Entre maio e junho, o Nordeste enfrentou temporais, com 70% a mais de chuva do que o esperado para o período, deixando 25 mil pessoas desalojadas e mais de 130 mortos. Estudos científicos mostram que a intensidade das tempestades foi causada pelas mudanças climáticas. Pela mesma razão, foram mais violentos temporais sobre Petrópolis – provocando mais de 300 mortes na maior tragédia climática da cidade – e a Região Sul do país enfrenta uma estiagem que já dura dois anos, com períodos de seca extrema. Apesar desses sinais veementes, a crise climática pouco aparece nos programas de governo dos candidatos à Presidência da República – a maioria nem toca no assunto apesar de todos tratarem de meio ambiente e da Amazônia.
No registro de suas candidaturas, os postulantes devem apresentar seu plano de governo: desde 1997, quando a lei estabeleceu essa obrigatoriedade aos candidatos a cargos executivos, os partidos apresentam, na maioria dos casos, diretrizes e princípios. Os programas de governo detalhados são apresentados (ou não) durante a campanha eleitoral – em alguns casos, só mesmo depois das eleições. Os planos obrigatórios apresentados para a disputa pela Presidência em 2022 variam muito: na apresentação, no tamanho e, naturalmente, no conteúdo. A “proposta de plano de governo” de Soraya Thronicke (União Brasil) tem 73 páginas, com programação visual e fotos. As “diretrizes gerais” do Constituinte Eymael têm apenas páginas, com 27 tópicos – e três linhas para o meio ambiente.
Como a questão ambiental está em todos os planos e o papel aceita tudo, o que mais chama atenção na leitura dos documentos ao TSE é a falta de referências à crise climática na maioria deles. Há, entretanto, exceções: apesar de ser um documento sucinto, com apenas 21 páginas, divididas em 121 tópicos, as “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil”, do ex-presidente Lula, líder nas pesquisas há um mês da eleição, não ignoram a questão climática. “Temos compromisso com a sustentabilidade social, ambiental, econômica e com o enfrentamento das mudanças climáticas. Isso requer cuidar de nossas riquezas naturais, produzir e consumir de forma sustentável e mudar o padrão de produção e consumo de energia no país, participando do esforço mundial para combater a crise climática”, afirma o plano da Coligação Brasil Esperança, logo no seu 10º tópico.
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Veja o que já enviamosMas as diretrizes não detalham o que será feito para alcançar produção e consumo sustentáveis. “Somaremos esforços na construção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis e no avanço da transição ecológica e energética para garantir o futuro do planeta, apoiando o surgimento de uma economia verde inclusiva, baseada na conservação, na restauração e no uso sustentável da biodiversidade de todos os biomas brasileiros”, acrescenta o documento sem, entretanto, dar maiores pistas sobre o caminho.
Nos 50 itens voltados ao “Desenvolvimento econômico e sustentabilidade socioambiental e climática”, o plano da coligação liderada pelo PT volta à questão climática na parte mais diretamente voltada ao meio ambiente. “Os custos de não enfrentar o problema climático são inaceitáveis, com projeções de forte redução do PIB, perdas expressivas na produção nacional no médio prazo e, principalmente, a perda de vidas e o sofrimento humano, somado às constantes tragédias ambientais. Nosso compromisso será cumprir, de fato, as metas de redução de emissão de gás carbono que o país assumiu na Conferência de 2015 em Paris e ir além”, afirma o texto.
A crise climática climática passa muito de passagem pelo programa da candidata do MDB, Simone Tebet. “Colocar os princípios da sustentabilidade e da economia verde no centro de todas as políticas públicas, voltadas à descarbonização e em favor da redução, compensação, adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas”, estabelece o plano de governo entregue ao TSE pela coligação que inclui ainda o PSDB, o Cidadania e o Podemos.
O enfrentamento da crise climática está um pouco mais detalhado nas 11 páginas sobre “Desenvolvimento Ambiental Sustentável” do plano de governo da senadora Soraya Thornikle, apesar de atrelado a questões energéticas. “O Brasil precisa se preparar para enfrentar os impactos das mudanças climáticas sobre sua economia e segurança institucional. Isto envolve ações articuladas entre vários atores envolvidos com a gestão pública, desde a área ambiental até a Segurança Nacional”, afirma o documento do União Brasil, que promete “planejamento interministerial coordenado no Ministério do Meio Ambiente” no capítulo “Energia, clima e segurança hídrica”. Contudo, das 17 ações previstas, 11 são focadas na produção de energia limpa. “Estabelecer e implementar ações de enfrentamento aos impactos diretos das mudanças climáticas como inundações, secas, desertificações e sumidouros de carbono na Amazônia” é o compromisso do documento que, como o da coligação de Lula, não traz mais detalhes.
Ambientalistas não devem mesmo se animar muito com o plano do União Brasil: há trechos que poderiam ser assinados pelo governo Bolsonaro. “Muitas áreas indígenas estão situadas estrategicamente nas fronteiras e isso exige cuidado especial, devido à ingerência de ONGs, do crime organizado e do comércio ilegal” – criminalização de ONGs dessa forma nem no plano da coligação pela reeleição. “Revisar as Unidades de Conservação atualmente existentes, avaliando sua atual pertinência, a viabilidade de gestão pública e considerando as comunidades atingidas” é outra proposta bastante alinhada às políticas do atual governo – o que não é surpresa já que o União Brasil nasceu da junção do PSL, que elegeu Bolsonaro, e do DEM.
Meio Ambiente e Amazônia
O programa da senadora Soraya só mereceu essa atenção porque efetivamente leva em consideração a crise climática, mas as pesquisas indicam que, com 1% (no máximo) de intenções de voto, suas chances eleitoras são muito remotas. Dos candidatos com mais citações nas pesquisas, o presidente Jair Bolsonaro é o que deu mais espaço a questões ambientais: o item “sustentabilidade ambiental” tem seis páginas, sinal de que as críticas nacionais e internacionais sobre os ataques ao meio ambiente e a vista grossa aos crimes ambientais fizeram, pelo menos, o governo gastar mais espaço com o tema no seu plano de governo para a reeleição.
O plano de 48 páginas da coligação liderada pelo PL ocupa boa parte desse espaço para divulgar ações de governo contra queimadas ilegais e desmatamento – ignorando naturalmente os dados mostrando que os seguidos recordes de áreas queimadas e desmatadas sob Bolsonaro. De passagem, fala dos novos satélites das Forças Armadas para monitorar a Amazônia e levanta dúvidas sobre informações produzidas. “Sabe-se que dependendo do tipo de parâmetro, do tipo de leitura de dados, das estatísticas utilizadas e da tecnologia de imagens adotadas, dentre outros fatores, os resultados podem ser extremamente díspares. Para este Plano de Governo, é fundamental, até para que o assunto tenha a necessária transparência, que seja determinado o desenvolvimento de metodologias que consolidem as bases de dados e harmonizem os resultados no sentido de balizar as políticas públicas contra queimadas de maneira mais assertiva”, afirma o documento.
Para acreditar nos compromissos do segundo mandato, seria necessário esquecer inteiramente o que Bolsonaro fez no primeiro. Como confiar em “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas e Quilombolas” após o avanço das invasões e outras violências contra essas minorias? Como levar a sério “Defesa, Proteção e Promoção do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia” como plano de governo de quem incentivou o garimpo ilegal e a grilagem? Pelo menos, o documento de Bolsonaro nos poupou da promessa de fortalecer os órgãos ambientais, após quatro anos de sucateamento – aliás, nas seis páginas, o plano só cita o Ibama e o ICMBio uma única vez, ao listar órgãos envolvidos em operação conjunta.
A preocupação com os órgãos ambientais está nos planos dos candidatos de oposição. “Recuperar os mecanismos de comando e controle,
fortalecer órgãos de fiscalização, como o ICMBio e o Ibama”, promete o programa da senadora Simone Tebet, que dedica quatro páginas do seu eixo “Economia verde e desenvolvimento sustentável”, diretamente a questões ambientais. O documento “Princípios, diretrizes e compromissos” da candidata do PMDB critica o governo Bolsonaro, defende a ciência e ataca a “a falsa dicotomia que opõe meio ambiente e desenvolvimento”.
Os compromissos do documento incluem também “adotar política de tolerância zero com o desmatamento ilegal”; “acelerar o cumprimento das metas de redução de gases de efeito estufa, incluindo o metano, e de reflorestamento previstas no Acordo de Paris e no REED+”; criar cadastros nacionais de empresas, projetos e pessoas que promovam desmatamento, invasão de terras e mineração ilegal nos moldes da “Lista Suja” do trabalho escravo; “criar secretaria executiva, vinculada à Casa Civil, para coordenar e integrar políticas intersetoriais para Amazônia” e “acelerar a adoção, a informatização, a consolidação e a análise de regularidade do CAR”.
O programa do petista Lula também enfatiza a recuperação dos órgãos ambientais. “Vamos combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico. Para isso, será necessário recuperar as capacidades estatais, o planejamento e a participação social fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai. Reafirmamos o nosso compromisso com as instituições federais, que foram desrespeitadas e sucateadas por práticas recorrentes de assédio moral e institucional”, afirma o texto. A coligação também promete combater os crimes ambientais. “Nosso compromisso é com o combate implacável ao desmatamento ilegal e promoção do desmatamento líquido zero, ou seja, com recomposição de áreas degradadas e reflorestamento dos biomas”, acrescenta o plano da coligação Brasil Esperança.
As “Linhas Gerais do Programa de Governo de Ciro Gomes“, com 26 páginas, dedicam apenas quatro parágrafos – no capítulo “A agenda ambiental que propomos” – ao tema. “O crescimento do Brasil passa necessariamente por uma agenda ambiental clara, capaz de provar que a floresta em pé vale muito mais que um campo desmatado. É essencial realizarmos, de forma imediata, um zoneamento econômico e ecológico no pais, em especial na Região Amazônica, para defendermos nossos ecossistemas”, afirma o documento do candidato do PDT, Ciro Gomes, terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência, defendendo uma estratégia de desenvolvimento para mostrar que é possível conciliar e integrar a lavoura, a pecuária e a floresta”.