo e aliado Marcelo Zelic”. Bruno e Dom também foram homenageado durante a apresentação do relatório. “Os números não podem ser apenas dados mas nos levar a respostas e propostas. Esta ação violenta contra a pessoa do indígena nos assusta muito”, afirmou dom Ricardo Hoepers, secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), na abertura do evento.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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