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Ações policiais causam prejuízo a moradores e comerciantes das favelas
Pesquisa aponta perda anual de R$ 14 milhões apenas nos complexos da Penha e de Manguinhos; em duas favelas, impacto negativo no comércio local foi de R$ 2,5 milhões
As ações policiais nas favelas do Rio de Janeiro causam um prejuízo de até R$ 14 milhões por ano aos moradores dessas comunidades, de acordo com pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), baseada em dois territórios com a maior incidência de tiroteios decorrentes de ações policiais entre junho de 2021 e maio de 2022, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Em duas favelas, uma de cada território, o prejuízo aos comerciantes foi da ordem de R$ 2,5 milhões
Comerciantes e moradores do Complexo da Penha e o Complexo de Manguinhos, ambos na Zona Norte do Rio, relatam que, com as ações, ficam muitas vezes impedidos de ir ao trabalho ou precisam fechar os comércios locais, além de terem os estabelecimentos e produtos danificados em trocas de tiros e interrupções de fornecimento de serviços essenciais como eletricidade e água. “É muito dinheiro e é um dinheiro que faz falta. É o custo que essas pessoas estão pagando por uma guerra que elas não pediram para estar. É o custo causado por ações violentas e desordenadas do próprio Estado”, disse a socióloga Rachel Machado, coordenadora de pesquisa Favelas na Mira do Tiro: Impactos da Guerra às Drogas na Economia dos Territórios.
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Nos dois complexos, 87,9% dos moradores relataram que houve ações policiais nas comunidades e 60,4% disseram que ficaram impedidos de trabalhar nos 12 meses anteriores à pesquisa (realizada entre junho de 2021 e maio de 2022) por conta da violência armada. De acordo com o estudo, o trabalho não realizado por causa das ações policiais gera uma perda anual de R$ 9,4 milhões. Os prejuízos decorrentes da reposição ou reparo de bens danificados pelas ações violentas chegam a R$ 4,7 milhões por ano nos dois complexos.
A pesquisa também aponta que, apenas entre comerciantes e prestadores de serviços das favelas estudadas o prejuízo é de R$ 2,5 milhões por ano, o que representa 34,2% do faturamento médio dos empreendedores. Em um censo com todos os comerciantes e prestadores de serviços de duas favelas dos complexos, Vila Cruzeiro e Mandela de Pedra, as mais expostas à violência armada, 51,3% deles relataram que ações policiais causaram o fechamento temporário do estabelecimento nos 12 meses anteriores à pesquisa.
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Veja o que já enviamosAs ações policiais ainda provocaram falta de energia elétrica em 44,9% das moradias nos 12 meses anteriores à pesquisa, além de interromper o fornecimento de internet e de água para 32,1% e 17,3% dos moradores respectivamente. “A guerra às drogas é uma guerra territorializada, que não cumpre com seu objetivo específico de diminuir a circulação, o tráfico e a venda de drogas. Mas, por outro lado, causa dor, sofrimento e morte, além dos impactos econômicos que a gente menciona na pesquisa”, acentuou a pesquisadora Rachel Machado.
Esta é a quarta etapa do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir, que reforça o debate sobre os impactos da proibição e da guerra às drogas com dados e análises inéditas em quatro frentes de trabalho: segurança e justiça, educação, saúde e território. Todos os resultados demonstraram que, além de mortes e violações de direitos, a guerra às drogas custa caro aos cofres públicos. O estudo Um Tiro no Pé revelou o gasto anual de R$ 5,2 bilhões com a implementação da Lei de Drogas (11.343/06) pelo Sistema de Justiça Criminal dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A segunda etapa, Tiros no Futuro, demonstrou que 74% das escolas cariocas vivenciaram pelo menos um tiroteio com presença dos agentes de segurança em seu entorno em 2019, o que prejudica o desempenho escolar e a renda futura dos estudantes. Saúde na Linha de Tiro, a terceira etapa do projeto, analisou o impacto da guerra às drogas na saúde e no acesso aos equipamentos públicos de saúde para os moradores de favelas cariocas.
O estudo Favelas na Mira do Tiro finaliza esse ciclo de pesquisas, apontando que esta violência policial provoca danos financeiros tanto para moradores como para comerciantes das favelas analisadas. “A guerra às drogas afeta toda a sociedade brasileira. Mas são os moradores de favelas, pobres e negros os mais prejudicados, inclusive financeiramente, por essa política do Estado. Com a pesquisa, queremos chamar atenção da sociedade para essa realidade”, destacou Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC e do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir. “Nesta lógica, predomina uma visão racista e estereotipada desses territórios que naturaliza uma série de violações de direitos aos moradores, o que não seria tolerado nas áreas ricas da cidade. Os dados coletados nesta pesquisa evidenciam os impactos individual e coletivo da violência policial”, acrescentou.
Comércio fechado a bala
Com a participação dos moradores, a pesquisa mapeou todos os 367 estabelecimentos da Vila Cruzeiro e da Mandela de Pedra. Desses, 303 seguiam em funcionamento no momento da aplicação dos questionários. Apenas para o comércio local, somadas as perdas com a diminuição das vendas e atendimentos e os custos de reparo e reposição, o prejuízo total com as operações policiais foi estimado em R$ 2,5 milhões por ano, o que representa 34,2% do faturamento desses empreendimentos.
Os tiroteios com agentes de segurança causaram o fechamento temporário de 51,3% dos estabelecimentos da Vila Cruzeiro e de 46,3% de Mandela de Pedra nos 12 meses anteriores à pesquisa. Em ambas as favelas, 51,2% dos empreendimentos tiveram diminuição em suas vendas e/ou atendimentos.
Na Vila Cruzeiro, 18,7% dos comerciantes tiveram bens danificados ou destruídos em decorrência de ações policiais nos 12 meses anteriores à pesquisa. Em Mandela de Pedra, esse percentual foi de 9%. “Esse impacto que os comerciantes relataram é um impacto muito grande e não é apenas no dia da operação que eles fecham e perdem o faturamento do dia, no dia seguinte à operação a favela não se porta normalmente”, explicou Rachel Machado. “Pessoas morrem, fica um clima de ansiedade, de violência e insegurança. Então, tem perda não apenas no momento específico da operação, mas também alguns dias depois”, disse a pesquisadora do Cesec.
De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão do governo estadual, 1.327 pessoas morreram em ações das forças de segurança do estado do Rio de Janeiro em 2022, o equivalente a 29,7% de todas as 4.473 mortes violentas registradas no ano. Segundo o Instituto Fogo Cruzado, nos últimos 7 anos, entre julho de 2016 e julho de 2023, as ações e operações policiais foram o principal motivo para vitimar crianças e adolescentes. Nesse período, 112 crianças e adolescentes foram mortas e 174 ficaram feridas.
Ainda segundo o Fogo Cruzado, desde o início deste ano, 100 agentes de segurança pública foram baleados na região metropolitana do Rio de Janeiro. Desse total, 44 morreram e 56 ficaram feridos. “Sabemos que esses territórios são majoritariamente negros e são essas mães que choram a morte de seus filhos nessas ações. Frequentemente temos crianças que são mortas nessas ações policiais. A conta não bate, não vale a pena por uma dita guerra às drogas que, na verdade, causa sofrimento e dor para os territórios das favelas e para as pessoas negras majoritariamente que estão lá”, avaliou Rachel Machado.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade