Após doações de R$ 250 mil, elefanta explorada virá de avião para o Brasil

Conheça a comovente história de Ramba: explorada por 40 anos em circo, ela agora sofre com o frio de zoológico no Chile. Santuário no Brasil conseguiu transferência para MT.

Por Claudio Garcez | ODS 15 • Publicada em 15 de setembro de 2019 - 08:00 • Atualizada em 20 de abril de 2023 - 18:10

Se você nunca foi em um, pelo menos já deve ter visto em alguma produção audiovisual circos que usam elefantes e outros bichos como grandes atrações excêntricas. O que pouca gente sabe é que insignificantes cinco minutos de distração e risos para o público acarretam em traumas para uma vida inteira nesses animais. Com a Ramba, conhecida como a última elefanta de circo no Chile, não foi diferente. Sua história de vida é digna de um roteiro de Hollywood e faz lembrar e muito o clássico “Dumbo”, da Walt Disney Productions, que ganhou recentemente um remake sob direção de Tim Burton. A diferença é que a personagem dessa reportagem é real e está prestes a chegar ao Brasil após décadas de sofrimento. Seu final feliz está próximo de ser escrito. Por que final? Na natureza, elefantes podem viver em média 70 anos. Em cativeiro, a expectativa é reduzida pela metade e estima-se que Ramba já tenha mais 50.

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O drama de Ramba começou cedo, quando foi comprada por um circo argentino na década de 80. Lá, ela cresceu junto com seu parceiro Bambi, outro elefante asiático. Vivia por horas acorrentada, sofria abusos físicos e privação emocional. Não raramente, era obrigada a se deitar para que o domador – sempre com uma barra pontiaguda em mãos – subisse em seu corpo. Crianças também eram convidadas ao picadeiro para fazer o mesmo movimento.

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Foi somente em 2012 que uma ONG chilena, a Ecópolis, iniciou uma campanha para resgatar o animal das apresentações circenses. Com sucesso, ela foi removida e levada ao zoológico Parque Safári em Rancágua, no Chile, onde vive até hoje. Bambi não teve o mesmo destino, já que faleceu por causas desconhecidas.

Elefanta em busca de refúgio no Brasil: conheça a comovente história de Ramba
Ramba durante apresentação no circo. Ela era obrigada a sentar-se no picadeiro- uma posição nada natural para um elefante. (Foto: Divulgação/SEB)

“Quando ela foi removida do circo, dava pra ver o medo que ela tinha dos treinadores e sua falta de confiança nas pessoas. Desde então, conseguiu superar alguns traumas e aprendeu a confiar de novo, mas ainda não tem o elemento mais fundamental para sua recuperação: a companhia de outros elefantes”, explica Sr. Scott Blais, atual presidente e co-fundador do Santuário de Elefantes Brasil (SEB), próximo destino do roteiro da vida de Ramba.

A mudança é necessária já que o atual habitat não apresenta condições favoráveis para a sua sobrevivência. Ramba sofre com o rigoroso inverno chileno – seu recinto está localizado a oeste da Cordilheira dos Andes -, vive solitária, apresenta abscesso na pata dianteira e possui comprometimento renal e hepático, o que a faz necessitar de uma dieta adequada. Em agosto deste ano, o Santuário de Elefantes Brasil conseguiu junto aos órgãos competentes a autorização para a transferência para o nosso país.

CEP novo para Ramba

O Santuário que receberá Ramba foi criado em 2013 justamente com a intenção de dar uma nova vida aos elefantes que viveram por anos em cativeiros na América do Sul. O espaço, localizado na Chapada dos Guimarães, Mato Grosso, irá proporcionar um local nutritivo, onde o animal poderá socializar, pastar e terá a oportunidade de desfrutar de lagoas para se refrescar. A organização sem fins lucrativos ainda está em fase de construção e, acredita-se, que quando finalizada poderá abrigar aproximadamente 50 elefantes como Ramba. De qualquer forma, já é considerado o único local no continente sul-americano apto para fornecer atendimento especializado à espécie.

A atriz Giovanna Ewbank é uma das apoiadoras da causa pelo resgate de Ramba. Ela, inclusive, visitou o Santuário recentemente (Foto: Reprodução)

Vivendo no Brasil desde julho de 2014, o norte-americano Scott Blais está à frente do projeto desde quando a ideia era apenas um sonho para ele e a esposa, Kat Blais. Dois apaixonados pela causa. “O Santuário é um verdadeiro paraíso para elefantes. Clima, vegetação e relevo são ideais. O espaço amplo oferece muitos dos estímulos físicos e emocionais que uma vida na natureza oferece. E o mais importante: no SEB, eles podem conviver com outros elefantes”, conta o presidente. Atualmente, Maia e Rana, fêmeas também asiáticas, vivem por lá.

Em breve, as duas vão se tornar vizinhas e amigas de Ramba. Para unir esses destinos, o SEB contou com a sensibilização de empresas e pessoas físicas. A organização sobrevive de doações e lançou uma campanha para arrecadar os R$ 250 mil necessários para o transporte do animal. Após muita mobilização, eles conseguiram, no dia 13 de setembro, chegar ao valor final. Porém, doações ainda são bem-vindas e serão revertidas para o tratamento médico, medicamentos e suplementos necessários para Ramba na sua chegada ao Santuário, prevista para meados de outubro, em função de seus problemas de saúde.

A atriz e apresentadora Giovanna Ewbank vestiu, literalmente, a camisa do projeto e esteve recentemente em terras mato-grossenses representando um dos apoiadores, a Amarula Brasil. Ao #Colabora, ela dividiu a experiência: “O interessante do Santuário é que você vê os animais realmente livres. Eles são dóceis, amáveis, sem medo do homem. Lá, sem dúvidas, é o lugar deles”.

Cinco toneladas nas alturas?

O transporte da elefanta para o Brasil é um capítulo à parte – e curioso – nessa longa jornada. Devido à localização do atual recinto, realizar a logística por terra seria inviável e imprevisível. Ramba, então, virá em um avião de carga Boeing 747, considerado um gigante dos céus.

À esquerda, caixa feita exclusivamente para Ramba sendo lavada no Santuário. Objeto será enviado para o Chile. À direita, procedimento realizado no transporte da elefanta Rana, moradora do Santuário. Método semelhante será feito com Ramba (Fotos: Divulgação/SEB)

Uma caixa transportadora especial foi construída pela equipe do SEB e será enviada para o Chile. Ramba, inclusive, já está em quarentena para adaptação e recebeu um microchip padrão internacional, requisito na exportação de animais para impedir o tráfico ilegal de espécies protegidas pela CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de Fauna e Flora Ameaçadas de Extinção). O compartimento projetado especialmente para ela será içado por um guindaste e colocado em um caminhão rumo à capital Santiago, onde ela, após 97 km de estrada, finalmente fará seu “check-in” e embarcará na aeronave.

Caminho que Ramba seguirá do Chile até chegar no Santuário de Elefantes Brasil. (Foto: Reprodução/SEB)

“Em cada passo da jornada eu e a veterinária Dra. Laura Paolillo estaremos com a Ramba. Durante o voo, poderemos monitorá-la e garantir seu bem-estar, tendo conosco materiais para atendê-la em uma eventual emergência caso tenhamos algum tipo de problema em trânsito”, afirma Scott, que também é especialista em cuidados com elefantes e já viajou com mais de 35 animais da espécie.

No Brasil, a elefanta será colocada novamente em um caminhão e seguirá durante dois dias de Campinas até a Chapada dos Guimarães. De acordo com Scott, durante todo o caminho, o animal só receberá sedação se houver alguma situação crítica. “Em todos os transportes que já realizei, nunca precisei usar sedativos. Paciência é muito importante, observação constante e preparação detalhada”.

Os dias para a chegada são contados religiosamente pela equipe do Santuário e a ansiedade cresce com a proximidade da data. A única certeza que se tem por enquanto é a de que, se tudo der certo, Ramba terá o descanso que lhe foi negado por meio século. E como os grandes personagens dos mais tradicionais clássicos da literatura e do cinema, verá a recompensa de uma vida marcada pela resistência e pela ação de antagonistas.

“Agora, temos a oportunidade de lhe devolver algumas coisas que lhe foram roubadas. Não podemos apagar todos os erros das últimas cinco décadas que Ramba passou em cativeiro, mas podemos fazer com que seus anos restantes sejam cheios de respeito, honra e dignidade. Chegou a hora de lhe oferecer uma família”, finaliza Scott Blais.

Chegou a hora da vitória de Ramba.

Expectativa é que Ramba finalmente descanse no Brasil após décadas de sofrimento (Foto: Divulgação/SEB).
Claudio Garcez

Claudio Garcez dos Santos é bacharel em Administração com MBA em Gestão Ambiental, ambientalista e consultor ambiental pela ONG Ecomarapendi. Tem grande paixão em escrever sobre sustentabilidade e causas que envolvam a luta por um planeta melhor para as próximas gerações.

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