Pelo menos no comércio de ouro, o Brasil é o país da ilegalidade. Das 111 toneladas de ouro exportadas em 2020, 17%, ou 19 toneladas, saíram de terras indígenas ou de Unidades de Conservação (UCs) da Amazônia. O ouro ilegal chegou a Canadá, Suíça, Polônia, Reino Unido, Emirados Árabes, Itália e Índia. Ao revelar, em números, o tamanho da fraude da lavagem de ouro no Brasil, o Instituto Escolhas, um think tank da área socioambiental, descortinou no estudo “Brasil exporta ouro ilegal” um mercado que se beneficia das brechas da lei.
Leia as reportagens da série O ouro ilegal e seu rastro de destruição
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É fácil fraudar a origem do ouro no Brasil, depois de tirá-lo de uma Terra Indígena ou de uma Unidade de Conservação. Não existe nenhum controle nessa comercialização
[/g1_quote]“É fácil fraudar a origem do ouro no Brasil, depois de tirá-lo de uma Terra Indígena ou de uma Unidade de Conservação. Não existe nenhum controle nessa comercialização”, explicou Larissa Rodrigues, autora do estudo e gerente de Projetos e Produtos do Instituto Escolhas. “Como a lei se baseia no princípio da boa-fé, as informações prestadas pelos vendedores de ouro ilegal são consideradas verdadeiras”, mesmo que o metal tenha saído de uma área proibida.
Maior produtor nacional de ouro, Minas Gerais exportou 51,2 mil quilos de metal precioso em 2020, dos quais 37% foram ilegais. As exportações feitas por São Paulo, que não produz um único grama de ouro, foram 100% ilegais, assim como as exportações do Distrito Federal e do Rio de Janeiro. O estudo chama a atenção para estados como Mato Grosso e Pará. Juntos, eles alimentaram as cifras de ouro ilegal no país com a soma de 485 quilos, sendo que nenhum dos dois estados tem título de permissão de lavra garimpeira concedida Agência Nacional de Mineração (ANM).
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Veja o que já enviamosO crime ambiental segue um roteiro clássico: o ouro é vendido num posto de compra, as lojinhas das DTVMs (Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários) instaladas nos arredores de um garimpo, como se tivesse saído de uma área registrada na ANM e não de uma Terra Indígena ou Unidade de Conservação. O estudo apontou que a principal fragilidade da legislação é permitir que a declaração de origem do ouro seja manual – não existe registro eletrônico e nem guia de transporte. A compra e venda desse ouro nem passa pelos bancos de dados da Receita Federal, o que inviabiliza a rastreabilidade do produto.
Depois de legalizado com base numa fraude, o ouro ilegal vira um símbolo de status, matéria-prima para a indústria de joias e insumo para a produção de barras que lastreiam investimentos. Em alta, especialmente porque as crises sanitária e econômica levaram os investidores a se protegerem em ativos considerados seguros, o ouro bombou em 2020. Foi o investimento com maior rentabilidade naquele ano, tendência que segue em 2021.
Em março último, o senador Fabiano Comparato (Rede Solidariedade-ES) protocolou o projeto de lei 1.836/2021, baseado no diagnóstico do Instituto Escolhas. “Desde então, o projeto não tramitou, o que dá a medida das prioridades do Congresso e do governo federal”, analisou Larissa, lembrando que, ao tomar posse na presidência da Câmara do Deputados, no começo deste ano, Arthur Lira (PP-AL) recebeu a tarefa, dada pelo presidente Jair Bolsonaro, de agilizar a tramitação de temas considerados prioritários para o governo, entre eles o projeto de lei que autoriza mineração em terras indígenas.
Seis meses depois de apresentado na Câmara dos Deputados, o Instituto Escolhas iniciou conversações, no início do mês de setembro, com o embaixador do Reino Unido no Brasil, Peter Wilson. A pressão é para que o Brasil venha a ser classificado como um país de alto risco socioambiental pela ausência de um sistema de rastreabilidade e conformidade legal e ambiental do ouro exportado. O momento é oportuno. Com a saída formal do Reino Unido da União Europeia, em janeiro de 2020, o país está em fase de construção da sua Lei Ambiental.
[g1_quote author_name=”Larissa Rodrigues” author_description=”Instituto Escolhas” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O objetivo é que as empresas saibam que, ao comprarem produtos brasileiros, estão alimentando desmatamento e violações aos direitos humanos na cadeia do ouro
[/g1_quote]“A conversa foi boa, até porque é impossível não enxergar a gravidade da situação”, comentou Larissa, lembrando que, no comércio bilateral entre os dois países, o ouro é o principal produto da pauta de exportação para o Reino Unido, representando 25% das vendas totais. “O objetivo é que as empresas saibam que, ao comprarem produtos brasileiros, estão alimentando desmatamento e violações aos direitos humanos na cadeia do ouro”.
Cruzando dados públicos da produção mineral brasileira com as informações prestadas pelas empresas no pagamento da Contribuição Financeira por Exploração Mineral (Cfem), os registros de Permissões de Lavras Garimpeiras da ANM e imagens do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Ministério Público Federal (MPF) do Pará decretou, em agosto último, a suspensão das atividades de três instituições financeiras: as DTVMs FD´Gold, Carol e OM – a FD´Gold ao lado da mineradora canadense Kiross e da britânica Anglo Gold Ashanti são os maiores exportadores de ouro do Brasil.
As três instituições financeiras são “acusadas de despejar no mercado nacional e internacional mais de 4,3 mil quilos de ouro ilegal nos anos de 2019 e 2020”. Além de ter suas atividades suspensas, as empresas podem ser condenadas a pagar um total de R$ 10,6 bilhões por danos sociais e ambientais. O ouro, diz o MPF, saiu dos muitos garimpos ilegais que se proliferam nos municípios paraenses de Itaibuba, Jacareacanga e Novo Progresso.