Brasil perdeu quase 10 milhões de hectares de florestas em cinco anos

Perda de cobertura florestal do país foi de 15% desde 1985, de acordo com MapBiomas; avanço acelerado no Cerrado alarma pesquisadores

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 20 de outubro de 2023 - 13:34 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:01

Área de Cerrado desmatada no Matopiba: Brasil perdeu quase 10 milhões de hectares de florestas em cinco anos, de acordo com MapBiomas (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace)

Novos dados do MapBiomas, obtidos a partir do monitoramento do território brasileiro por satélites, mostram que, nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu quase 10 milhões (9,6 milhões) de hectares  de florestas naturais – que correspondem a 11% dos 87,6 milhões de hectares de florestas naturais suprimidas nos 38 anos analisados pelo estudo. Entre 1985 e 2022,  a área ocupada por florestas naturais passou de 581,6 milhões de hectares para 494,1 milhões de hectares, uma redução de 15%. Os dados fazem parte dos dados publicados na Coleção 8 do Mapeamento Anual da Cobertura e Uso da Terra no Brasil e foram apresentados nesta sexta, 20/10, em webinar no canal do MapBiomas no YouTube.

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Perda de floresta natural no Brasil - 1985-2022 (Arte: MapBiomas)
Perda de floresta natural no Brasil – 1985-2022 (Arte: MapBiomas)

A quase totalidade (95%) da conversão de florestas naturais no Brasil foi para a agropecuária, comprovando o processo denunciado em todos os biomas: após o desmatamento, a área de floresta derrubada é convertida para uso agropecuário – pastagens ou cultivo agrícola.  Nas duas primeiras décadas da série, o monitoramento constatou um aumento da perda de florestas, seguido de um período de redução da área desmatada a partir de 2006. No entanto, nos últimos cinco anos houve um aumento da perda de cobertura florestal, chegando a 9,6 milhões de hectares. “As florestas são importantes não apenas para manter o equilíbrio climático, mas também para proteger os serviços ecossistêmicos vitais para a sociedade e sua economia. A perda contínua das florestas representa uma ameaça direta para a biodiversidade, a qualidade da água, a segurança alimentar e a regulação climática”, salientou a ecóloga Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

Vemos que o Cerrado está perdendo florestas no dobro da velocidade da Amazônia. É um dado preocupante porque o bioma está numa região muito cobiçada para outros usos. O Cerrado nem sempre tem a atenção que precisa, mas é urgente que a gente garanta sua preservação

Garo Batmanian
Diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro

De acordo com o monitoramento do MapBiomas, os estados com maior proporção de floresta estão Amazonas (93%), Acre (85%) e Amapá (82%). O estado do Amazonas também apresenta a maior área de floresta com 145 milhões de hectares, quase um terço das florestas do país (29%), seguido do Pará (93 milhões de hectares) e Mato Grosso (47 milhões de hectares). A área de floresta desses três estados representa mais da metade da área das florestas brasileiras (58%). Mas Mato Grosso e Pará também lideram os estados que mais perderam área florestal natural, com 31,4 milhões de hectares e 18,4 milhões de hectares respectivamente. Já os estados de Rio de Janeiro e São Paulo ganharam área de floresta entre 1985 a 2022.

Florestas naturais nos estados brasileiros (Arte: Mapbiomas)

O mapeamento de florestas naturais abrange tipos diversos de cobertura arbórea: formações florestais, savanas, florestas alagáveis, mangue e restinga. Juntos, esses ecossistemas ocupam 58% do território nacional. Quando todos eles são considerados, Amazônia (78%) e Caatinga (54%) são os biomas com maior proporção de florestas naturais em 2022. Os biomas que mais perderam florestas naturais entre 1985 e 2022, por sua vez, foram Cerrado (27%) e Amazônia (13%).

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Em biomas como no Cerrado e na Caatinga, que já perderam parte significativa de sua vegetação nativa, o ritmo do desmatamento das savanas é alarmante, principalmente na região do Matopiba, que ainda apresenta grandes remanescentes deste ecossistema, mas que estão sendo convertidos para a expansão da agropecuária

Bárbara Costa
Geógrafa, pesquisadora da equipe do Cerrado no MapBiomas e analista do IPAM

Em participação no webinar, o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Garo Batmanian, chamou a atenção para os dados sobre desmatamento nos biomas. “Vemos que o Cerrado está perdendo florestas no dobro da velocidade da Amazônia. É um dado preocupante porque o bioma está numa região muito cobiçada para outros usos. O Cerrado nem sempre tem a atenção que precisa, mas é urgente que a gente garanta sua preservação”, afirmou Batmanian. “O Cerrado é, realmente, o berço das águas, fundamental para os nossos recursos hídricos, principalmente neste contexto de crise climática”, acrescentou.

Perda de florestas no Brasil e nos biomas por situação fundiária (Arte: MapBiomas)

O monitoramento do MapBiomas também aponta que 86% da perda de florestas no Brasil no período foi registrada em áreas privadas – mais de 75 milhões de hectares dos 87,5 milhões suprimidos desde 1985. As áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) perderam apenas cerca de 1% de suas florestas. A perda em áreas públicas ficou em 8,5%. “É preciso atuar junto aos proprietários de áreas privadas, porque elas também tem um papel importante na preservação da cobertura florestal”, disse Julia Schimbo.

Ameaças ao Cerrado e à Caatinga

Outros dados apresentados pela equipe da MapBiomas reforçam essa preocupação com o Cerrado e também com a Caatinga, ambas com predominância da formação savânica, que cobre 12% do território brasileiro, ou 104,5 milhões de hectares – o equivalente a três vezes o estado de Goiás. Esta formação que se caracteriza pela vegetação com espécies arbóreas distribuídas de forma mais esparsa e em meio à vegetação herbácea-arbustiva contínua é a segunda classe de floresta natural mais representativa em área no Brasil e proporcionalmente a que teve o maior desmatamento.

Essas florestas alagáveis enfrentam graves ameaças, decorrentes principalmente da atividade humana, como desmatamento, mineração, construção de infraestrutura, mudanças climáticas, queimadas, exploração madeireira não sustentável e poluição da água. A proteção e gestão sustentável dessas áreas são cruciais para a preservação da biodiversidade, a manutenção dos serviços ecossistêmicos e a integridade desses ecossistemas únicos na região amazônica

Luis Oliveira Jr
Engenheiro Florestal e pesquisador do Imazon e do MapBiomas

Entre 1985 e 2022 a perda de formação savânica totalizou 29 milhões de hectares ou 22% em relação à área existente em 1985. O ritmo de devastação foi de aproximadamente 700 mil hectares por ano. De cada cinco hectares desmatados, mais de quatro (83%) foram suprimidos no Cerrado. Na Caatinga, a perda foi de 10% (4,7 milhões de hectares). “Em biomas como no Cerrado e na Caatinga, que já perderam parte significativa de sua vegetação nativa, o ritmo do desmatamento das savanas é alarmante, principalmente na região do Matopiba, que ainda apresenta grandes remanescentes deste ecossistema, mas que estão sendo convertidos para a expansão da agropecuária”, destacou a geógrafa Barbara Costa, pesquisadora da equipe do Cerrado no MapBiomas e analista do IPAM.

Histórico da formação savânica no Brasil (Arte: MapBiomas)
Histórico da formação savânica no Brasil (Arte: MapBiomas)

Mais da metade da formação savânica (53%) fica no Cerrado. O restante fica na Caatinga (42%) e demais biomas (5%), com exceção do Pampa. Em 2022 havia 1,5 milhão de hectares na Amazônia (0,4% do bioma), 1,3 milhão de hectares na Mata Atlântica (1% do bioma) e 2 milhões de hectares no Pantanal (16% do bioma). As formações savânicas correspondem a 28% do Cerrado (56 milhões de hectares) e metade do território da Caatinga (44 milhões de hectares). “Esta mesma atenção que devemos ao Cerrado, precisamos estender a Caatinga, onde as formações de savana também estão sofrendo um processo acelerado de destruição”, destacou a pesquisadora.

Impactos na Amazônia

Dois terços do total suprimido entre 1985 e 2022 (58 milhões de hectares) correspondem a formações florestais, que tiveram uma redução de 14% em 38 anos, ou aproximadamente 1,6 milhão de hectares por ano. Formações florestais são áreas de vegetação com predomínio de espécies arbóreas e dossel contínuo como as florestas que tipicamente predominam na Amazônia e Mata Atlântica. Apenas as formações florestais ocupavam apenas 43% do país em 2022: 369,1 milhões de hectares, ou o equivalente a três vezes a área do Pará. Desse total, 308 milhões de hectares, ou 84% do total, estão na Amazônia – que também responde por 86% da supressão florestal detectada nessa categoria entre 1985 e 2022.

A Amazônia é também o bioma com maior cobertura de formação florestal no Brasil – 73% (308 milhões de hectares); em seguida, vem a Mata Atlântica, com 26% (28 milhões de hectares) da área total do bioma. Mas há formação florestal nos demais biomas do Brasil, porém, em proporção muito menor: 13% do Cerrado (25 milhões de hectares), 4% da Caatinga (3 milhões de hectares), 16% do Pantanal (2,4 milhões de hectares) e 11% do Pampa (2,2 milhões de hectares).  Todos os biomas perderam área de formação florestal nos últimos 38 anos, com exceção do Pampa que se manteve estável.

Histórico das florestas naturais no Brasil - 1985/2022 (Arte: MapBiomas)
Histórico das florestas naturais no Brasil – 1985/2022 (Arte: MapBiomas)

Apesar da sua área restrita na costa brasileira, a restinga tem sido convertida para atividades agropecuárias, como pastagens, agricultura e silvicultura, além da expansão urbana. Essa conversão impacta a biodiversidade, espécies endêmicas, a proteção de ecossistemas costeiros, como dunas e praias e afeta outra função importante dessa formação, que é servir como barreira ao avanço do mar

Natalia Crusco
Ecóloga e coordenadora técnica da Mata Atlântica do MapBiomas

A Amazônia abriga também florestas alagáveis – nova categoria que passou a ser monitorada pelo MapBiomas a partir deste ano nesse bioma. São formações que se estabelecem ao longo de cursos d’água, ocupando as planícies e terraços periodicamente ou permanentemente inundados, que adquirem fisionomias de matas de várzea e matas de igapó. Entre 1985 e 2022, foram perdidos 430 mil hectares de florestas alagáveis na Amazônia, onde ocupavam 18,8 milhões de hectares ou 4,4% do bioma em 2022. “As florestas alagáveis da Amazônia fornecem diversos serviços ecossistêmicos essenciais. Elas abrigam uma biodiversidade única, atuam como sumidouros de carbono, regulam o ciclo hidrológico e a vazão dos rios. Além disso, mantêm habitats aquáticos e oferecem recursos naturais para comunidades locais”, explicou o engenheiro florestal Luis Olivera Jr., do Imazon e da equipe da Amazônia no MapBiomas.

No seminário, o pesquisador enfatizou a situação desses ecossistemas no bioma. “Essas florestas alagáveis enfrentam graves ameaças, decorrentes principalmente da atividade humana, como desmatamento, mineração, construção de infraestrutura, mudanças climáticas, queimadas, exploração madeireira não sustentável e poluição da água. A proteção e gestão sustentável dessas áreas são cruciais para a preservação da biodiversidade, a manutenção dos serviços ecossistêmicos e a integridade desses ecossistemas únicos na região amazônica”, destacou Oliveira.

Manguezais e restingas

O MapBiomas tamém fez o monitoramento da vegetação de áreas costeiras como manguezais e restingas. No caso dos manguezais – classe de vegetação encontrada em toda a costa brasileira com exceção do litoral gaúcho – a área total permaneceu estável, em torno de um milhão de hectares, porém com variações regionais: estabilidade na Amazônia e reduções localizadas no Nordeste e Sudeste do país. “Nós precisamos pensar em estratégias distintas para a preservação destes ecossistemas. No Norte, pensamos em conservação ao passo que no nordeste e sudeste, necessitamos de estratégias de restauração”, afirmou a ecóloga Natalia Crusco, coordenadora técnica da Mata Atlântica do MapBiomas.

A restinga arbórea – formação florestal sobre solos arenosos ou dunas na zona costeira e encontrada desde Alagoas até o Rio Grande do Sul – perdeu 69 mil hectares (10%) nos últimos 38 anos, passando de 696 mil hectares em 1985 para 626 mil hectares em 2022; 88% da área de restinga estava na Mata Atlântica e 12% no Pampa. “Apesar da sua área restrita na costa brasileira, a restinga tem sido convertida para atividades agropecuárias, como pastagens, agricultura e silvicultura, além da expansão urbana. Essa conversão impacta a biodiversidade, espécies endêmicas, a proteção de ecossistemas costeiros, como dunas e praias e afeta outra função importante dessa formação, que é servir como barreira ao avanço do mar”, comentou a pesquisadora.

A análise dos mapas anuais de cobertura e uso da terra desde 1985  do MapBiomas permite identificar as florestas secundárias, ou seja, as florestas que voltaram a crescer em áreas desmatadas. Em 2021, elas ocupavam 41 milhões de hectares em todo o Brasil, o equivalente a 8% das florestas naturais do país. Os biomas com maior proporção de florestas secundárias são a Mata Atlântica e a Caatinga, com 27% cada (8,1 milhões de hectares e 12,5 milhões de hectares, respectivamente), seguidos pelo Cerrado (12% do bioma, ou 10 milhões de hectares), Pantanal (8% do bioma, ou 100 mil hectares), Amazônia (3% do bioma, ou 9,8 milhões de hectares) e Pampa (2% do bioma, ou 300 mil hectares). Com exceção da Mata Atlântica e Caatinga, elas não são o principal alvo do desmate nos biomas brasileiros: cerca de 70% da supressão vegetal em florestas naturais entre 1985 e 2022 se dá em áreas de florestas primárias.  No caso da Amazônia, esse percentual é de 82%.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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