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[g1_quote author_name=”Simone Oigman Pszczol” author_description=”bióloga” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A comunidade científica gera muito conhecimento através das pesquisas, mas a população pouco usa. É preciso que ele seja disseminado e que haja troca de experiências. Por isso, funcionamos como uma ponte entre a ciência e a sociedade civil
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Veja o que já enviamosÀ tona, os pesquisadores vão chegando aos poucos, roupas leves, coloridas, displicentes, no bom sentido do termo. São, em sua maioria, biólogos marinhos com mestrado, doc e pós doc em Ecologia. Gente cheia de disposição, na faixa entre os 30 e os 70 anos, que trai o entusiasmo no brilho dos olhos à simples menção da palavra corais. Assim mesmo, no plural. Todos titulares de extensos currículos lattes e de pesquisas densas em universidades de renome, com destaque para as dos Rio de Janeiro – UFRJ, UFF e Uerj, parceiras das atividades. Há também veterinários, geógrafos, advogados, educadores, arquitetos, gestores, indicando que o assunto, aqui, é transdisciplinar.
Estamos em Búzios, em uma dessas pousadas simpáticas e confortáveis, mas nada luxuosa, próxima à praia da Ferradura, escolhida para sediar o “SEMINÁRIO ECORAIS: DIALOGA BÚZIOS – SUBSÍDIOS PARA A CONSERVAÇÃO MARINHA 2018”. O encontro é promovido pelo Instituto Brasileiro de Biodiversidade, ou BrBio, oscip que estuda o ambiente coralíneo da badalada cidade praiana da região dos Lagos que nos anos 60 seduziu Brigitte Bardot. Os pesquisadores trabalham ali há 18 anos, recolhendo informações e produzindo subsídios que contribuíram para fundamentar a criação, em 2009, da Área de Proteção Ambiental Marinha de Armação de Búzios e do Parque Natural Municipal dos Corais da Armação dos Búzios.
A proposta pedia fôlego: dois dias de mergulho nos dilemas envolvendo a conservação do patrimônio de corais de Búzios e do Brasil. Dilemas mais políticos que científicos, o que transforma essa gente muito estudiosa em militantes da causa ambiental. Proteger corais não é tarefa de curto prazo e aí reside o primeiro obstáculo enfrentado pelos cientistas. Os projetos financiados duram, em média, dois, três anos, de acordo com os prazos fixados nos editais. De modo que de tempos em tempos eles concluem uma etapa e há um gap até que possa ser retomado. Neste intervalo, muitas vezes equipes acabam desmobilizadas e estruturas, desmontadas.
Este foi um dos problemas abordados nos dois dias do encontro em Búzios. Além da sustentabilidade e continuidade dos projetos de pesquisa, a pauta socioambiental impõe enfrentar desafios das medidas e práticas de conservação do ambiente, a articulação e a cooperação da academia com o poder público, seus gestores, e com o terceiro setor, os planos de manejo e gestão, o complexo relacionamento com as comunidades, os programas de educação ambiental, o ordenamento do turismo, estratégias de comunicação e debate com a sociedade. Uma pauta de dura negociação em busca de um modelo de desenvolvimento que contenha o crescimento desordenado e conjugue a saúde humana à saúde ambiental.
“A comunidade científica gera muito conhecimento através das pesquisas, mas a população pouco usa. É preciso que ele seja disseminado e que haja troca de experiências. Por isso, funcionamos como uma ponte entre a ciência e a sociedade civil”, observa a bióloga Simone Oigman Pszczol, fundadora e diretora executiva do BrBio, mestre de cerimônia do encontro e articuladora de uma rede de 14 universidades e mais de 90 profissionais, entre participações e apoios aos ambientes coralíneos do país.
PROJETO ECORAIS. Tudo começou no ano 2000, a partir da pesquisa científica de Simone Pszczol sobre a saúde dos corais da Armação dos Búzios. O estudo gerou informações sobre os organismos que vivem em ambientes coralíneos, lixo marinho, pressão humana sobre a fauna e flora e regeneração dos corais, indicando uma situação crítica: um terço dos costões rochosos de Búzios encontrava-se sob estresse ambiental alto ou muito alto, por conta do lixo originário dos hábitos dos usuários das praias, dos barcos de passeio e da atividade da pesca.
A pesquisa, inicialmente financiada pelo WWF Brasil, CNPq e Capes, com o apoio da Secretaria de Meio Ambiente de Búzios e dos comerciantes locais, inspirou a demarcação do Parque Natural dos Corais de Búzios. A unidade de conservação municipal protege um relicário no lado Norte da península, da praia da Tartaruga à praia de João Fernandinho, uma faixa de dez praias, com três núcleos principais: Tartaruga, Bardot e João Fernandes. Um tesouro relevante menos pela diversidade do que pela singularidade. Encontram-se ali identificadas 53 espécies de corais. Não são muitas as variedades, considerando-se que no Caribe vivem mais de 70 espécies e na região do Pacífico são centenas.
Os corais de Búzios, entretanto, destacam-se pelo fato de serem endêmicos. Só existem na costa brasileira, o que os torna ainda mais preciosos para o conhecimento humano e o desenvolvimento de pesquisas, como as já existentes no campo dos fármacos, por exemplo, que indicam possuírem algumas espécies propriedades importantes para o tratamento de doenças graves, como o câncer. Lá se encontram, em extensas áreas, fato incomum em costões rochosos, o coral-estrelinha (Siderastrea Stellata), espécie que se regenera muito lentamente. Uma plataforma mono específica de mais de 300 anos.
COMPENSAÇÃO AMBIENTAL. Com a criação do Instituto BrBio, em 2013, o Projeto ECorais ganhou institucionalidade e desde 2016 recebe recursos de compensação ambiental do TAC da Chevron, assinado com o Ministério Público Federal, com a interveniência do Ibama e da Agência Nacional do Petróleo (ANP), por conta do acidente de derramamento de petróleo na Bacia de Campos, em 2011. Do bolo de R$ 95 milhões, administrado pelo Fundo Brasileiro de Biodiversidade (Funbio), o ECorais, incluído na linha de apoio à Pesquisa Marinha e Pesqueira, recebeu uma fatia de R$ 1,6 milhão, para um período de dois anos, concluído em julho de 2018, expandido por um aditivo até abril de 2019.
O encontro de Búzios teve uma conotação de balanço desta etapa e avaliação das perspectivas de continuidade. O seminário contou com apresentações de outros projetos, como o do Instituto Coral Vivo, que tem como o objeto os corais recifais de Porto Seguro, na Bahia, e o Tamar, uma das célebres iniciativas ambientais, de conservação das tartarugas marinhas, além de ambientalistas e profissionais envolvidos na causa ambiental de Búzios. Na ocasião, o BrBio lançou o Guia para o Turismo Sustentável de Búzios, para conservação dos tesouros marinhos.
“O BrBio é o guarda-chuva do trabalho científico, com uma visão holística, que dialoga com a cultura, com a sociedade e com o poder público. Estamos buscando novas oportunidades, aguardando respostas, abrindo novas frentes de comercialização de materiais próprios, para darmos continuidade ao mapeamento da área exata do ambiente coralíneo, que não foi concluído”, avisa Simone Pszczol.
A oscip dos corais de Búzios abriga ainda outros dois projetos. O projeto Coral Sol, de monitoramento e manejo planejado desta espécie invasiva, trazida da Ásia no casco de embarcações de petróleo na baía da Ilha Grande, nas Ilhas Cagarras e na região dos Lagos, desde Arraial do Cabo até Búzios, também recebe recursos do TAC Chevron, algo em torno de R$ 1,8 milhão. Já o projeto Restinga Viva, liderado pela bióloga Maria do Rosário de Almeida Braga, de conservação marinha e costeira das restingas do estado, mas que tem atuado principalmente em Arraial do Cabo, onde ainda encontramos áreas de grande biodiversidade, com destaque para as orquídeas, é patrocinado pela San Diego Worked Society, na Califórnia. Completa o cardápio do BrBio o Programa Pegada Ambiental, transversal a todos os projetos, que desenvolve atividades de sensibilização e educação ambiental.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]37/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil
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