“Trinta até trinta”. Depois de duas semanas de negociação, os 196 países participantes da COP15 (a 15ª Conferência da Convenção da Biodiversidade da ONU) aprovaram nesta segunda-feira (19/12), em Montréal, Canadá, o Marco Global da Biodiversidade, acordo que prevê a conservação global de ao menos 30% das terras, águas doces e oceanos até 2030. O texto, que reconhece ainda os direitos dos povos indígenas e seu papel na proteção de territórios, foi recebido com entusiasmo e considerado como o equivalente para a biodiversidade à meta de 1,5ºC sobre o clima, fixada no Acordo de Paris.
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Mas nem só por aplausos foi marcada a sessão de aprovação: nações africanas lideraram protestos e objeções ao texto final, discordando das metas de financiamento e exigindo mais participação dos países ricos no aporte às ações de conservação da biodiversidade a serem desenvolvidas nos países em desenvolvimento. O texto final prevê que os países ricos devem contribuir com US$ 25 bilhões por ano até 2025, e US$ 30 bilhões anuais até 2030 em financiamento público.
Minutos depois de o representante da República Democrática do Congo apresentar sua objeção, Huang Runqiu, ministro da Ecologia e Meio Ambiente da China, que presidia a plenária, bateu o martelo e declarou o acordo aprovado. Os representantes de Camarões e Uganda declararam, segundo o Climate Home News, insatisfação com a aprovação do texto nesses termos. A liderança compartilhada entre Canadá e China nesta Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade foi a solução encontrada após dois anos de adiamentos por conta da pandemia: inicialmente, a cúpula ocorreria em Kunming, na China, em 2020.
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Veja o que já enviamosAs negociações para o acordo final se prolongaram até a manhã de hoje, quando a sessão final começou. No centro da polêmica, mais uma vez, está a resistência dos países ricos em assumir a parte que lhes cabe nas ações de proteção e recuperação da degradação ambiental global. A meta global de financiamento para ações de conservação, considerando fontes públicas e privadas, foi fixada em US$ 200 bilhões por ano. Os países em desenvolvimento demandavam que ao menos metade disso — US$ 100 bilhões anuais — fossem garantidos em investimentos dos países ricos nos países pobres. O montante é quatro vezes maior do que o aprovado até 2025.
Além da garantia de 30% da superfície protegida e das metas de financiamento, o Acordo Kunming-Montreal propõe restaurar 30% das terras degradadas, cortar pela metade os riscos ligados ao uso de agentes químicos e pesticidas e reduzir em 50% o desperdício global de alimentos até 2030. Outra meta é a redução progressiva, nesse mesmo prazo, dos subsídios governamentais a atividades que degradam a biodiversidade, considerando um piso mínimo de US$ 500 bilhões ao ano.
Organizações ambientalistas celebraram o acordo. Para a rede Climate Action Network, o acordo pode ser “o começo de um novo capítulo – depois de uma década de esforços fracassados – para acabar com a devastação da natureza e dos ecossistemas, e uma oportunidade global renovada para a transformação da relação das sociedades com a natureza até 2030”. A rede de ONGs considerou, ainda, que a experiência de condução conjunta entre Canadá (como anfitrião) e China (presidindo a cúpula) marcou positivamente a COP15, sinalizando um avanço na governança global para o ambiente. No entanto, destaca que, para sair do papel, o Acordo Kunming-Montréal depende crucialmente da implementação em cada país, o que demanda a elaboração de mecanismos de acompanhamento e aceleração das metas.
O WWF (World Wildlife Fund) também saudou a meta do acordo de conservar pelo menos 30% da terra, da água doce e dos oceanos. “Acordar uma meta global compartilhada que orientará ações coletivas e imediatas para deter e reverter a perda da natureza até 2030 é um feito excepcional para aqueles que estão negociando o Marco Global de Biodiversidade e uma vitória para as pessoas e o planeta. Ele envia um sinal claro e deve ser a plataforma de lançamento para ações de governos, empresas e sociedade para a transição para um mundo positivo para a natureza, em apoio à ação climática e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, afirmou Marco Lambertini, diretor-geral do WWF.
Lambertini alertou, entretanto, sobre as ameaças ao Marco Legal da Biodiversidade. “O acordo representa um marco importante para a conservação do nosso mundo natural, e a biodiversidade nunca esteve tão no topo da agenda política e empresarial, mas pode ser prejudicada pela lentidão na implementação e falha na mobilização dos recursos prometidos. Também carece de um mecanismo de catraca obrigatório que responsabilize os governos por aumentar a ação se as metas não forem cumpridas. Devemos agora ver a implementação imediata deste acordo, sem desculpas, sem atrasos.” acrescentou o dirigente do WWF.
A presidente da União Europeia, Ursula van der Leyen, afirmou que o acordo estabelece uma boa base para a ação global sobre a biodiversidade, complementando o Acordo de Paris para o Clima. “É muito positivo que tenhamos metas mensuráveis, ou seja, proteger 30% das áreas terrestres e marinhas globais e restaurar 30% dos ecossistemas degradados, bem como um mecanismo para financiar sua implementação com o Fundo Global para a Biodiversidade”, destacou, em nota, a presidente da UE.
Dirigentes da Organização das Nações Unidas também saudaram o Acordo Kunming-Montréal. “Finalmente estamos começando a fazer um pacto de paz com a natureza”, disse o secretário-geral Antonio Guterres em entrevista na sede da ONU. “Garanto a todos que as Nações Unidas estão prontas para apoiá-los na rápida implementação do Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal. Mas todos nós sabemos que este é o primeiro passo – vamos parar por apenas um segundo para abraçar a história que fizemos aqui em Montreal – e agora vamos começar a entregar as ações estruturais – para as pessoas e para o planeta”, disse a diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen, no final da COP15.