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“Parem de nos matar”: protesto indígena dá o tom na abertura dos Diálogos Amazônicos
O cacique Raoni, a presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará, Concita Sompré, e outras lideranças exigiram ação no evento em Belém que antecede a Cúpula da Amazônia
A cerimônia de abertura dos Diálogos Amazônicos, em Belém, foi marcada pelos discursos firmes das lideranças indígenas em defesa dos povos da Amazônia, dos seus direitos e da floresta. “O branco chegou, foi inimigo e, até hoje, é inimigo nosso. Pouca gente ajuda a gente, a maioria é contra nós, indígenas”, afirmou o cacique Raoni Metuktire, 93 anos, líder reconhecido internacionalmente, que discursou em caiapó, lembrou que as mudanças climáticas ameaçam todo o mundo e garantiou que seguirá cobrando do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a demarcação de todas as terras indígenas.
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O evento Diálogos Amazônicos reúne até domingo entidades e líderes da sociedade civil com objetivo de produzir propostas a serem apresentadas aos chefes de Estado da Cúpula da Amazônia, nos dias 7 a 9 de agosto, também em Belém. “Os povos indígenas têm sofrido a violência do agronegócio, os povos indígenas têm sofrido a violência das grandes mineradoras, os povos indígenas têm sofrido a invasão dos territórios para criação do gado”, denunciou Concita Guaxipiguara Sompré, presidente da Federação dos Povos Indígenas do Pará.
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Veja o que já enviamosA líder indígena e professora destacou que vive em um território “esfacelado pelos grandes empreendimentos: rodovia, linha de transmissão de energia, ferrovia e linha de transmissão da linha equatorial. Nós, que éramos donos do espaço, hoje nos tornamos invasores do espaço.”
Concita Sompré pediu a revisão do modelo de desenvolvimento que prevalece na região. “Não aceitamos mais que o minério da nossa terra enriqueça os países de fora do Brasil, deixando a fome e a miséria nos nossos territórios. Parem de nos matar”, denunciou. “Não adianta dizerem ‘basta derrubar as madeiras’, se não nos incluem nos projetos de vida para a construção de um Brasil melhor. Todos são culpados quando se omitem e não nos defendem”, enfatizou a presidente da federação dos povos indígenas do Pará.
Representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna cobrou mais ação dos governos em defesa da Amazônia. A era do desmatamento precisa acabar. Estamos a ponto de chegar ao momento em que a própria floresta amazônica não vai conseguir sua regeneração pela força da natureza. Esse ponto de não retorno, nós precisamos evitar”, destacou. “Não podemos sair daqui sem propostas concretas. Precisamos sair de Belém com compromissos assumidos, com compromissos debatidos coletivamente e assumidos pelos presidentes dos países”, acrescentou Kleber Karipuna.
Além dos movimentos sociais brasileiros, participam dos Diálogos Amazônicos entidades e organizações da Bolívia, Colômbia, Guiana, do Peru e Equador, da Venezuela e do Suriname. A imigrante venezuelana Ana Felicien, do Instituto Venezuelano de Investigações Científicas e do Movimento Pueblo a Pueblo, destacou que o encontro de Belém servirá para dar visibilidade aos movimentos populares de seu país “em um contexto da pior crise e conjuntura histórica mais desafiadora” da Venezuela. “Acreditamos que esse espaço dos Diálogos Amazônicos permitirá uma leitura e a ‘visibilização’ das nossas lutas e dores e que poderemos reforçar esse diálogo e esse entendimento de que um mundo mais justo e saudável é possível”, disse em entrevista à Agência Brasil.
A abertura contou ainda com a participação de líderes políticos e representantes da sociedade civil e a apresentação de manifestações culturais de povos tradicionais da Amazônia. “Há 14 anos que os países que compõem a OTCA não se reuniam. Agora, estamos aqui após tempos de ameaça à democracia, às políticas públicas e a tudo o mais que permite a defesa da justiça social, do meio ambiente e dos direitos humanos, para que todos os segmentos possam fazer esse diálogo e apresentar aos presidentes da República quais são as expectativas da sociedade brasileira para aqueles que vão compor a Cúpula da Amazônia. Daqui teremos uma declaração, e há uma expectativa muito grande que seja uma declaração de esperança”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, durante a cerimônia, transmitida pela Rede Brasil e pelo canal do Governo Federal no Youtube.
Ainda na solenidade de abertura, o governador Helder Barbalho ressaltou que é motivo de orgulho Belém receber a Cúpula da Amazônia e ser, em 2025, a capital do mundo nas discussões sobre mudanças climáticas com a COP30. “A partir do ‘Diálogos Amazônicos’ chamamos a todos aqueles que debatem a Amazônia e falam sobre nós para que possam, com os pés no chão, ouvir as vozes do nosso povo, conhecer um povo lutador e que deseja ser escutado na construção de uma sociedade melhor; uma região sustentável, próspera a partir da integração do maior bioma tropical do planeta aos seus 30 milhões de habitantes”, afirmou.
Quase mil pessoas lotaram o auditório principal do no Hangar Centro de Convenções da Amazônia na cerimônia na noite de sexta-feira (04/08), apresentada pela atriz paraense Dira Paes. Durante o dia, houve mais de 30 debates e mesas-redondas sobre questões relacionadas à região e à Cúpula da Amazônia. “Não é mais aceitável que falem da Amazônia sem os amazônidas. Nós não somos uma região sem gente, são 30 milhões de seres humanos vivendo aqui. Viva as vozes amazônidas que aqui vão se expressar em sua diversidade”, declarou o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade