Fim de terrenos de marinha traz nova ameaça ambiental

Orla do Leme e Copacabana, no Rio, com construções em terrenos de marinha, pertencentes à União Câmara aprova fim dessas áreas e oposição vê favorecimento à especulação imobiliária (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Oposição aponta interesses da especulação imobiliária na aprovação de emenda constitucional na Câmara dos Deputados

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 24 de fevereiro de 2022 - 10:37 • Atualizada em 1 de dezembro de 2023 - 18:22

Orla do Leme e Copacabana, no Rio, com construções em terrenos de marinha, pertencentes à União Câmara aprova fim dessas áreas e oposição vê favorecimento à especulação imobiliária (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

A pauta antiambiental continua avançando no Legislativo: na noite de terça-feira (22/02), a Câmara dos Deputados aprovou em dois turnos a PEC (proposta de emenda constitucional) 39/2011, que extingue o instituto de terrenos de marinha (faixa territorial de 33 metros ao redor de cursos d’água e do mar), e transfere as propriedades aos seus ocupantes, sejam públicos (estados e municípios) ou privados. Pela proposta, a União ficará com domínio apenas em terrenos de marinha localizados em reservas ambientais ou em regiões estratégicas. “É a privatização do litoral com direito à devastação ambiental. O fim dos terrenos de marinha favorece somente à especulação imobiliária”, protestou o deputado Nilto Tatto (PT/SP).

Para o parlamentar, integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o projeto reforça a agenda de destruição ambiental do governo Bolsonaro. “Vai premiar quem ocupou irregularmente áreas de preservação. Não podemos transferir patrimônio público para favorecer a especulação imobiliária, que está por trás dessa PEC. É uma nova ameaça a áreas de manguezais e restingas”, afirmou Nilto Tatto, fundador e ex-coordenador do Instituto Socioambiental.

O deputado chamou a atenção de outros projetos que servem aos mesmos interesses econômicos: “esta PEC “também dialoga com outro projeto que está na pauta nesta semana, que é a legalização do jogo no Brasil”. Para Tatto, se os jogos de azar forem legalizados, empresas vão querer “terrenos de marinha e praias, que são de propriedade do povo brasileiro, para a construção de resorts, de grandes hotéis”, protestou, lembrando ainda de projeto em tramitação que permite a privatização das praias.

No ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que altera o Código Florestal e transfere para os municípios a atribuição de definir as ocupações de Áreas de Preservação Permanente (APPs) em áreas urbanas. A boiada antiambiental enfrentou protestos da oposição e de ambientalistas, que consideram essas áreas fundamentais para o controle de inundações, assoreamento, erosão e poluição, além de garantir a qualidade e a quantidade dos mananciais de água.

A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) também defendeu a manutenção dos terrenos de marinha como bens da União. “Essas áreas são aliadas estratégicos não apenas para a adaptação às mudanças climáticas, mas também para a redução da vulnerabilidade da zona costeira frente aos eventos externos e ao aumento do nível do mar”, afirmou a parlamentar indígena.

Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP) criticou o projeto, temendo pelo seu impacto ambiental. “Simplesmente acabar com o instituto dos terrenos de marinha significa tirar ilhas inteiras, áreas de manguezais, áreas de restingas e praias da mão da União, e deixar nas mãos da especulação. Nós precisamos que essas áreas sejam mantidas livres, são áreas sujeitas a inundações”, declarou.

O líder ambientalista admite que o atual modelo de controle de áreas costeiras, por meio da cobrança de laudêmio, não atende a necessidade de proteção do meio ambiente. “Mas é o sistema que nós temos. No dia seguinte que a gente acabar com os terrenos de marinha, vamos permitir uma ocupação desenfreada dessas áreas”, alertou Agostinho.

Liberação de cobrança sobre construções costeiras

A PEC transfere gratuitamente a estados e municípios os terrenos de marinha ocupados pelo serviço público desses governos e, mediante pagamento, aos ocupantes particulares. A União ficará apenas com as áreas não ocupadas, aquelas abrangidas por unidades ambientais federais e as utilizadas pelo serviço público federal, inclusive para uso de concessionárias e permissionárias, como para instalações portuárias, conservação do patrimônio histórico e cultural, entre outras.

Caso a PEC seja aprovada no Senado, a União não mais cobrará foro ou taxa de ocupação dessas áreas ou laudêmio quando da transferência de domínio. Dessa forma, áreas não ocupadas, se o forem no futuro, continuam sob domínio da União, mas os ocupantes não pagarão mais essas taxas ao governo federal, embora continuem com as obrigações da legislação pertinente. A oposição queixou-se que a base governista aproveitou a polêmica sobre o laudêmio pago em Petrópolis (à empresa dos descendentes do imperador Pedro II) para aprovar a proposta – que não mexe no laudêmio de Petrópolis, mas facilita o comércio dos terrenos costeiros.

Essas áreas não ocupadas, se requisitadas pelos municípios para fins de expansão do perímetro urbano, poderão ser transferidas desde que atendidos os requisitos exigidos pelo Estatuto da Cidade e demais normas gerais sobre planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

Se a PEC for aprovada também no Senado, os proprietários de 600 mil imóveis poderão comprar a parcela da União em suas áreas e ficarão livres da taxa de foro, paga todo ano, e do laudêmio na transferência de titularidade. Ambas rendem R$ 1 bilhão anual à União. Atualmente, os terrenos de marinha estão listados na Constituição Federal como bens da União e estão definidos pelo Decreto-Lei 9.760/46 com base na linha da preamar média (média das marés altas) de 1.831, ocupando uma faixa de terra de 33 metros ao longo de toda a costa brasileira.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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