Pernambuco critica liberação de cruzeiros em Fernando de Noronha

Após anúncio feito por presidente da Embratur e senador Bolsonaro, governo estadual vê desrespeito à natureza

Por Oscar Valporto | ODS 14 • Publicada em 4 de março de 2020 - 11:05 • Atualizada em 12 de março de 2020 - 10:10

Morro Dois Irmãos, um dos cartões postais de Fernando de Noronha: volta dos cruzeiros é outra ameaça. Foto de Márcio Cabral (Biosphoto)

Após o governo federal anunciar que decidiu liberar a entrada de cruzeiros marítimos em Fernando de Noronha e ainda instalar novos “recifes artificiais” na área, com naufrágio de embarcações em determinados locais para atrações de mergulho, o governo de Pernambuco, estado onde o arquipélago está localizado, criticou a iniciativa. “A proposta é descabida e não respeita à natureza”, afirmou o secretário estadual de Meio Ambiente, José Bertotti, em entrevista na noite desta terça (3/3), lembrando que o anúncio não foi precedido de estudo técnico ou discussão com especialistas.

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As 21 ilhas do arquipélago abrigam uma biodiversidade única e não podem ser alvo do modelo de turismo predatório sugerido no vídeo publicado pelo senador Flávio Bolsonaro e o presidente da Embratur, Gilson Machado

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Mais cedo, a informação sobre a liberação dos cruzeiros havia sido confirmada pelo senador Flávio Bolsonaro, que visitara a ilha com o presidente da Embratur, Gilson Machado. Em vídeo, Flavio diz que o governo está agindo para “desatar os nós” da legislação e permitir e ampliar a exploração turística de Fernando de Noronha. Gilson Machado afirma que há obteve aprovação para novos recifes artificiais. “Acabamos de aprovar, junto à Marinha, mais 12 pontos novos de naufrágio, para agregar ao turismo de Noronha, como também estamos destravando a volta dos cruzeiros marítimos em Noronha”, afirmou o presidente da Embratur.

Em nota, o governo de Pernambuco atacou a iniciativa. “As 21 ilhas do arquipélago abrigam uma biodiversidade única e não podem ser alvo do modelo de turismo predatório sugerido no vídeo publicado pelo senador Flávio Bolsonaro e o presidente da Embratur, Gilson Machado”, afirma a nota assinada por Bertotti. O secretário afirma ainda que “fica claro como os representantes do governo federal se ocupam muito mais em querer impor um tipo de visitação que não respeita a natureza do que focalizar sua energia em iniciativas que respeitam o meio ambiente ou que ofereçam melhores condições de vida aos moradores do arquipélago”.

Baía dos Porcos, em Fernando de Noronha: ecossistema vulnerável à presença humana. Foto de Márcio Cabral (Biosphoto)
Baía dos Porcos, em Fernando de Noronha: ecossistema vulnerável à presença humana (Foto de Márcio Cabral /Biosphoto)

Em entrevista, Bertotti lembrou que plano de manejo contratado pelo próprio governo federal demonstra que já há um excedente de turistas além do permitido. “Esse modelo é descabido e uma ameaça a um Patrimônio da Humanidade que é Fernando de Noronha”, afirmou. Em 2018, foram recebidos no arquipélago 103 mil turistas, quando, pelo plano de manejo contratado pelo ICMBio, a carga máxima deveria ser de 89.790.

Em reportagem publicada no #Colabora em setembro, quando o presidente Jair Bolsonaro anunciou pela primeira vez a intenção de liberar os cruzeiros, a jornalista Carla Lencastre lembra que a liberação dos cruzeirosO é polêmica em vários outros pontos turísticos do mundo. “A ilha de Palma de Mallorca, uma das mais concorridas durante o quente verão espanhol, pediu a redução dos cruzeiros em seu movimentado porto para apenas um por dia (hoje podem ser mais cinco em um mesmo dia) visando a amenizar o impacto ambiental”.

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A informação de que o governo federal vai ‘autorizar’ a entrada de cruzeiros marítimos em Fernando de Noronha deixa mais uma vez evidente a maneira como a União lida com o meio ambiente. As referidas autoridades desconhecem a existência da limitação do número de visitantes em Fernando de Noronha e as consequências de colocar na ilha mais de 600 pessoas de uma só vez

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Um exemplo mais antigo é o impasse entre Veneza e os transatlânticos, que se estende há mais de uma década. O auge da crise foi em junho passado, quando um imenso navio se chocou com um pequeno barco e quatro pessoas ficaram feridas. Além da questão de segurança, o tráfego das grandes embarcações contribui para a erosão das fundações da cidade. No início de agosto, Veneza pediu a outros oito grandes portos de cruzeiros europeus – Mallorca entre eles – para juntar forças e encontrar soluções que preservem o meio ambiente. Logo depois, o governo italiano anunciou que vai proibir paradas de navios de grande porte no porto ao lado do centro histórico veneziano.

Desde o verão 2013/2014, Fernando de Noronha não recebe cruzeiros marítimos com regularidade. O motivo passa por restrições impostas às operadoras para fretar navios e licenças ambientais. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, o plano do governo federal é liberar visita para embarcações com 600 passageiros ou mais – mesmo até a suspensão, os cruzeiros ao arquipélago levavam, no máximo, 200 passageiros.

Na nota, José Bertotti afirma ainda que “a informação de que o governo federal vai ‘autorizar’ a entrada de cruzeiros marítimos em Fernando de Noronha deixa mais uma vez evidente a maneira como a União lida” com o meio ambiente. “As referidas autoridades desconhecem a existência da limitação do número de visitantes em Fernando de Noronha e as consequências de colocar na ilha mais de 600 pessoas de uma só vez, como acontece no caso dos navios de cruzeiro”, acrescenta o secretário de Meio Ambiente de Pernambuco.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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