A chef Zazá Piereck tinha um pesadelo recorrente: o oceano cheio de lixo, com mais plástico do que peixe. Em casa, começou a fazer coleta seletiva e compostagem. No seu restaurante, o Zazá Bistrô, que fica em Ipanema, decidiu abolir os canudos plásticos dois anos antes de a prática ser obrigatória por lei, após ver a foto de um golfinho preso no material. Até que no fim de 2018, conseguiu produzir um relatório completo de toda a redução do impacto ambiental gerado pelo seu negócio. Para se ter uma ideia, foram 104 mil copos descartáveis evitados nos últimos quatro anos, 12 mil canudos plásticos evitados em dois anos e 16.860 cápsulas de café reciclados desde 2017. Só em 2018, foram 1.680 litros de óleo vegetal e 17,5 mil garrafas de vidro reciclados. Como Zazá, outros chefs da zona sul carioca adotaram a consultoria Bota pra Girar, que não só elabora um plano de ação, mas também mensura o resultado das boas práticas.
“A gente tem governo que acha ruim, moda que não gosta… Mas o que a gente não sobrevive mesmo é ao que faz com a natureza. No Zazá, a gente fazia logística reversa, abolimos o canudo, coisas da minha cabeça. Com a consultoria, foi mais fácil sistematizar os processos”.
[g1_quote author_name=” Zazá Piereck” author_description=”chef” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Cabe a nós também o papel de educar nossos clientes e consumidores
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Veja o que já enviamosEntre esses processos está, por exemplo, o treinamento dos funcionários. São feitas rodas de conversas sobre sustentabilidade para que eles possam entender a importância do que estão fazendo, e visitas constantes da assessoria para checar as práticas. Para estimulá-los ainda mais, a restauranteur planeja este ano dar bônus para a equipe de acordo com os resultados apurados, assim como é feito quando uma nutricionista visita a casa para checar a temperatura e a data de validade dos produtos.
“Quero que minhas práticas sejam alinhadas com o que eu acredito. Há 20 anos, ninguém usava orgânico, a não ser frango e ovo. A gente já usava e era visto como exotérico. Por muito tempo, as pessoas achavam que os vinhos orgânicos eram ruins, meio suco de uva. Hoje já sabem que não. Por essas e outras, cabe a nós também o papel de educar nossos clientes e consumidores”.
E de que forma? No caso dos canudos, por exemplo, Zazá começou a fazer drinques mais lúdicos, com bordas, para que o cliente não sentisse falta do artefato.
Para além do treinamento e das criações do bar, foi preciso fazer pequenas adaptações na casa. Para tornar possível a logística reversa da água, por exemplo, foram criados bancos que permitem armazenar as garrafas. Mas nem tudo ainda é perfeito. Dos 346 mil litros de resíduos descartados em 2018, 144 mil foram enviados para reciclagem, mas 202 mil litros de resíduos orgânicos e rejeitos ainda foram parar em aterros sanitários. Zazá reconhece que ainda é possível avançar e conta, por exemplo, que demorou a adotar a entrega delivery porque não queria gerar mais o lixo das quentinhas. Com o agravamento da crise, no ano passado, não teve jeito: precisava garantir mais receita e passou a enviar pelo iFood. Primeiro com quentinhas recicláveis, depois com opções biodegradáveis. Mas percebeu que a tampa não fechava direito e precisou colocar plástico filme em volta:
“Isso me dá uma tristeza. Uma das metas para este ano é encontrar uma melhor solução para esse problema. Já estamos estudando um modelo de logística reversa na oferta de uma embalagem que possa ser reutilizada e reciclada”.
Quando eu bebo em garrafa plástica na rua, levo para casa para ter certeza que ela vai para reciclagem
[/g1_quote]Já Bianca Gayoso, sócia dos restaurantes Sushi Leblon, Nola e Zuka, lamenta a quantidade de plástico que utiliza para embalar os produtos porcionados a vácuo, seguindo as normas da vigilância sanitária:
“São partes da dinâmica da cozinha que os clientes nem imaginam…”, conta ela, que é a mais nova do time a abraçar a causa comercialmente.
Na vida particular, Bianca carrega há tempos seu “kit sustentável” (hashi, canudo de inox) para todos os lugares. E no seu prédio conseguiu até convencer o síndico a implantar a coleta seletiva:
“Quando eu bebo em garrafa plástica na rua, levo para casa para ter certeza que ela vai para reciclagem. Fico de olho até no meu marido para ver se ele está reciclando. As pessoas dizem que não faz diferença. Eu não vejo assim, acho que temos que fazer a nossa parte mesmo”.
A mesma percepção tem Eduardo Bellizzi, sócio do Quadrucci. Como Zazá, ele também já exibe orgulhoso o relatório ambiental do restaurante e celebra até uma certa economia.
“Todas as empresas de reciclagem cobram por saco de lixo coletado. Quando você deixa de fornecer canudo e copos descartáveis, por exemplo, começa a diminuir a quantidade de saco e a gastar menos. No nosso caso, a economia foi de 10%. Pela reciclagem do óleo, a gente ganha alguns produtos de limpeza, como detergentes. Diminuímos também o gasto de água, instalando difusores nas torneiras da cozinha para controlar o fluxo”.
Outra aposta da casa é o guardanapo de pano, alugado de uma lavanderia certificada por práticas sustentáveis, que tem água retirada de um poço artesiano próprio e faz o encaminhamento dos efluentes para uma estação de tratamento.
“Ao analisar os números, você percebe que é uma ação que, ao longo do tempo, faz muita diferença. É uma questão de consciência. Alguns funcionários chegaram a passar a reciclar em casa. O problema é que nem todo mundo tem a coleta seletiva. Ainda temos uma problema estrutural da cidade”.
O Meio Ambiente também sentiu os efeitos das mudanças: em 2018, 460 mil litros de resíduos foram descartados pelo Quadrucci, sendo que 240 mil litros foram encaminhados para reciclagem, entre eles 26 mil garrafas de vidro de diferentes tipos de bebidas e 20 mil garrafas de plástico/PET. Para 2019, a casa vai passar a utilizar apenas água envasada em vidro, com sistema de logística reversa. Segundo o relatório do Bota Para Girar, com o volume médio de garrafas de vidro consumidas no Quadrucci, seria possível evitar a extração de 11,6 toneladas de areia. Com o processo de reciclagem e reutilização, usa-se menos areia virgem de praias e leitos de rios na produção de novos vidros.
Fundadora da consultoria Bota Para Girar, Fernanda Cubianco explica que é preciso olhar todo o processo do estabelecimento e ver qual o impacto que ele causa para levar as soluções e a sustentabilidade para esses pequenos negócios. Na Zazá, foi feita a revisão da produção para reduzir o desperdício, assim como na pizzaria Vezpa, que tem se buscado alternativas para diminuir a sobra da borda da pizza:
“Eu sei que lixo zero é impossível, e tenho consciência de que, antes de mais nada, os restaurantes precisam faturar, mas sabemos que é possível fazer a revisão dos processos e implantar medidas para reduzir a pegada negativa. Os clientes e o planeta agradecem!”
Fernanda essa matéria ficou muito bacana! Vamos @botapragirar!