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Pesquisa aponta habitats ameaçados e sem proteção em Abrolhos

Áreas críticas desprotegidas abrigam tipos únicos de algas calcárias e recifes profundos fundamentais para a biodiversidade e ecossistema marinho

Estudo publicado na revista Ocean and Coastal Research, da Universidade de São Paulo (USP) revela que habitats marinhos de extrema importância na região dos Abrolhos, no sul da Bahia, ainda estão desprotegidos: quatro deles estão quase integralmente fora de algum tipo de proteção. Esses lugares concentram alta biodiversidade e desempenham papel relevante nos ciclos naturais mas estão, em grande parte, fora das Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) de toda a região de Abrolhos, inclusive a Cadeia de Montes Submarinos Vitória-Trindade, da Paisagem Marinha de Abrolhos.
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A pesquisa – conduzida por 13 cientistas brasileiros – faz uma análise da representatividade de habitats na rede atual de AMPs em Abrolhos. “Embora alguns habitats, como recifes rasos, manguezais, estuários e habitats de oceano profundo, estejam relativamente bem representados na rede atual de AMPs, outros habitats, como bancos de rodolitos, recifes mesofóticos, encostas e dolinas (buracas), apresentam representatividade muito baixa ou nenhuma. Esses ecossistemas são únicos e ecologicamente interligados, desempenhando papéis fundamentais para a conservação da biodiversidade e a sustentabilidade da pesca na região”, destacam os autores.
Os pesquisadores frisam ainda que os bancos de rodolitos, típicos do litoral brasileiro, têm em Abrolhos sua maior área em todo o planeta. Essas formações, compostas por algas calcárias, cumprem papéis importantes como habitats para peixes recifais e corredores de migração entre recifes rasos e mais profundos. Ao funcionar como uma matriz migratória que conecta recifes costeiros rasos e de grande profundidade, os rodolitos têm grande importância para o ciclo de vida de espécies de peixes recifais na região dos Abrolhos. O estudo aponta que, apesar disso, cerca de 96% estão fora das atuais áreas marinhas protegidas (AMPs) da região.
A situação é ainda mais preocupante com as buracas. Essas depressões na plataforma continental, formadas por processos geofísicos e biológicos, são estruturas únicas, conhecidas apenas na região dos Abrolhos. No entanto, encontram-se totalmente fora dos limites das atuais áreas protegidas. As bruacas, destaca a pesquisa, buracas) “apresentam concentrações especialmente altas de peixes, lagostas e outra fauna marinha e merecem proteção”.
O estudo, que contou com o apoio institucional da Conservação Internacional (CI-Brasil) e do Instituto Baleia Jubarte, mapeou a distribuição de 546 espécies de peixes, invertebrados, cetáceos, aves marinhas e tartarugas marinhas para identificar as áreas de maior importância biológica: 134 espécies (24,5% das amostra) se enquadram nas categorias de ameaça (Quase Ameaçada, Vulnerável, Em Perigo ou Criticamente em Perigo).
Ao cruzar informações sobre os limites das áreas de proteção com a prevalência de espécies em Abrolhos, o estudo identificou – além dos rodolitos e buracas – outros dois habitats com quase toda sua área desprotegida: os recifes mesofóticos (ecossistemas marinhos encontrados em águas mais profundas e com menor intensidade de luz) e os ambientes situados na quebra da plataforma continental, ambos pontos em que a profundidade do oceano se altera abruptamente. “Os recifes de borda de plataforma também são muito importantes para a manutenção da diversidade e dos ciclos de vida dos peixes recifais, além de serem essenciais para o suporte da pesca multiespecífica. Os dados disponíveis sobre a distribuição espacial das agregações de desova de peixes recifais corroboram a importância dos bancos de rodolitos, taludes e recifes mesofóticos para a reprodução de espécies de peixes na Paisagem Marinha de Abrolhos, destacando sua importância para a conservação”, enfatizam os pesquisadores.
O estudo ganha relevância especial no momento em que o Brasil se aproxima de cumprir a meta 30×30 do Acordo de Biodiversidade, que prevê a proteção de 30% dos oceanos até 2030. “Nossa análise fornece informações importantes para futuros exercícios de planejamento de conservação e destaca a necessidade urgente de ampliar a proteção de habitats marinhos de alta biodiversidade, não apenas para conservá-los mas também para manter serviços ecossistêmicos essenciais às populações da região dos Abrolhos”, explica Bruno Coutinho, diretor de Gestão do Conhecimento da Conservação Internacional (CI-Brasil). Atualmente, o país já protege cerca de 26% de sua área oceânica.

A região dos Abrolhos – o Banco de Abrolhos, o Banco Royal Charlotte, a Cadeia de Montanhas Submarinas Vitória-Trindade e as Ilhas Oceânicas de Trindade e Martin Vaz – abrange aproximadamente 893.000 km² de ambientes costeiros e marinhos, cobrindo uma das áreas mais extensas de importância biológica ‘Extremamente Alta’ dentre as Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade nas Zonas Costeiras e Marinhas do Brasil, conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente. Foi o primeiro parque nacional marinho do Brasil: Abrolhos é reconhecido como o maior complexo de recifes do Atlântico Sul e considerado o berçário das baleias jubarte, que se reproduzem na região.
A região inclui estuários, manguezais, bancos de rodolitos, montanhas submarinas, ilhas oceânicas e as maiores áreas de recifes de coral do Brasil que, juntos, formam um centro de biodiversidade marinha único no Atlântico Sul, mas, como a pesquisa destaca, apenas partes dos recifes rasos, fundos arenosos, manguezais e estuários da região estão relativamente bem representados nas áreas protegidas atuais.
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Veja o que já enviamosOs cientistas alertam que identificaram “hotspots de biodiversidade que merecem atenção” nas políticas de conservação e no planejamento para a Paisagem Marinha de Abrolhos. “De particular importância são vários habitats-chave que agregam biodiversidade e promovem a conectividade dentro da paisagem marinha, atualmente mal protegidos: recifes rasos e mesofóticos e bancos de rodolitos do Banco Royal Charlotte e da Cadeia de Montes Submarinos Vitória-Trindade, bem como recifes mesofóticos, bancos de rodolitos, buracas e encostas no Banco de Abrolhos”, destaca o texto do estudo. “Nossos resultados subsidiam a tomada de decisões no planejamento de áreas marinhas protegidas e outras medidas de conservação, enfatizando a necessidade urgente de ações de proteção para alcançar a conservação efetiva da biodiversidade e manter os serviços ecossistêmicos na Paisagem Marinha de Abrolhos”, acrescentam os pesquisadores.

Proteção marinha ameaçada
A costa do Brasil apresenta um alto grau de endemismo entre peixes e invertebrados. Suas zonas costeiras abrigam habitats extensos como faixas de manguezais, bancos de rodolitos, recifes de coral e costões rochosos, todos fornecendo serviços ecossistêmicos com importância econômica, ecológica e social crítica. Apesar dessa importância, a integridade dos habitats marinhos e costeiros brasileiros vem diminuindo nos últimos 50 anos.
Recifes próximos à costa foram amplamente destruídos pela urbanização, poluição e sedimentação, e atualmente sofrem com os efeitos das mudanças climáticas. Além disso, a atividade pesqueira não regulamentada levou a numerosas reduções de estoques e à ‘pesca descendente na cadeia alimentar’ em múltiplas localidades costeiras. Tais impactos regionais e locais são ainda mais intensificados pelos impactos globais associados ao clima.
Embora cubra quase 26,5% da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) brasileira total, a atual rede de AMPs do Brasil não atende aos objetivos globais de conservação, especialmente em termos de conectividade e representatividade ecológica, ou proteção da biodiversidade. As AMPs no Brasil estão distribuídas de forma desigual e largamente concentradas em áreas oceânicas desprovidas de habitats rasos, que é onde se encontra a maior concentração de espécies. Metade das ecorregiões marinhas brasileiras têm menos de 10% de sua área sob proteção.
Em escala global, quase 85% das espécies marinhas têm menos de 10% de sua área de distribuição dentro dos limites de AMPs, e mais de 97% das 17.348 espécies marinhas de peixes, mamíferos e invertebrados avaliadas têm menos de 10% de sua área coberta por áreas estritamente protegidas.
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Oscar Valporto
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade