Incêndios queimaram 40% do Pantanal em Mato Grosso

Pantanal em chamas em agosto de 2020, com seca histórica: em Mato Grosso, incêndios atingiram 40% do bioma (Foto: Mayke Toscano/Secom-MT)

Balanço do Instituto Centro Vida com dados da Nasa aponta que Parque Nacional do Pantanal teve 83% de sua área atingida pelo fogo em 2020

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 6 de janeiro de 2021 - 09:00 • Atualizada em 8 de janeiro de 2021 - 14:09

Pantanal em chamas em agosto de 2020, com seca histórica: em Mato Grosso, incêndios atingiram 40% do bioma (Foto: Mayke Toscano/Secom-MT)

Balanço produzido pelo Instituto Centro de Vida (ICV), com base em dados da Nasa, revela que Mato Grosso, do início de janeiro de 2020 até 16 de novembro, teve 8,5 milhões de hectares afetados por incêndios, uma área vinte e seis vezes maior que a de sua capital, Cuiabá e equivalente a 9,4% do território total do estado. “O ano de 2020 registrou o pior cenário de ocorrência de incêndios florestais desde 2007”, aponta o documento do ICV, lembrando que o estrago ocorreu apesar de a proibição de queimadas ter sido decretada pelos governos estadual e federal.

De acordo com a nota técnica Balanço dos Incêndios em Mato Grosso em 2020, elaborada pelo ICV com base em dados da plataforma Global Fire Emissions Database, da Nasa (National Aeronautics and Space Administration), cerca de 38% dessas ocorrências se concentraram no bioma Amazônia, com 3,2 milhões de hectares queimados. No bioma Cerrado, foram registrados 36% dos focos de incêndio, com mais de 3,1 milhões de hectares queimados. As áreas com incêndio no Pantanal representaram 25% deste total (2,1 milhões de hectares). “Se considerarmos a proporção entre a área atingida por incêndios e o tamanho do bioma, o Pantanal foi disparado o que mais sofreu pela ação do fogo. As chamas consumiram 40% de toda a área do bioma no estado. O Cerrado mato-grossense teve 9% de sua área atingida e a Amazônia, cerca de 6%”, alerta o balanço do ICV.

Chamas consumiram 40% de toda a área do Pantanal no Mato Grosso; cerrado mato-grossense teve 9% de sua área atingida e a Amazônia, cerca de 6% (Gráfico: IVC)
Chamas consumiram 40% de toda a área do Pantanal no Mato Grosso; cerrado mato-grossense teve 9% de sua área atingida e a Amazônia, cerca de 6% (Gráfico: IVC)

Os autores do documento enfatizam que a situação de calamidade no Pantanal desencadeou uma crise para a biodiversidade e para as populações tradicionais do bioma, que tiveram suas roças e florestas destruídas. “Houve uma tragédia sem precedentes cujos efeitos ainda não sabemos por completo”, avalia Vinícius Silgueiro, coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV e um dos autores da nota técnica.

A faísca é a sensação de impunidade. Tivemos anos de queda nas operações de fiscalização e responsabilização por parte do Ibama, resultante do enfraquecimento do órgão e corte de recursos, também para prevenção e combate aos incêndios

Os incêndios em Unidades de Conservação (UCs) foram responsáveis por 9% do total das áreas queimadas em Mato Grosso: 806 mil hectares. As 10 UCs com as maiores áreas queimadas estão no Cerrado ou no Pantanal, um triste ranking liderado pela Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual das Cabeceiras do Rio Cuiabá, ao norte da capital, com 124 mil hectares atingidos pelo fogo, quase 30% de sua área total; e o Parque Nacional do Pantanal Matogrossense, que teve 112 mil hectares (83%) dos seus 135 mil hectares afetados pelos incêndios.

De acordo com a análise do ICV, o município de Mato Grosso com maior área afetada por incêndios foi exatamente Poconé, no sudoeste do estado, que abriga a maior parte do Parque Nacional do Pantanal Matogrossense. Com 869 mil hectares consumidos pelas chamas, esse município sozinho respondeu por 13% de toda a área atingida diretamente pelo fogo até novembro desse ano no estado. Poconé é seguido pelos municípios Barão de Melgaço e Cáceres, também no Pantanal. Juntas, as três cidades registram quase 30% da área afetada pelo fogo em Mato Grosso, de janeiro de 2020 até 16 de novembro.

Na Amazônia, os meses com maior área destruída pelas chamas foram entre agosto e outubro (71%); no Cerrado e Pantanal, os meses mais críticos foram de julho e setembro, concentrando 73% e 86%, respectivamente, da área queimada (Gráfico: ICV)
Na Amazônia, os meses com maior área destruída pelas chamas foram entre agosto e outubro (71%); no Cerrado e Pantanal, os meses mais críticos foram de julho e setembro, concentrando 73% e 86%, respectivamente, da área queimada (Gráfico: ICV)

O período mais crítico – com maior área atingida pelo fogo – variou entre os biomas: na Amazônia, os meses com maior área destruída pelas chamas foram entre agosto e outubro (71%); no Cerrado e Pantanal os meses mais críticos foram de julho e setembro, concentrando 73% e 86%, respectivamente, da área queimada. “Isso mostra essa diferença ao longo dos meses para cada bioma e indica que o período proibitivo pode ser adaptado às diferentes condições climáticas e suscetibilidade das diferentes regiões”, afirma Silgueiro, que ressalta a importância desses dados para o planejamento e prevenção diante do agravamento da crise climática. “A seca acentuada deste ano no Pantanal é um exemplo”, acrescenta.

Em 2020, com a seca histórica em toda a região, o governo de Mato Grosso adiantou o período proibitivo de queimadas para o dia 1º de julho e o estendeu até o dia 12 de novembro. Além do decreto estadual, uma proibição foi imposta pelo governo federal do dia 15 de julho ao dia 16 de novembro. As medidas se mostraram insuficientes para coibir o avanço das queimadas em Mato Grosso. “A faísca é a sensação de impunidade. Tivemos anos de queda nas operações de fiscalização e responsabilização por parte do Ibama, resultante do enfraquecimento do órgão e corte de recursos, também para prevenção e combate aos incêndios”, aponta o coordenador do ICV.

O balanço dos incêndios também analisou a área queimada por categoria fundiária: maior incidência foi na de imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), responsável por metade dos incêndios mapeados (3,96 milhões de hectares), seguido pelas áreas não cadastradas (1,92 milhão de hectares). A nota técnica do IVC aponta ainda que a maior parte do fogo incidiu sobre áreas de savana e de pastagens no Cerrado (74%) e na Amazônia (39%). No Pantanal, 64% da área atingida por fogo foi registrada em incêndios em florestas e sub-bosques.

As queimadas em florestas e sub-bosques também representaram porcentagem significativa (26%) das áreas atingidas na Amazônia, onde também foi registrada quantidade significativa de fogo em áreas recém desmatadas (29%). Vinicius Silgueiro destaca que somadas as áreas de floresta, sub-bosque e áreas recém-desmatadas na Amazônia compõem a maior parte do que atingido no bioma, com 1,8 milhão de hectares incendiados – 55% de todo o fogo no bioma. “Isso significa que mais da metade da área atingida na Amazônia era de florestas ou de regiões que eram florestas recentemente”, acrescenta o engenheiro florestal e coordenador do ICV. Em geral, o fogo é utilizado para limpeza de áreas onde ocorreu a supressão da vegetação para atividades agropecuárias.

Terras Indígenas (TIs), tiveram 1,3 milhão de hectares atingidos pelo fogo em Mato Grosso (Gráfico/ICV)
Terras Indígenas (TIs), tiveram 1,3 milhão de hectares atingidos pelo fogo em Mato Grosso (Gráfico/ICV)

As Terras Indígenas (TIs), terceira categoria mais afetada, tiveram 1,3 milhão de hectares atingidos pelo fogo. A TI com a maior área afetada por incêndios no estado do Mato Grosso foi o Parque Nacional do Xingu, no bioma Amazônia, com cerca de 224 mil hectares queimados. As cinco TIs mais atingidas na sequência estão localizadas no Cerrado: Parabubure, Pimentel Barbosa, Areões, Paresi e São Marcos.

O coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do IVC frisa que os novos dados podem contribuir tanto no planejamento de ações de combate quanto na apuração de responsabilidades por incêndios criminosos. “Existe uma complexidade muitas vezes para evidenciar a origem e causa do fogo, então se combinadas essas informações com os dados de desmatamento, existe mais materialidade para apontar a criminalidade da ação”, aponta.

As informações e análises da nota técnica serão levados pelo ICV ao Comitê do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Incêndios Florestais no Estado de Mato Grosso (PPCDIF/MT), do qual o instituto participa como membro convidado. “Todas essas informações geradas podem ser úteis para o planejamento de alocação de brigadas de forma estratégica ao longo do estado, no fortalecimento do Corpo de Bombeiros, aquisição de equipamentos”, afirma Vinícius Silgueiro.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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