ODS 1
Maus tratos a animais: projeto aprovado na Câmara retira punições e permite crueldades


Mais de 100 organizações nacionais e internacionais alertam para desmonte de direitos conquistados por lei de proteção animal e apelam ao Senado


Mais de 100 entidades nacionais e internacionais deflagraram campanha para que o Senado barre as alterações promovidas pela Câmara dos Deputados no projeto de lei 347/2003. Manifesto enviado aos senadores e abaixo-assinado – aberto na plataforma digital Change.org – denunciam que o texto, originalmente voltado a ampliar penas contra o tráfico de animais silvestres, passou a incluir dispositivos que abrem “brechas para a descriminalização de maus-tratos sempre que houver “regulamentação agropecuária” ou alegação de “controle populacional” de espécies exóticas invasoras”.
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O PL 347/2003 também sofreu modificações em outros artigos que abrem caminho para extermínio e atos de abuso contra animais silvestres, de acordo com as entidades. “O PL 347/2003 é um verdadeiro ‘Cavalo de Troia’: oferece à sociedade a ilusão de justiça para os animais, enquanto esconde uma tragédia ética e jurídica para aqueles explorados pela pecuária, rodeios, vaquejadas, caça esportiva, e outras práticas ditas culturais”, afirma o manifesto.
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Veja o que já enviamosAlém das organizações, assinam o documento 136 juristas, professores e ativistas que pedem a manutenção do texto original do PL e a rejeição das emendas “que ferem a Constituição e legitimam a crueldade institucionalizada”. O substitutivo foi aprovado na Câmara dos Deputados na véspera da Cúpula dos Líderes da COP30 com alterações que, na visão dos especialistas, “esvaziam o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), que desde 1998 estabelece punição para quem abusa, fere ou mutila qualquer animal”.
Está em vigor no Brasil a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), que, em seu artigo 32, determina que maltratar, abusar, ferir ou mutilar animais é crime. O PL 347/2003 foi apresentado, 22 anos atrás, pela CPI do Tráfico de Animais com objetivo de tornar a Lei de Crimes Ambientais mais severa para quem trafica ou maltrata animais silvestres, com apoio de ativistas da proteção animal. Entretanto, as alterações aprovadas em plenário, na visão das organizações, deformaram o objetivo do PL. “O texto atual está longe de representar um avanço na proteção dos animais, institucionaliza o especismo seletivo ao incluir dispositivos que excluem da proteção legal contra maus-tratos a imensa maioria dos animais explorados pela sociedade”, afirma o manifesto.
A primeira emenda criticada isenta de responsabilização penal em práticas apresentadas como “culturalmente referenciadas”, abrindo espaço para que atividades violentas, como rinhas de galo, canários, brigas de cães, farra do boi, tiro ao pombo, montarias em touros e cavalos, vaquejadas, gineteadas, provas de perseguição e espetáculos com animais, sejam defendidas como tradição. De acordo com os signatários do manifesto, com isso, condutas ou omissões humanas que hoje poderiam ser criminalizadas, não mais serão ao enquadrarem-se como “cultura local”, inviabilizando na prática restabelecimento da ordem social, composição dos danos causados, medidas alternativas à prisão como a transação penal, ANPP, e a prevenção de novos crimes e ressocialização do indivíduo, pois é subtraída a “tipicidade” penal.
Outra alteração do substitutivo permite o “controle letal” de espécies exóticas, retirando garantia de punição criminal para pessoas físicas ou jurídicas, que passam a ter amplos poderes sejam agentes públicos e privados, não havendo ainda, limites claros, e garantia de métodos humanitários. Ativistas alertam que isso pode inclusive transformar o país em território de caçadas legalizadas motivadas por interesses econômicos ou pressões regionais, inclusive contra espécies que não representam risco aos ecossistemas. Na prática, o dispositivo amplia o risco de mortes arbitrárias, inclusive de outros animais como os silvestres, pois não há critérios técnicos, sólidos e mecanismos de proteção à vida animal como fiscalização efetiva e garantia de espaços territorialmente protegidos.
As organizações também criticam a emenda que afeta diretamente os animais explorados na pecuária. A Emenda 7 isenta de punição qualquer manejo, contenção ou abate regulamentado pelo setor, retirando desses animais a proteção atualmente existente. Procedimentos dolorosos, negligência em transporte ou abate sem atordoamento eficaz ficariam automaticamente justificados por estarem “dentro de uma norma”, criando um vácuo de responsabilização e um regime de impunidade no setor. “Esta é a mensagem obscena do PL: a dor só importa quando não ameaça o poder econômico”, denuncia o manifesto.
As organizações reconhecem que o aumento de pena de 2 e 5 anos de reclusão – podendo chegar a 8 anos quando houver morte dos animais – para traficantes de animais silvestres poderia ser um avanço no combate do tráfico de animais, mas afirmam que esse ponto não autoriza sob o espelho da ética e da Justiça, os novos dispositivos descriminalizadores de atos de abusar, ferir ou causar maus tratos a outros animais, que perdem a mínima tutela penal existente. As reformas pretendidas, “transformam exceções em regra, institucionalizam a violência e ferem princípios constitucionais”.
As organizações alertam ainda que acusados e condenados por crimes cometidos contra os animais nas práticas citadas por exemplo, e cuja tutela penal fora retirada, serão beneficiados pelo Instituto penal do “abolitio criminis”, que nada mais é que a extinção de um crime pela superveniência de uma nova lei que deixa de considerar a conduta como criminosa. Essa lei posterior mais benéfica retroage para alcançar fatos anteriores, extingue a execução da pena e todos os seus efeitos penais, como antecedentes e reincidência. Um dos exemplos que se encaixa ao benefício é o autor dos crimes de maus tratos em um dos casos mais emblemáticos do Brasil, o das “Búfalas de Brotas”.
O manifesto – já entregue a senadores – pede que o Senado rejeite as seguintes inclusões e emendas: parágrafo 4º do Art. 29-A – práticas “culturalmente referenciadas”;parágrafo 4º do Art. 32 (Emenda 7) – isenções ao setor agropecuário; parágrafos 3º do Art. 29-A, 7º do Art. 29 e 3º do Art. 32, todos sobre “controle” de espécies exóticas. Na Câmara, o texto foi aprovado com 427 favoráveis e apenas um contra.
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Oscar Valporto
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade






































