Brasil vive década de degradação ambiental com crise climática, Bolsonaro e agro predatório

Coleção do MapBiomas mostra que país perdeu uma Bolívia em áreas naturais os últimos 40 anos: após duas décadas de desmatamento intenso, a perda de vegetação foi contida entre 2004 e 2015, mas voltou avançar nos últimos anos

Por Oscar Valporto | ODS 15
Publicada em 13 de agosto de 2025 - 10:01  -  Atualizada em 13 de agosto de 2025 - 10:01
Tempo de leitura: 11 min

Ação contra desmatamento no Pará: Coleção do MapBiomas mostra que país perdeu uma Bolívia em áreas naturais os últimos 40 anos (Foto: Agência Pará – 17/04/2023)

Os 10 últimos anos, de 2015 até 2024, foram os mais quentes já registrados – uma década marcada por eventos extremos do clima, pelo derretimento das geleiras, pela elevação do nível do mar e pelo aquecimento dos oceanos. No Brasil, foi uma década de degradação ambiental: além dos eventos extremos agravados pela crise climática, como as enchentes no Sul, as secas na Amazônia e os incêndios no Pantanal, o país enfrentou o avanço da mineração e do agronegócio mais predatórios, impulsionados, principalmente, nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, marcados por ataques ao meio ambiente e desmonte de órgãos ambientais.

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Lançada nesta quarta-feira (13/08), em Brasília, a mais recente Coleção 10 de mapas anuais de cobertura e uso da terra do MapBiomas traz uma análise detalhada da cobertura e uso da terra no Brasil ao longo dos últimos 40 anos, de 1985 a 2024, e revela impactos significativos nas áreas naturais e na expansão da agropecuária. Nesse período, o Brasil perdeu em média 2,9 milhões de hectares de áreas naturais por ano, totalizando uma redução de 111,7 milhões de hectares entre 1985 e 2024. Essa área, que corresponde a 13% do território nacional, é maior que a Bolívia. “O auge dessa transformação foi entre 1995 e 2004, quando o desmatamento atingiu os maiores picos. Mas entre 2005 e 2014, registrou-se a menor perda líquida de florestas desde 1985. Essa tendência se inverteu nessa última década, que foi marcada por degradação, impactos climáticos e avanço agrícola”, explica Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora do IPAM.

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Os cientistas do Mapbiomas passam ao largo das análises políticas, mas o cenário traçado pelo mapeamento da cobertura vegetal e do uso da terra acompanha as mudanças no país: em 1985, o Brasil enfrentava uma brutal recessão, legado da ditadura militar, que, em seu desdobramento, impactou por baixa atividade econômica na década seguinte, inclusive dos setores que mais impactam na transformação do uso do solo como agricultura, pecuária e mineração. Com o Plano Real e a posterior estabilização da economia, houve a explosão do desmatamento, com o avanço da agricultura e da pecuária, sem o necessário controle ambiental do estado. A partir do primeiro governo Lula, que começou em 2003, houve o desenvolvimento de políticas e ações contra o desmatamento e o fortalecimento dos órgãos ambientais, que resultaram, na década seguinte, numa significativa redução das áreas desmatadas: os menores índices de desmatamento dessas quatro décadas foram registrados entre 2012 e 2014.

A nova coleção marca os 10 anos de atividades do Mapbiomas, iniciativa colaborativa de produção científica, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia. O mapeamento aponta ainda que, nos últimos 40 anos, o percentual de municípios que têm a agropecuária como atividade que ocupa a maior parte de seu território subiu de 47% em 1985 para 59% em 2024. “Até 1985 – ao longo de quase cinco séculos com diferentes ciclos da expansão da fronteira agrícola – o Brasil converteu 60% de toda área hoje ocupada pela agropecuária, mineração, cidades, infraestrutura e outras áreas antrópicas Já os 40% restantes dessa conversão ocorreram em apenas quatro décadas, de 1985 a 2024”, sintetiza o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas.

No início da série histórica do MapBiomas, em 1985, o Brasil possuía 80% de seu território coberto por áreas naturais. Porém, de lá até 1994 foi registrado um aumento de 36,5 milhões de hectares de áreas antrópicas, impulsionado principalmente pela expansão de pastagens. Também foi nesse decênio que 30% dos municípios registraram seu maior crescimento de área urbanizada. Foi uma década de expansão do desmatamento, mas o total de floresta suprimida foi superado na década seguinte, entre 1995 e 2004, quando a conversão de floresta para agropecuária totalizou 44,8 milhões de hectares no país.

A expansão da pastagem sobre vegetação nativa atingiu seu pico neste período (com 35,6 milhões de hectares), entre 1995 e 2004, que também testemunhou um crescimento da agricultura no Brasil, com 14,6 milhões de hectares. Na Amazônia, o aumento de áreas antrópicas foi de 21,1 milhões de hectares, consolidando o chamado “arco do desmatamento” com a maior conversão de vegetação nativa para pastagem no bioma. Se em 1995, a cobertura de áreas naturais em todo o território brasileiro havia diminuído para 76%, uma década depois, esse percentual era de 72%.

Pela análise do MapBiomas, a década de 2005 a 2014 destacou-se por apresentar o menor incremento de área antrópica em 40 anos (+17,6 milhões de hectares). Esta terceira década da série histórica foi marcada pela redução da perda de vegetação nativa para classes antrópicas. Neste período, a perda líquida de área de vegetação nativa ficou em 17,1 milhões de hectares – o menor valor entre as quatro décadas. Desse total, 15,4 milhões de hectares eram de floresta (que inclui as classes: Formação Florestal, Formação Savânica, Floresta Alagável, Mangue e Restinga Arbórea). Foi nesta década que ocorreu a menor conversão de formação florestal em áreas antrópicas na Amazônia (7,7 milhões de hectares). Já no Cerrado, a região do Matopiba (acrônimo para a área de expansão agrícola em partes do MAranhão, TOcantins, PIauí e BAhia) concentrou 80% do desmatamento para agricultura no bioma.

Também neste período ocorreu a maior expansão de agricultura temporária (12,5 milhões de hectares) no país. Ao mesmo tempo, mais de 20,9 milhões de hectares de vegetação nativa foram convertidos para pastagens. Por outro lado, esta foi a década em que a área de pastagem parou de crescer no Brasil. “Nesta década, as novas áreas de pastagem sobre áreas naturais recém-desmatadas diminuíram, ao mesmo tempo em que a conversão de pastagens já estabelecidas para o uso agrícola ou para a regeneração de áreas naturais aumentou”, acrescenta o geólogo Laerte Ferreira, coordenador do mapeamento de pastagens no MapBiomas e coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento na Universidade Federal de Goiás.

O MapBiomas classifica o último período desses 40 anos de análise (2015 a 2024) como a década do aumento da degradação e impactos climáticos. Foi também a época do Governo Bolsonaro quando o desmatamento voltou a acelerar, as invasões de terras indígenas bateram recorde, as multas ambientais caíram 35%, os órgãos ambientais sofreram cortes orçamentários e perda de pessoal. De acordo com o MapBiomas, na década entre 2015 e 2024, a mineração expandiu-se significativamente, com 58% de sua área atual surgindo nesse período, concentrada principalmente na Amazônia (66%). O #Colabora lembra que Bolsonaro incentivou o garimpo ilegal durante seu governo onde houve seguidos registros de invasão de garimpeiros em terras indígenas e áreas de conservação.

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Apesar de a década ter apresentado uma desaceleração da expansão agrícola em todos os biomas, principalmente no Cerrado e na Mata Atlântica, houve o surgimento de uma nova fronteira de desmatamento na Amazônia, nos estados do Amazonas, Acre e Rondônia – a Amacro. O Brasil chega a 2024 com 65% de seu território coberto por vegetação nativa e 32% por agropecuária. A vegetação secundária responde por 6,1% da vegetação nativa no Brasil em média na última década, ou 34,5 milhões de hectares.

Foi também nesses dez anos que o Pampa registrou a maior taxa de supressão de campos (-1,3 milhões de hectares), de tal modo que as áreas agrícolas passaram a superar as áreas com campos nativos usados para pecuária. Em 2024, as áreas com uso agrícola totalizavam 7,9 milhões de hectares, enquanto que as áreas campestres ocupavam 5,8 milhões de hectares. “Ainda nesta década, o desmatamento em vegetação secundária superou o de vegetação primária na Mata Atlântica e no Pampa. Por outro lado, é preocupante o fato de que justamente nesses dois biomas, que são os mais antropizados, as perdas de vegetação nativa não florestal tenham sido as mais altas nessa última década”, comenta o biólogo e ecólogo Eduardo Vélez, da equipe do Pampa do MapBiomas.

Esta última década foi marcada ainda pelos impactos da crise climática, muito além da tragédia ambiental de 2024 no Rio Grande do Sul. A Amazônia enfrentou secas severas nesta década, com 8 dos 10 anos de menor superfície de água da série histórica registrados na última década. Os ciclos de inundação no Pantanal têm reduzido a cada década, culminando em 2024 como o ano mais seco dos últimos 40 anos. Na verdade, todos os biomas perderam superfície de água nos últimos 40 anos, com exceção da Mata Atlântica, por conta da criação de reservatórios e hidrelétricas que expandiram a superfície de água a partir dos anos 2000. Mas as reduções mais drásticas foram observadas no Pantanal, que em 2024 apresentou uma superfície de água 73% abaixo da média registrada entre 1985 e 2024.

Dinâmica do uso da terra nos biomas brasileiros em 40 anos (Arte: MapBiomas)
Dinâmica do uso da terra nos biomas brasileiros em 40 anos (Arte: MapBiomas)

Perda de áreas naturais em todos os biomas

A Amazônia perdeu 52,1 milhões de hectares de áreas naturais nos 40 anos entre 1985 e 2024 (-13%), três em cada cinco hectares de agricultura surgiram nos últimos 20 anos. O maior aumento de área antrópica nesse bioma se deu entre 1995 e 2004 (+21,1 milhões de hectares), superando o total desmatado até 1985 (13 milhões de hectares). Fenômeno semelhante foi observado no Pantanal, onde a expansão de áreas antrópicas entre 1985 e 1994 (540 mil hectares) foi similar ao total convertido até 1985 (570 mil hectares). Todos os estados com maior proporção de vegetação nativa ficam na Amazônia: Amapá (96%), Amazonas (95%) e Roraima (94%).

No Pantanal, entre 1985 e 2024 houve perda de 1,7 milhão de hectares (-12%) de áreas naturais (vegetação nativa e corpos d’água convertidas para uso antrópico). A superfície de água se estendia por 24% do bioma em 1985, e em 2024 a água cobriu apenas 3%, do bioma, resultado de uma seca extrema, parte do processo de diminuição das cheias e aumento dos períodos de seca no bioma.

No Cerrado, 40,5 milhões de hectares de vegetação nativa foram suprimidos entre 1985 e 2024 (-28%). Na Caatinga, essa redução foi de 9,2 milhões de hectares (-15%). Na Mata Atlântica, foram 4,4 milhões de hectares (-11%). Todos os estados com menor proporção de vegetação natural ficam total ou parcialmente na Mata Atlântica: São Paulo (22%), Alagoas (22%) e Sergipe (23%). Na Caatinga, no Cerrado e na Mata Atlântica, a maior parte da expansão antrópica ocorreu antes de 1985. “A cobertura florestal da Mata Atlântica está praticamente estável nas duas últimas décadas, mas enquanto observamos o aumento das florestas secundárias em regeneração ainda persiste o desmatamento das florestas maduras, mais ricas em biodiversidade e em estoque de carbono”, afirma Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.

O Pampa foi o bioma com a maior perda proporcional de vegetação nativa nos últimos 40 anos (-30%, que equivale a 3,8 milhões de hectares). Essas perdas se intensificaram na última década (2015 a 2024), quando foram suprimidos 1,3 milhão de hectares de formações campestres.

Com a Coleção 10 de mapas de cobertura e uso da terra no Brasil, o MapBiomas passa a identificar também a área ocupada por usinas fotovoltaicas no país. Os dados mostram que o crescimento se deu a partir de 2016, com 822 hectares de área ocupados por instalações de médio a grande porte destinadas à geração de energia elétrica por conversão direta da luz solar, com foco na comercialização da energia. Em 2024, essa área já era de 35,3 mil hectares. Quase dois terços (62%, ou 21,8 mil hectares) estão na Caatinga; cerca de um terço (32%, ou 11,2 mil hectares) fica no Cerrado; e 6% (2,1 mil hectares) está na Mata Atlântica. Juntos, Minas Gerais, Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte possuem 74% da área mapeada com usinas fotovoltaicas em 2024: 25,9 mil hectares. Desse total, 13,1 mil hectares, ou 37% de toda a área ocupada por usinas fotovoltaicas no Brasil, estão em Minas Gerais. Quase metade (44,5%, ou 15,7 mil hectares) da área convertida para usinas fotovoltaicas era formações savânicas e 36,6% (12,9 mil hectares) da área convertida para usinas fotovoltaicas era pastagens.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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