MP vai à Justiça contra lei que mutila reservas ambientais de Rondônia

Procurador-geral de Justiça entra com ação de inconstitucionalidade para barrar redução de mais de 200 mil hectares de duas unidades de conservação

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 25 de maio de 2021 - 16:26 • Atualizada em 28 de maio de 2021 - 13:59

Área desmatada perto de unidade de conservação em Rondônia: legalização de ocupações ilegais (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real – 07/08/2020)

A Procuradoria-Geral de Justiça de Rondônia ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, questionando trechos da Lei Complementar Estadual nº 1.089/21, que altera os limites da Reserva Extrativista Jaci-Paraná (Resex-Jaci-Paraná) e do Parque Estadual de Guajará-Mirim, “reduzindo significativamente a área dessas unidades de conservação”, que, com a lei, perdem um total de 219 mil hectares. Na ação junto ao Tribunal de Justiça de Rondônia, o procurador-geral Ivanildo de Oliveira destaca as irregularidades. “As Unidades de Conservação possuem áreas que estão sendo utilizadas em completa afronta às normas legais, ocupadas em grande parte para o exercício exclusivo da pecuária, o que é expressamente proibido pelo vasto arcabouço jurídico ambiental e constitucional, causando um passivo ambiental de proporções incalculáveis”, aponta.

O projeto de lei complementar foi enviado à Assembleia Legislativa pelo próprio governador Marcos Rocha, que reconhece até a grave situação fundiária da reserva e do parque estadual. “Conforme reconhece o governador do estado na justificativa do projeto que redundou na Lei complementar n. 1.089/2021, a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual de Guajará-Mirim são ocupados ilegalmente e desmatados em detrimento do direito das populações tradicionais (extrativistas e outras), sem qualquer licenciamento ambiental ou autorização para supressão de vegetação nativa”, frisa o procurador-geral na ação de inconstitucionalidade.

Desde seu envio à Assembleia Legislativa em agosto de 2020, o projeto gerou a reação de entidades ambientalistas e organizações indígenas. “Invasões e ameaças aos territórios indígenas em Rondônia só vem aumentando ao longo do tempo. Mas as coisas pioraram muito com esse governo porque os invasores – madeireiros, garimpeiros, fazendeiros – sentem que tem apoio federal e estadual para ações criminosas”, afirmou Maria Leonice Tupari, dirigente da Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), ao #Colabora.

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A AGIR foi uma das mais de 50 organizações – entre elas, Greenpeace e WWF Brasil – que assinaram manifesto, divulgado em todo o país e até no exterior, contra o projeto. A votação marcada para dezembro acabou adiada. Em abril, entretanto, os deputados estaduais, por unanimidade, aprovaram o Projeto de Lei Complementar 80/2020, reduzindo em cerca de 162 mil hectares a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e em outros quase 50 mil hectares o Parque Estadual Guajará-Mirim. “Para mim, é um recado para quem grila terra pública: pode grilar que a Assembleia Legislativa regulariza. A Assembleia Legislativa apoia, muito claramente, quem causa dano ambiental”, disse indigenista e ambientalista Ivaneide Bandeira, sócia-fundadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, à Amazônia Real.

Após a aprovação, a Procuradoria-Geral de Justiça e a Força-Tarefa de Combate aos Desmatamentos e Queimadas expediram recomendação administrativa ao governador Marcos Rocha para que não sancionasse e vetasse o PLC 80/2020. “O projeto pode acarretar grande impacto ambiental, sem que tenha sido realizado estudo técnico com as garantias dos princípios da publicidade, da informação e da participação popular, para que atestem o interesse público, social ou ambiental da referida medida”, advertiu o Ministério Público. Rocha, entretanto, sancionou a nova lei na quinta-feira (20/05).

Na ADI, o MP aponta a inconstitucionalidade da norma nos artigos 1º (caput e parágrafos 1º e 2º; 2º (caput, e parágrafos 1º e 2º); 15 (caput e parágrafo único; e artigo 17 (caput e seus incisos) além dos Anexos I, II, V, VI, VII e VIII. No artigo 1º e nos anexos I e II, a lei reduz a área da Reserva Extrativista Jaci-Paraná, localizada nos municípios de Porto Velho, Buritis e Nova Mamoré, de 191 mil para 22.487,818 hectares; o artigo 2º (e Anexos V a VIII) reduz a área do Parque Estadual de Guajará-Mirim, de 216 mil para 166.034,71 hectares. A norma também prevê a possibilidade de regularização ambiental da propriedade ou posse de imóveis rurais nas áreas desafetadas da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim (artigo 15).

O MP argumenta haver inconstitucionalidade material na lei. “A Constituição Federal assegura no artigo 225, caput, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, afirma o procurador-geral de Justiça de Rondônia na ação.

Ao pedir a medida cautelar, Ivanildo de Oliveira aponta a ameaça iminente às vidas dos povos indígenas e das populações tradicionais. “A “desafetação dessas unidades impacta diretamente as Terras Indígenas Uru-eu-wau-wau, Karipuna, Igarapé Lage, Igarapé Ribeirão, Karitina e os povos que estão em isolamento voluntário na região que envolve as áreas protegidas, ameaçando a integridade física, cultural e territorial podendo levar a iminência de um genocídio das culturas milenares”, enfatiza o procurador-geral, solicitando a suspensão dos artigos que considera inconstitucional até o julgamento da ADI.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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