ODS 1
Governo sabota COP30 e licencia petróleo na Foz do Amazonas; ONGs vão à Justiça


Ibama autoriza perfuração do Bloco 59 a pouco mais de duas semanas do início da conferência do clima, comprometendo liderança de Lula e expondo presidência da COP30


A pouco mais de duas semanas da COP30, o governo brasileiro aprovou, nesta segunda-feira (20/10), a licença de perfuração de petróleo no bloco FZA-M-59, na bacia sedimentar da Foz do Amazonas. A aprovação é uma sabotagem à COP e vai na contramão do papel de líder climático reivindicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cenário internacional. Também cria dificuldades para o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, que precisará explicar o ato aos parceiros internacionais do Brasil.
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A decisão é desastrosa do ponto de vista ambiental, climático e da sociobiodiversidade e, para enfrentá-la, organizações da sociedade civil e movimentos sociais irão à Justiça denunciar as ilegalidades e falhas técnicas do processo de licenciamento, que poderiam tornar a licença nula. “A emissão da licença para o Bloco 59 é uma dupla sabotagem. Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil contrariando à ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis”, Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima. “Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, acrescentou.
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Veja o que já enviamosCientistas, povos indígenas da Bacia Amazônica, parlamentares e sociedade civil vêm reiterando a necessidade de acabar com a expansão de petróleo e gás, sobretudo em áreas de alta biodiversidade, e de criar zonas de exclusão para atividades extrativistas, a fim de proteger ecossistemas críticos para o planeta – começando pela Amazônia. “A Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno, que será irreversivelmente atingido se o aquecimento global atingir 2°C e o desmatamento ultrapassar 20%. Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo. Ao contrário, deixar rapidamente os atuais combustíveis fósseis em exploração é essencial”, destacou o meteorologista e pesquisador Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia.
Para os especialistas, é preciso estabelecer zonas prioritárias de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, protegendo ecossistemas críticos para a vida no planeta. “O agravamento da crise climática, causada pela produção e queima de combustíveis fósseis, não deixa dúvidas de que temos que acelerar a transição energética para produção solar e eólica. O Brasil tem a oportunidade de explorar seu enorme potencial de geração energética solar e eólica e se tornar uma potência mundial em energias sustentáveis”, frisou o físico Paulo Artaxo, integrante do IPCC, especializado em crise climática e Amazônia. “Não devemos desperdiçar esta oportunidade. Abrir novas áreas de produção de petróleo vai auxiliar a agravar ainda mais as mudanças climáticas e certamente isso vai contra o interesse do povo brasileiro”, adicionou Artaxo.
Por sua imensa relevância para o clima e para a biodiversidade, que enfrentam crises globais, a Amazônia deve ser uma dessas zonas de exclusão, tanto para a exploração onshore quanto para a offshore. “É inaceitável que o governo continue promovendo a exploração de petróleo e gás na bacia Amazônica, uma área vital para a proteção do clima e da biodiversidade. Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta”, afirmou Clara Junger, coordenadora no Brasil da Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.
Além de contrariar a ciência, que diz que nenhum novo projeto fóssil pode ser licenciado se quisermos ter uma chance de manter o aquecimento global em 1,5oC, a liberação do petróleo na Foz do Amazonas também se opõe a decisões legais de tribunais internacionais sobre a urgência da interrupção da expansão dos combustíveis fósseis, incluindo deliberações recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Justiça, que reforçam a obrigação legal dos Estados-nação de protegerem o clima. Organizações da sociedade civil adiantaram que vão recorrer ao Judiciário para barrar a licença para a Petrobras explorar petróleo na Foz do Amazonas.
Representantes de ONGs protestaram contra a decisão. “Autorizar novas frentes de petróleo na Amazônia não é apenas um erro histórico, é insistir em um modelo que não deu certo. A história do petróleo no Brasil mostra isso com clareza: muito lucro para poucos, e desigualdade, destruição e violência para as populações locais”, acentuou Ilan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e Caribe. “O país precisa assumir uma liderança climática real e romper com esse ciclo de exploração que nos trouxe até a crise atual. É urgente construir um plano de transição energética justa, baseado em renováveis, que respeite os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, e que garanta a eles o papel de protagonistas nas decisões sobre clima e energia, inclusive na COP30”, acrescentou.
Para o Instituto Talanoa, o início da perfuração marca um retrocesso material e político de grande magnitude. A organização aponta, em nota, que a decisão, às vésperas da COP30, a decisão fragiliza a narrativa de liderança climática e transição energética justa que o Brasil vem tentando projetar. “Ao insistir na abertura de uma nova fronteira petrolífera na Margem Equatorial, o Brasil se afasta das recomendações técnicas para uma transição energética alinhada ao limite de 1,5 °C e compromete a coerência entre seu discurso climático internacional e suas decisões domésticas”, afirma a nota do Talanoa.
A coordenadora da Frente de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade, também protestou contra a licença emitida pelo Ibama nesta segunda-feira. “Às vésperas da COP30, o Brasil se veste de verde no palco internacional, mas se mancha de óleo na própria casa. Enquanto o mundo se volta para a Amazônia em busca de soluções para a crise climática, vemos o Ibama conceder licença para que a Petrobras abra um poço de petróleo em pleno coração do planeta”, destacou. “Não há transição energética possível quando o alicerce é destruição. A decisão de abrir uma nova fronteira exploratória na Foz do Amazonas revela uma lógica de lucro que perpetua desigualdades. A Petrobras tem condições de direcionar seus esforços para uma estratégia verdadeiramente voltada à descarbonização”, acrescentou.
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Observatório do Clima
O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.