ODS 1
Queda de quase 70% na população de animais põe pressão sobre COP da biodiversidade
ONU quer acordo ambicioso na conferência de Montreal; relatório aponta que populações de vertebrados estão despencando principalmente em regiões tropicais
Em meio às discussões finais da COP27 – a 27ª Conferência das Partes do Clima da ONU, realizada em Sharm El-Scheikh, no Egito – alguns dos arquitetos do Acordo de Paris, no qual os estados se comprometeram em 2015 a limitar o aquecimento abaixo de 2°C, divulgaram um documento, instando os líderes mundiais a alcançar “”um plano ambicioso e acordo transformador” na COP15 – a Conferência da Biodiversidade que começa nesta quarta (07/12) em Montreal, Canadá. Com a COP27 presa aos impasses que terminaram com uma conclusão considerada decepcionante, Laurent Fabius, presidente da COP21, Manuel Pulgar-Vidal, presidente da COP20, Christiana Figueres, ex-secretária executivo da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas da ONU, Laurence Tubiana, ex-embaixador da França para o Clima divulgaram comunicado conjunta para alertar sobre a urgência de “intensificar suas ações para enfrentar a perda acelerada da natureza”.
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Durante a divulgação do comunicado, signatários lembraram a edição, lançada pouco antes da COP27, do relatório Planeta Vivo, elaborado pelo WWF (World Wildlife Fund) com apoio da IUCN, aponta que populações de vertebrados – mamíferos, aves, anfíbios, répteis e peixes – tiveram uma queda de 69% em média desde 1970. Só na América Latina e no Caribe, entre 1970 e 2018, as populações monitoradas na região encolheram 94% em média. Os quatro articuladores do Acordo de Paris temem, como muitos ambientalistas, que a COP da Biodiversidade termine sem um acordo ambicioso já que poucos chefes de estado confirmaram presença. “Não há caminho para limitar o aquecimento global a 1,5°C sem ação para proteger e restaurar a natureza”, destaca o documento divulgado no Egito.
A própria ONU vem divulgando que a meta da COP15 em Montreal é chegar a um “acordo histórico” para deter e reverter a perda da natureza, no mesmo nível do Acordo de Paris sobre o Clima de 2015. De acordo com as Nações Unidas, nosso planeta contabiliza hoje um milhão de espécies vegetais e animais ameaçadas de extinção e a maior perda de espécies desde os dinossauros. A estrutura preliminar da COP15 inclui mais de 20 objetivos de propostas e deve abordar os cinco principais motores diretos da perda da natureza: mudança no uso do mar e da terra; superexploração dos organismos; mudança climática; poluição; e espécies exóticas invasoras e suas causas subjacentes, como consumo e produção insustentáveis.
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Veja o que já enviamosA COP de biodiversidade ocorre a cada dois anos e , em Montreal, está previsto a adoção de um quadro global de biodiversidade. O chamado Quadro Global da Biodiversidade Pós-2020 será o primeiro desde os Objetivos de Biodiversidade de Aichi (Japão) em 2010. Na ocasião, os governos se propuseram a cumprir os 20 Objetivos de Biodiversidade de Aichi até 2020, incluindo a redução pela metade da perda de habitats naturais e implementação dos planos para consumo e produção sustentáveis. De acordo com um relatório da ONU de 2020, nenhuma das metas foi atingida.
O desafio do financiamento
Como vem acontecendo também nas Conferências do Clima, a COP da Biodiversidade também vai precisar superar a questão do financiamento. A segunda edição do Estado das Finanças para a Natureza, relatório do Programa de Meio Ambiente da ONU (PNUMA), aponta que as” metas de clima, biodiversidade e degradação da terra estarão fora de alcance, a menos que os investimentos em Soluções Baseadas na Natureza (NbS, nature based solutions, em inflês) aumentem rapidamente para US$ 384 bilhões/ano até 2025, mais que o dobro dos atuais US$ 154 bilhões/ano”.
O relatório também aponta que o capital privado representa apenas 17% do total de investimentos em soluções baseadas na natureza. De acordo com o documento, esse investimento privado precisa ser multiplicado muitas vezes nos próximos anos para o planeta começar a aproveitar o poder da natureza para reduzir e remover emissões, restaurar terras e paisagens marítimas degradadas e virar a maré na perda de biodiversidade. “A ciência é inegável. À medida que fazemos a transição para emissões líquidas zero até 2050, também devemos reorientar toda a atividade humana para aliviar a pressão sobre o mundo natural do qual todos dependemos”, disse Inger Andersen, diretora executiva do PNUMA, no lançamento do relatório.
Andersen lembrou ainda que entre as principais questões em discussão na COP15 está a mobilização de recursos para a implementação do Quadro de Biodiversidade Global Pós-2020 e investimentos em NbS. “As necessárias preservação e restauração exigem que governos, empresas e finanças intensifiquem massivamente os investimentos em soluções baseadas na natureza, porque os investimentos na natureza são investimentos para garantir o futuro das próximas gerações”, acrescentou.
Se quisermos limitar o aquecimento global a menos de 1,5°C, deter a perda de biodiversidade, alcançar a neutralidade da degradação da terra e cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, são necessárias ações drásticas e urgentes na redução de emissões, na conservação da natureza e no consumo e produção sustentáveis. As soluções baseadas na natureza (NbS) oferecem uma oportunidade para enfrentar uma série de desafios de forma integrada.
Biodiversidade ameaçada
O Relatório Planeta Vivo é devastador e será debatido em plenárias da COP da Biodiversidade. Além da perda geral de 69% das populações de vertebrados monitorados pelas instituições envolvidas, o estudo mostra que, nas regiões tropicais, as populações de vertebrados estão despencando em um ritmo particularmente impressionante. No caso das populações de água doce, em menos de uma geração houve uma queda média de 83%, o maior declínio entre os grupos de espécies avaliadas. A perda de habitat e as barreiras às rotas de migração são responsáveis por cerca de metade das ameaças às espécies de peixes migratórios monitorados.
O relatório indica ainda que os principais fatores do declínio das populações de vertebrados em todo o mundo são a degradação e perda de habitat, exploração, introdução de espécies invasoras, poluição, mudanças climáticas e doenças. Vários desses fatores desempenharam um papel na redução média de 66% das populações da África, bem como na queda de 55% das populações da Ásia e região do Pacífico.
Entre 32 mil populações de 5230 espécies de todo o planeta, analisadas pelo WWF, o boto amazônico (Inia geoffrensis) destacou-se como uma das que mais diminuíram nas últimas décadas. Além da contaminação por mercúrio, estes animais estão sofrendo com a captura não intencional em redes, com ataques em represália pela danificação de equipamentos de pesca e pela captura para o uso como isca na pesca da Piracatinga. Essa situação gerou uma queda de 65%, entre 1994 e 2016, na população de botos cor-de-rosa na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no estado do Amazonas – um dos dados utilizados no relatório.
Outro caso bem documentado é a redução das populações no trapézio amazônico, região que inclui o Vale do Javari, onde o ambientalista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados por pescadores ilegais. “Os botos têm grande capacidade de se aproximar e interagir com humanos, o que acaba gerando situações de conflito com a atividade pesqueira que, frequentemente, terminam com a morte de indivíduos da espécie. Como se trata de mamíferos, assim como nós, eles também são particularmente afetados pela poluição do mercúrio despejado nos rios pelo garimpo. Os altos níveis de mercúrio levam ao desenvolvimento de vários problemas de saúde e esta é uma condição compartilhada por botos e populações ribeirinhas”, explica Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.
Ao lado das mais de mil espécies brasileiras que compõem o relatório, figuram populações do gorila da planície oriental, que tiveram um declínio estimado de 80% no Parque Nacional Kahuzi-Biega da República Democrática do Congo entre 1994 e 2019. No caso das populações do leão-marinho australiano, a queda foi de 64% entre 1977 e 2019. “Estamos enfrentando uma dupla emergência global provocada pelas ações humanas: a das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade, ameaçando o bem-estar das gerações atuais e futuras”, disse Marco Lambertini, diretor-geral do WWF Internacional, durante o lançamento do estudo. “O WWF está extremamente preocupado com esses novos dados que mostram uma queda devastadora nas populações de animais selvagens, em particular nas regiões tropicais que abrigam algumas das paisagens mais biodiversas do mundo”.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade