Investigação do Greenpeace mostra como bancos financiam desmatamento ilegal

Relatório revela destinação de R$ 43 milhões do crédito rural em apenas 12 casos envolvendo propriedades com irregularidades socioambientais

Por Oscar Valporto | ODS 14 • Publicada em 9 de abril de 2024 - 15:06 • Atualizada em 17 de abril de 2024 - 10:12

Gado em fazenda ilegal dentro da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia: bancos públicos e privados financiam propriedades com desmatamento e outras irregularidades (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace)

Investigação do Greenpeace Brasil sobre concessão do crédito rural na Amazônia constatou que bancos públicos e privados, destinaram mais de R$ 43 milhões em crédito rural, entre 2018 e 2023, para 12 casos em áreas com propriedades rurais envolvidas com irregularidades socioambientais – desmatamento ilegal, indícios de grilagem, sobreposição com áreas protegidas e com produção irregular de gado. “Este relatório evidencia a responsabilidade dos agentes financeiros e dos reguladores do sistema financeiro na concessão de recursos que acabam sendo destinados para atividades com irregularidades ambientais e violação de direitos humanos”, afirma o documento divulgado pela organização.

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O relatório “Bancando a Extinção: bancos e investidores como sócios no desmatamento” faz parte de uma campanha internacional do Greenpeace e o estudo brasileiro é resultado de quase um ano de investigação. A organização analisou as propriedades listadas na base do Banco Central que receberam crédito rural na Amazônia e encontrou descumprimentos das regras do Manual de Crédito Rural (MCR), que rege a modalidade de financiamento, falhas no sistema de controle dos bancos, e também lacunas nas normas vigentes, que permitem a destinação de recursos – mais de R$ 40 milhões apenas nos 12 casos analisados em mais profundidade – a propriedades rurais associadas a danos socioambientais.

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Na apresentação do relatório em um webinar, nesta terça (09/12), a gestora ambiental Cristiane Mazzetti, porta-voz do Greenpeace Brasil, explicou que esses 12 casos foram escolhidos porque “ilustram bem as irregularidades e fragilidades”, desde o cumprimento das regras às falhas na regulação. “Nosso trabalho foca no crédito rural, pois trata-se de um importante instrumento da política agrícola brasileira e que possui uma conexão com o dinheiro das pessoas, que certamente não querem financiar a própria extinção. É urgente interromper o direcionamento de recursos para produtores que destroem nossas florestas e violam direitos fundamentais”, afirmou Mazzetti, lembrando que a agropecuária tem outras formas de financiamento também expressivas.

Fazenda Arizona, no Acre: crédito concedido para área com sobreposição à florestapública e sem autorização para desmatamento (Foto: Nilmar Lage / Greenpeace)
Fazenda Arizona, no Acre: crédito concedido para área com sobreposição à floresta pública e sem autorização para desmatamento (Foto: Nilmar Lage / Greenpeace)

De acordo com o estudo do Greenpeace Brasil, foram identificadas 10.074 propriedades, que receberam crédito rural, inseridas parcialmente ou totalmente em Unidades de Conservação. “Não é possível identificar que há irregularidades em todas essas propriedades porque há unidades de conservação que permitem exploração econômica”, frisou Thais Bannwart, da área de campanhas da Amazônia do Greenpeace no webinar. Entretanto, dessas mais de 10 mil propriedades, 41 delas estão em áreas de proteção integral, onde não deveria haver nenhuma atividade econômica, segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC); 24 propriedades estão sobrepostas parcial ou totalmente à sete Terras Indígenas (TIs), e há 21.692 imóveis com sobreposição com florestas públicas não destinadas – que são terras públicas, do povo brasileiro.

Foram encontrados 798 imóveis financiados com embargo do Ibama, mostrando potencial descumprimento com as regras e diretrizes atuais do Banco Central, através do Conselho Monetário Nacional, e a ocorrência de desmatamento recente (entre 2018-2022) em 29.502 propriedades maiores que 1 hectare que obtiveram crédito rural no período analisado. “Há descumprimento das normas atuais e também uma série de lacunas nas normas que orientam a concessão de crédito rural. Os bancos podem e devem fazer mais do que o solicitado no MCR e os reguladores devem editar novas normas para ampliar as exigências de natureza socioambiental e garantir que os recursos do crédito rural não cheguem a áreas com irregularidades. Tais aspectos, juntamente com o monitoramento contínuo das propriedades financiadas, garantirão uma melhor destinação de recursos e maior progresso rumo a meta de zerar o desmatamento”, afirmou Cristiane Mazzetti.

Das 425 instituições que operaram o crédito rural no Brasil em 2022, entre bancos públicos, privados, cooperativas e sociedades de crédito, 164 destas intermediaram contratos na Amazônia Legal. Bancos públicos ocupam os primeiros lugares entre as instituições financeiras que mais operam crédito rural na Amazônia: o Banco do Brasil foi responsável por 44,10% dos contratos (em reais), seguido por Caixa Econômica e Banco da Amazônia, segundo a análise realizada em 2023 pelo Greenpeace com base nos dados do Banco Central.

Fazenda dentro da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia: Banco do Brasil forneceu 24 operações de créditos para 15 propriedades na região (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace)
Fazenda dentro da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia: Banco do Brasil forneceu 24 operações de créditos para 15 propriedades na região (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace)

Casos ilustram irregularidades

Os 12 estudos de casos do relatório – com análise de dados, validações por satélite e de campo e ainda sobrevoos de monitoramento – revelam uma gama de irregularidades. Na Fazenda Arizona, no Acre, metade da área da propriedade está sobre uma floresta pública não destinada de domínio estadual, que teve 420 hectares de vegetação desmatada no período de 2016 a 2022. Mas a fazenda obteve, em 2023, crédito de R$ 1,4 milhão do Banco do Brasil para bovinocultura, além de outras operações de crédito em 2020, 2021 e 2022. O documento destaca lacunas importantes reveladas pelo caso. “A investigação do Greenpeace não encontrou nenhuma autorização de desmatamento para essas áreas, sinalizando que os desmatamentos são ilegais. Mas atualmente a exigência contida no MCR é de vedar crédito apenas a imóveis rurais que tenham embargo ambiental, o que cobre uma porção ínfima dos desmatamentos ilegais, e esse é um dos pontos que exige mudanças”, aponta a organização.

Outro caso marcado por irregularidades é a sequência de financiamentos de propriedades dentro da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em desrespeito à Constituição Federal. “A terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, é hoje um dos casos mais emblemáticos da frouxidão que tem marcado a oferta de crédito que acaba por financiar o crime na floresta”, destaca o relatório do Greenpeace. Os dados revelam que, entre 2018 e 2021, o Banco do Brasil forneceu 24 operações de créditos para 15 propriedades diferentes que possuem, em algum grau, sobreposição com a terra indígena ou com o Parque Nacional de Pacaás Novos, que está na mesma área da terra demarcada.

Na TI Uru-Eu-Wau-Wau, o Greenpeace identificou ainda que o fazendeiro Benedito Chaves Leitão possui duas propriedades ilegalmente sobrepostas ao território: a Fazenda Nosso Canto e uma outra, identificada como “Lotes 54, 56 e 58”, distantes apenas 2.4 km uma da outra. Em 2018, Chaves Leitão obteve crédito rural para “manutenção/criação de animais” para a propriedade “Lotes 54, 56 e 58”, que não tinha sinais de pecuária. Aa vizinha Fazenda Nosso Canto contava com áreas de pastagem: o estudo levanta a possibilidade de que os recursos foram aplicados nela. A investigação mostra que, da Fazenda Nosso Canto, o fazendeiro negociou ao menos 10 remessas de gado com a JBS entre 2019 e 2022.

Fazenda Mato Grosso, no Amazonas: relatório do Greenpeace aponta que "concessão de crédito para extrativismo que acabou em desmatamento de floresta pública não destinada" (Foto: Nilmar Lage / Greenpeace)
Fazenda Mato Grosso, no Amazonas: relatório do Greenpeace aponta que “concessão de crédito para extrativismo que acabou em desmatamento de floresta pública não destinada” (Foto: Nilmar Lage / Greenpeace)

O relatório também destaca os casos das fazendas Barcelona (Acre), Cachoeira Dourada, Floresta e São Miguel (as três no Pará) onde as operações de crédito foram irregulares, pois os imóveis apresentavam embargo do Ibama por desmatamento ilegal. No caso da Fazenda Mato Grosso, no Amazonas, perto da divisa com Rondônia, o Greenpeace identificou a “concessão de crédito para extrativismo que acabou em desmatamento de floresta pública não destinada”.

O relatório destaca que “em muitos casos, os proprietários de fazendas não teriam nenhuma condição de conseguir acesso a crédito, devido a históricos que envolvem descumprimento das normas vigentes, a exemplo de presença de embargos do Ibama; em outros casos, foram evidenciadas situações que mostram a necessidade de aprimorar as regras existentes para garantir que os recursos do crédito rural não cheguem a áreas que tenham desmatamento ou fomentem irregularidades”.

O Greenpeace aponta que o problema não se restringe aos bancos brasileiros. Um estudo que acaba de ser publicado pelo Greenpeace International, em conjunto com as organizações Milieudefensie (Amigos da Terra Holanda), Harvest e apoiada por 17 ONGs, mostra que alguns dos maiores bancos sediados na União Europeia (UE) seguem injetando dinheiro em empresas que colocam em risco florestas tropicais, o Cerrado e outros ecossistemas naturais críticos para o clima.

A campanha global Bancando a Extinção defende que o sistema financeiro seja “imediata e drasticamente reformado” para se adequar à meta de limitar o aquecimento do planeta em 1,5º C (meta do Acordo de Paris) e atender ao Marco Global de Biodiversidade (pacto global firmado em 2022, durante a COP15 de Biodiversidade, que inclui o sistema financeiro em 4 de suas metas para frear a perda de biodiversidade).

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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