Em 2005, o prestigiado escritor e jornalista britânico Oliver Burkeman, produziu um divertido artigo para o jornal The Guardian com o seguinte título: “Quão verde é Charles?”. Burkeman relacionou sete atividades da vida cotidiana do então Príncipe de Gales para responder a essa pergunta: viagens, família, influência, alimentação, casas, arquitetura e férias eram os itens da lista. Para cada um deles dava notas de zero a dez. Charles recebeu nota 2 para as poluentes viagens que faz com os seus jatinhos e dez para a alimentação orgânica e saudável. No fim acabou sendo aprovado com média 6.
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O fato é que Charles Philip Arthur George, de 73 anos, ou só Charles III, como deverá ser chamado daqui para a frente, está há mais ou menos 50 anos envolvido de um jeito ou de outro com as questões ambientais. É verdade que nunca foi visto abraçando uma árvore ou pichando as paredes de uma usina de carvão. No entanto, mais de uma vez, ele já fez críticas contundentes aos subsídios dados por governos para os combustíveis fósseis. Em 2021, em entrevista à BBC, indagou:
“Continuamos dando subsídios para os combustíveis fósseis, por quê?”
Na mesma conversa com o canal britânico, Charles classificou como loucura os subsídios oferecidos ao que ele chamou de “abordagens agroindustriais insanas para a agricultura, que são um desastre, causam enormes danos e contribuem para o aumento das emissões de gases de efeito estufa”. E continuou: “também são perversos os subsídios para a indústria pesqueira, que causam danos gigantescos com a pesca de arrasto”.
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Veja o que já enviamosO movimento “Extinction Rebellion” ou XR, como é chamado, criado na Inglaterra, em 2018, está entre os que acreditam que Charles III deveria fazer mais pela preservação do planeta do que tem feito até agora. Para eles, o monarca pratica uma espécie de “ativismo de negócios”, que seria pouco eficiente. O XR vem ganhando cada vez mais espaço na luta contra a crise climática e a perda da biodiversidade. Eles dizem que estão tentando “minimizar o risco de extinção humana”. Para isso promovem ações de resistência não-violenta, como interditar ruas e lacrar fábricas. Em 2021, após uma série de manifestações como estas, Charles disse que não concordava com os métodos do grupo:
“Eu entendo totalmente a frustração deles, mas não acho útil o que fazem. É preciso direcionar essa frustração para coisas mais construtivas do que destrutivas”
Em 2021, o príncipe Charles lançou o movimento Terra Carta, que reúne líderes e CEOs de grandes empresas e grupos de investimento globais com o objetivo de colocar a sustentabilidade no centro dos negócios do setor privado. Dentre os signatários destaca-se a BlackRock, maior gestora de capital do mundo, que administra cerca de US$ 7,4 trilhões em ativos. Em 2020, a mesma companhia havia dito que as “mudanças climáticas seriam um fator definidor das perspectivas de longo prazo das empresas”.
Um dos objetivos do movimento é criar uma aliança de investidores para juntar, até o final deste ano de 2022, US$ 10 bilhões. O dinheiro seria usado para ajudar o setor privado a adotar algumas das 100 ações descritas na Terra Carta, como o cumprimento das metas do Acordo de Paris, o compromisso de manter o aumento da temperatura limitado a 1,5ºC, o alcance dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o respeito à Convenção sobre Direito do Mar, o combate à desertificação e a restauração da biodiversidade até 2050.
A Terra Carta não foi o primeiro movimento liderado por Charles ou que contou com a sua participação. Um ano antes, em 2020, ele participou do Sustainable Markets Initiative (SMI), uma coalização que reúne lideranças do setor público e privado para trabalhar pela descarbonização da economia. Em 2019 lançou a A4S (Accounting for Sustainability) para executivos de finanças. No Ducado de Cornualha, Charles tem uma fazenda que produz e vende ingredientes orgânicos para todo o Reino Unido. Aliás, o novo rei se orgulha do seu carro DB5, da Aston Martin, que é abastecido por um tipo inusitado de biocombustível feito a partir do vinho e do queijo.
Na verdade, as viagens talvez sejam o maior calcanhar de Aquiles do antigo príncipe. Em média, segundo levantamento do The Guardian, Charles e Camilla viajam quase 80 mil km por ano. Uma pergunta frequente ouvida nos pubs londrinos é sobre o que seria mais vantajoso para o planeta: a ida de Charles até a Austrália ou a Nova Zelândia para salvar um albatroz ameaçado de extinção ou ficar em Londres sem usar os seus jatinhos que emitem toneladas CO² equivalente. Se ele pelo menos usasse voos regulares, já seria uma economia, o que dificilmente acontecerá, agora que virou rei. Em sua defesa, seus assessores dizem que os funcionários de Clarence House, residência oficial do príncipe até ontem, são obrigados a compartilhar os carros, sempre que possível.
Ao que parece, as contradições continuarão fazendo parte da vida desse peculiar rei ambientalista. Ele tem várias casas, todas enormes, mas com energia renovável e reciclagem de lixo. Escritórios espalhados em inúmeros pontos do Reino Unido, mas com a meta de serem neutros em carbono. Os veículos da fazenda são movidos a biodiesel e não há fertilizante à base de nitrogênio, mas o príncipe viaja com frequência para a Itália com o objetivo de convencer os consumidores de lá a comprar produtos britânicos. Quando o mais sustentável, é óbvio, seria incentivar os italianos a consumir produtos locais. Até 2005, Charles era um assíduo frequentador dos torneios de caça à raposa no Reino Unido. Não parou por conta do ativismo ambiental, mas porque a prática foi proibida pelo governo.
A boa notícia, para alguns pelo menos, é que o filho de Charles com Diana, o príncipe William, próximo na linha de sucessão, está seguindo os passos do pai. Ele lançou em outubro do ano passado uma espécie de “Prêmio Nobel do Ambientalismo”. A premiação busca 50 soluções para os problemas ambientais mais graves do mundo. A promessa de William é premiar os vencedores com 50 milhões de libras (cerca de R$ 360 milhões) ao longo dos próximos dez anos. Vamos torcer para que ele melhore a nota 6 recebida pelo pai. E que não seja só para inglês ver.