ODS 1
Brasil perdeu quase 10 milhões de hectares de florestas em cinco anos
Perda de cobertura florestal do país foi de 15% desde 1985, de acordo com MapBiomas; avanço acelerado no Cerrado alarma pesquisadores
Novos dados do MapBiomas, obtidos a partir do monitoramento do território brasileiro por satélites, mostram que, nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu quase 10 milhões (9,6 milhões) de hectares de florestas naturais – que correspondem a 11% dos 87,6 milhões de hectares de florestas naturais suprimidas nos 38 anos analisados pelo estudo. Entre 1985 e 2022, a área ocupada por florestas naturais passou de 581,6 milhões de hectares para 494,1 milhões de hectares, uma redução de 15%. Os dados fazem parte dos dados publicados na Coleção 8 do Mapeamento Anual da Cobertura e Uso da Terra no Brasil e foram apresentados nesta sexta, 20/10, em webinar no canal do MapBiomas no YouTube.
Leu essa? Estados e municípios passam a boiada no Cerrado e desafiam Ibama
A quase totalidade (95%) da conversão de florestas naturais no Brasil foi para a agropecuária, comprovando o processo denunciado em todos os biomas: após o desmatamento, a área de floresta derrubada é convertida para uso agropecuário – pastagens ou cultivo agrícola. Nas duas primeiras décadas da série, o monitoramento constatou um aumento da perda de florestas, seguido de um período de redução da área desmatada a partir de 2006. No entanto, nos últimos cinco anos houve um aumento da perda de cobertura florestal, chegando a 9,6 milhões de hectares. “As florestas são importantes não apenas para manter o equilíbrio climático, mas também para proteger os serviços ecossistêmicos vitais para a sociedade e sua economia. A perda contínua das florestas representa uma ameaça direta para a biodiversidade, a qualidade da água, a segurança alimentar e a regulação climática”, salientou a ecóloga Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas e pesquisadora no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
De acordo com o monitoramento do MapBiomas, os estados com maior proporção de floresta estão Amazonas (93%), Acre (85%) e Amapá (82%). O estado do Amazonas também apresenta a maior área de floresta com 145 milhões de hectares, quase um terço das florestas do país (29%), seguido do Pará (93 milhões de hectares) e Mato Grosso (47 milhões de hectares). A área de floresta desses três estados representa mais da metade da área das florestas brasileiras (58%). Mas Mato Grosso e Pará também lideram os estados que mais perderam área florestal natural, com 31,4 milhões de hectares e 18,4 milhões de hectares respectivamente. Já os estados de Rio de Janeiro e São Paulo ganharam área de floresta entre 1985 a 2022.
O mapeamento de florestas naturais abrange tipos diversos de cobertura arbórea: formações florestais, savanas, florestas alagáveis, mangue e restinga. Juntos, esses ecossistemas ocupam 58% do território nacional. Quando todos eles são considerados, Amazônia (78%) e Caatinga (54%) são os biomas com maior proporção de florestas naturais em 2022. Os biomas que mais perderam florestas naturais entre 1985 e 2022, por sua vez, foram Cerrado (27%) e Amazônia (13%).
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosEm participação no webinar, o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro, Garo Batmanian, chamou a atenção para os dados sobre desmatamento nos biomas. “Vemos que o Cerrado está perdendo florestas no dobro da velocidade da Amazônia. É um dado preocupante porque o bioma está numa região muito cobiçada para outros usos. O Cerrado nem sempre tem a atenção que precisa, mas é urgente que a gente garanta sua preservação”, afirmou Batmanian. “O Cerrado é, realmente, o berço das águas, fundamental para os nossos recursos hídricos, principalmente neste contexto de crise climática”, acrescentou.
O monitoramento do MapBiomas também aponta que 86% da perda de florestas no Brasil no período foi registrada em áreas privadas – mais de 75 milhões de hectares dos 87,5 milhões suprimidos desde 1985. As áreas protegidas (terras indígenas e unidades de conservação) perderam apenas cerca de 1% de suas florestas. A perda em áreas públicas ficou em 8,5%. “É preciso atuar junto aos proprietários de áreas privadas, porque elas também tem um papel importante na preservação da cobertura florestal”, disse Julia Schimbo.
Ameaças ao Cerrado e à Caatinga
Outros dados apresentados pela equipe da MapBiomas reforçam essa preocupação com o Cerrado e também com a Caatinga, ambas com predominância da formação savânica, que cobre 12% do território brasileiro, ou 104,5 milhões de hectares – o equivalente a três vezes o estado de Goiás. Esta formação que se caracteriza pela vegetação com espécies arbóreas distribuídas de forma mais esparsa e em meio à vegetação herbácea-arbustiva contínua é a segunda classe de floresta natural mais representativa em área no Brasil e proporcionalmente a que teve o maior desmatamento.
Entre 1985 e 2022 a perda de formação savânica totalizou 29 milhões de hectares ou 22% em relação à área existente em 1985. O ritmo de devastação foi de aproximadamente 700 mil hectares por ano. De cada cinco hectares desmatados, mais de quatro (83%) foram suprimidos no Cerrado. Na Caatinga, a perda foi de 10% (4,7 milhões de hectares). “Em biomas como no Cerrado e na Caatinga, que já perderam parte significativa de sua vegetação nativa, o ritmo do desmatamento das savanas é alarmante, principalmente na região do Matopiba, que ainda apresenta grandes remanescentes deste ecossistema, mas que estão sendo convertidos para a expansão da agropecuária”, destacou a geógrafa Barbara Costa, pesquisadora da equipe do Cerrado no MapBiomas e analista do IPAM.
Mais da metade da formação savânica (53%) fica no Cerrado. O restante fica na Caatinga (42%) e demais biomas (5%), com exceção do Pampa. Em 2022 havia 1,5 milhão de hectares na Amazônia (0,4% do bioma), 1,3 milhão de hectares na Mata Atlântica (1% do bioma) e 2 milhões de hectares no Pantanal (16% do bioma). As formações savânicas correspondem a 28% do Cerrado (56 milhões de hectares) e metade do território da Caatinga (44 milhões de hectares). “Esta mesma atenção que devemos ao Cerrado, precisamos estender a Caatinga, onde as formações de savana também estão sofrendo um processo acelerado de destruição”, destacou a pesquisadora.
Impactos na Amazônia
Dois terços do total suprimido entre 1985 e 2022 (58 milhões de hectares) correspondem a formações florestais, que tiveram uma redução de 14% em 38 anos, ou aproximadamente 1,6 milhão de hectares por ano. Formações florestais são áreas de vegetação com predomínio de espécies arbóreas e dossel contínuo como as florestas que tipicamente predominam na Amazônia e Mata Atlântica. Apenas as formações florestais ocupavam apenas 43% do país em 2022: 369,1 milhões de hectares, ou o equivalente a três vezes a área do Pará. Desse total, 308 milhões de hectares, ou 84% do total, estão na Amazônia – que também responde por 86% da supressão florestal detectada nessa categoria entre 1985 e 2022.
A Amazônia é também o bioma com maior cobertura de formação florestal no Brasil – 73% (308 milhões de hectares); em seguida, vem a Mata Atlântica, com 26% (28 milhões de hectares) da área total do bioma. Mas há formação florestal nos demais biomas do Brasil, porém, em proporção muito menor: 13% do Cerrado (25 milhões de hectares), 4% da Caatinga (3 milhões de hectares), 16% do Pantanal (2,4 milhões de hectares) e 11% do Pampa (2,2 milhões de hectares). Todos os biomas perderam área de formação florestal nos últimos 38 anos, com exceção do Pampa que se manteve estável.
A Amazônia abriga também florestas alagáveis – nova categoria que passou a ser monitorada pelo MapBiomas a partir deste ano nesse bioma. São formações que se estabelecem ao longo de cursos d’água, ocupando as planícies e terraços periodicamente ou permanentemente inundados, que adquirem fisionomias de matas de várzea e matas de igapó. Entre 1985 e 2022, foram perdidos 430 mil hectares de florestas alagáveis na Amazônia, onde ocupavam 18,8 milhões de hectares ou 4,4% do bioma em 2022. “As florestas alagáveis da Amazônia fornecem diversos serviços ecossistêmicos essenciais. Elas abrigam uma biodiversidade única, atuam como sumidouros de carbono, regulam o ciclo hidrológico e a vazão dos rios. Além disso, mantêm habitats aquáticos e oferecem recursos naturais para comunidades locais”, explicou o engenheiro florestal Luis Olivera Jr., do Imazon e da equipe da Amazônia no MapBiomas.
No seminário, o pesquisador enfatizou a situação desses ecossistemas no bioma. “Essas florestas alagáveis enfrentam graves ameaças, decorrentes principalmente da atividade humana, como desmatamento, mineração, construção de infraestrutura, mudanças climáticas, queimadas, exploração madeireira não sustentável e poluição da água. A proteção e gestão sustentável dessas áreas são cruciais para a preservação da biodiversidade, a manutenção dos serviços ecossistêmicos e a integridade desses ecossistemas únicos na região amazônica”, destacou Oliveira.
Manguezais e restingas
O MapBiomas tamém fez o monitoramento da vegetação de áreas costeiras como manguezais e restingas. No caso dos manguezais – classe de vegetação encontrada em toda a costa brasileira com exceção do litoral gaúcho – a área total permaneceu estável, em torno de um milhão de hectares, porém com variações regionais: estabilidade na Amazônia e reduções localizadas no Nordeste e Sudeste do país. “Nós precisamos pensar em estratégias distintas para a preservação destes ecossistemas. No Norte, pensamos em conservação ao passo que no nordeste e sudeste, necessitamos de estratégias de restauração”, afirmou a ecóloga Natalia Crusco, coordenadora técnica da Mata Atlântica do MapBiomas.
A restinga arbórea – formação florestal sobre solos arenosos ou dunas na zona costeira e encontrada desde Alagoas até o Rio Grande do Sul – perdeu 69 mil hectares (10%) nos últimos 38 anos, passando de 696 mil hectares em 1985 para 626 mil hectares em 2022; 88% da área de restinga estava na Mata Atlântica e 12% no Pampa. “Apesar da sua área restrita na costa brasileira, a restinga tem sido convertida para atividades agropecuárias, como pastagens, agricultura e silvicultura, além da expansão urbana. Essa conversão impacta a biodiversidade, espécies endêmicas, a proteção de ecossistemas costeiros, como dunas e praias e afeta outra função importante dessa formação, que é servir como barreira ao avanço do mar”, comentou a pesquisadora.
A análise dos mapas anuais de cobertura e uso da terra desde 1985 do MapBiomas permite identificar as florestas secundárias, ou seja, as florestas que voltaram a crescer em áreas desmatadas. Em 2021, elas ocupavam 41 milhões de hectares em todo o Brasil, o equivalente a 8% das florestas naturais do país. Os biomas com maior proporção de florestas secundárias são a Mata Atlântica e a Caatinga, com 27% cada (8,1 milhões de hectares e 12,5 milhões de hectares, respectivamente), seguidos pelo Cerrado (12% do bioma, ou 10 milhões de hectares), Pantanal (8% do bioma, ou 100 mil hectares), Amazônia (3% do bioma, ou 9,8 milhões de hectares) e Pampa (2% do bioma, ou 300 mil hectares). Com exceção da Mata Atlântica e Caatinga, elas não são o principal alvo do desmate nos biomas brasileiros: cerca de 70% da supressão vegetal em florestas naturais entre 1985 e 2022 se dá em áreas de florestas primárias. No caso da Amazônia, esse percentual é de 82%.
Relacionadas
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade