ODS 1
ONU: 44% das espécies migratórias em declínio; 22% em risco de extinção
Relatório mostra que sobre-exploração e perda de habitat são principais causas; o boto do litoral sul do Brasil entra na lista das espécies em risco
Relatório divulgado durante a conferência da ONU que terminou sábado (17/10) no Uzbequistão, revela que 44% das 1189 espécies migratórias listadas na Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias de Animais Selvagens (CMS, na sigla em inglês) apresentam declínios populacionais e 22% estão ameaçadas de extinção. De acordo com o documento, as duas principais ameaças às espécies migratórias são a sobre-exploração e a perda de habitat devido à atividade humana.
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O relatório State of the World’s Migratory Species foi o primeiro documento com foco nas espécies migratórias de animais selvagens lançado pela ONU. “O relatório nos mostra claramente que as atividades humanas insustentáveis estão colocando em perigo o futuro das espécies migratórias – criaturas que não só atuam como indicadores de mudança ambiental, mas desempenham um papel integral na manutenção e resiliência dos ecossistemas complexos do nosso planeta”, afirmou a diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), a economista e ambientalista dinamarquesa Inger Andersen durante a 14ª reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre a Conservação das Espécies Migratórias da Fauna Selvagem (CMS COP14).
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Veja o que já enviamosBilhões de animais fazem viagens migratórias todos os anos em terra, nos oceanos e nos céus, atravessando fronteiras nacionais e continentes, alguns deles viajando milhares de quilômetros por todo o mundo para se alimentarem e procriarem. As espécies migratórias desempenham um papel essencial na manutenção dos ecossistemas mundiais e proporcionam benefícios vitais – polinizam as plantas, transportam nutrientes essenciais, atacam pragas e ajudam a armazenar carbono.
Os cientistas do Centro de Monitoramento da Conservação Mundial do Pnuma focaram seu estudo nas 1.189 espécies animais que foram reconhecidas pelas dezenas de países signatários da CMS (entre eles, o Brasil) como necessitando de proteção internacional mas também foram analisados dados de mais de três mil espécies migratórios que não estão na lista da convenção.
As espécies listadas na CMS são aquelas que necessitam de uma ação internacional coordenada para melhorar o seu estado de conservação ou evitar o risco de extinção em toda ou grande parte da sua área de distribuição. “As espécies migratórias dependem de uma variedade de habitats específicos em diferentes momentos do seu ciclo de vida. Eles viajam regularmente, às vezes milhares de quilômetros, para chegar a esses lugares. Enfrentam enormes desafios e ameaças ao longo do caminho, bem como nos seus destinos onde se reproduzem ou se alimentam”, disse a secretária-executiva da CMS, a advogada Amy Frankel, especialista em Direito Ambiental. “Quando as espécies atravessam as fronteiras nacionais, a sua sobrevivência depende dos esforços de todos os países onde são encontradas. Este relatório inédito e histórico pode ser a base para ações políticas necessárias para garantir a preservação das espécies migratórias em todo o mundo”, acrescentou Frankel.
O relatório aponta uma situação crítica nos oceanos: quase todos (97%) dos peixes listados na CMS – incluindo tubarões migratórios, raias e esturjões – estão ameaçados de extinção; a sobre-exploração é particularmente dramática entre as espécies marítimas. Na análise geral, os cientistas destacam que sete em cada dez espécies listadas no CMS são afetadas pela sobre-exploração – somando a captura intencional e a captura acidental; e três em cada quatro espécies listadas no CMS são afetadas pela perda, degradação e fragmentação de seu habitat natural por atividades como a agricultura e a expansão da infra-estrutura de transportes e energia.
Alterações climáticas, poluição e aumento das espécies invasoras também são apontados como fatores responsáveis por impactos profundos nas espécies migratórias. De acordo com o relatório da ONU, o risco de extinção está aumentando para as espécies migratórias a nível mundial, incluindo aquelas não listadas no CMS: 399 espécies migratórias ameaçadas (ou quase ameaçadas) de extinção estão atualmente fora da lista – principalmente aves e peixes, incluindo muitos albatrozes e aves empoleiradas, tubarões terrestres e arraias. Entre as espécies listadas e ameaçadas de extinção, estão os gorilas e metade das espécies de tartarugas.
Ao analisar os últimos 30 anos, o relatório aponta que 70 espécies – incluindo a águia das estepes, o abutre do Egito e o camelo selvagem – tornaram-se mais ameaçadas. Isto contrasta com apenas 14 espécies listadas que agora têm um estado de conservação melhorado – estas incluem as baleias azuis e jubarte, a águia marinha de cauda branca e o colhereiro de cara preta. Entre as espécies com declínio populacional significativo, estão pássaros como os maçaricos-de-cauda-barra, que voam mais de 13 mil sem escalas entre o Alasca e a Austrália e o morcego cor de palha , que realiza a maior migração de mamíferos em toda a África.
Entre tantas informações alarmantes, o relatório também mostra que são possíveis recuperações populacionais de espécies migratórias e destaca exemplos de mudanças políticas bem-sucedidas e ações positivas. Os exemplos incluem ações locais coordenadas que permitiram reduzir em 91% o uso de redes ilegais para captura de aves no Chipre, e trabalhos integrados de conservação e restauração extremamente bem-sucedidos no Cazaquistão, que trouxeram o antílope Saiga, que estava à beira da extinção, de volta à paisagem local.
Aos signatários da Convenção, o relatório da ONU recomenda, como prioridade fundamental, mapear e tomar medidas adequadas para proteger os locais vitais que servem como locais de reprodução, alimentação e escala para espécies migratórias. O documento revela que 51% das Áreas Chave para a Biodiversidade identificadas como importantes para os animais migratórios listados na CMS não têm estatuto de proteção e que 58% dos locais monitorados reconhecidos como sendo importantes para as espécies listadas no CMS estão sob ameaça pela atividade humana.
Boto sul-americano entra na lista das espécies mais ameaçadas
No documento final da conferência, os 113 países da CMS decidiram adicionar 14 espécies migratórias à lista de animais que precisam ação internacional coordenada para melhorar o seu estado de conservação ou evitar o risco de extinção. As 14 espécies são o lince euro-asiático, o pelicano peruano, o gato de Pallas, o guanaco, o bagre Laulao, o lince dos Balcãs, a toninha, a tarambola de Magalhães, o abutre-barbudo, o peixe-guitarra-preto, a arraia-touro, a raia-vaca-lusitana, o bagre-dourado e o boto-de-Lahille, presente em águas costeiras próximas à zona de arrebentação e em baías, estuários e lagoas costeiras no Sul do Brasil, no Uruguai e na Argentina.
A proposta de conservar os estimados 600 indivíduos da subespécie boto-de-Lahille (Tursiops truncatus gephyreus) foi feita, em conjunto, por Argentina, Brasil e Uruguai. O boto é endêmico das águas costeiras destes países e seus representantes lembraram seu acentuado declínio no estuário do Rio da Prata e que a espécie foi listada como ‘Vulnerável’ e ‘Em Perigo’ na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza nos países de distribuição. “O Brasil observou que está trabalhando em questões de captura acidental, mas que o declínio populacional só seria interrompido pela cooperação entre todos os país da área de distribuição, que seria reforçada pela adoção desta proposta”, observou a declaração da COP14 CMS.
A conferência também determinou a adoção de um conjunto de medidas mais fortes para a conservação das espécies migratórias, especificamente com propostas de recuperação de populações de espécies ameaçadas e na conectividade. Foi lançada ainda uma parceria global sobre conectividade ecológica conhecida como Parceria Global sobre Conectividade Ecológica (GPEC). Também foram estabelecidas novas medidas para mitigação dos impactos da exploração mineral dos fundos marinhos sobre as espécies migratórias, as suas presas e os seus ecossistemas, e para reforçar o combate às capturas de espécies aquáticas, como pequenos cetáceos, tubarões, tartarugas marinhas e aves marinhas.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade