Mito, multas e mentiras

Presidente eleito e seus ministros inflam valores arrecadados por infrações ambientais e acusam Ibama e ICMBio de alimentarem uma indústria

Por Liana Melo | ODS 14ODS 15 • Publicada em 30 de dezembro de 2018 - 08:11 • Atualizada em 2 de janeiro de 2019 - 19:04

Agents of the Instituto Brasileno de Medio Ambiente (IBAMA) inspect a boat of indigenous brazilian Ticunas, 28 October 2000, in Rio Javari, on the border with Peru, and in front of the city of Tabatinga, Brazil. The IBAMA controls fishing in the region in order to prevent extinction.AFP PHOTO/Antonio SCORZA Agentes deI Instituto Brasileno de Medio Ambiente (IBAMA) inspeccionan a un barco de indigenas brasilenos Ticunas, el 28 de octubre de 2000 en el Rio Javari, en la frontera fluvial con Peru, y frente a la ciudad de Tabatinga, en la Amazonia, Brasil. El IBAMA trata de controlar la pesca en la region preservando especimenes como el Tucunare (en la foto), caracterisico de estas aguas, amenazado de extincion. AFP PHOTO/Antonio SCORZA (Photo by ANTONIO SCORZA / AFP)
Agents of the Instituto Brasileno de Medio Ambiente (IBAMA) inspect a boat of indigenous brazilian Ticunas, 28 October 2000, in Rio Javari, on the border with Peru, and in front of the city of Tabatinga, Brazil. The IBAMA controls fishing in the region in order to prevent extinction.AFP PHOTO/Antonio SCORZA Agentes deI Instituto Brasileno de Medio Ambiente (IBAMA) inspeccionan a un barco de indigenas brasilenos Ticunas, el 28 de octubre de 2000 en el Rio Javari, en la frontera fluvial con Peru, y frente a la ciudad de Tabatinga, en la Amazonia, Brasil. El IBAMA trata de controlar la pesca en la region preservando especimenes como el Tucunare (en la foto), caracterisico de estas aguas, amenazado de extincion. AFP PHOTO/Antonio SCORZA (Photo by ANTONIO SCORZA / AFP)Agents of the Instituto Brasileno de Medio Ambiente (IBAMA) inspect a boat of indigenous brazilian Ticunas, 28 October 2000, in Rio Javari, on the border with Peru, and in front of the city of Tabatinga, Brazil. The IBAMA controls fishing in the region in order to prevent extinction.AFP PHOTO/Antonio SCORZA Agentes deI Instituto Brasileno de Medio Ambiente (IBAMA) inspeccionan a un barco de indigenas brasilenos Ticunas, el 28 de octubre de 2000 en el Rio Javari, en la frontera fluvial con Peru, y frente a la ciudad de Tabatinga, en la Amazonia, Brasil. El IBAMA trata de controlar la pesca en la region preservando especimenes como el Tucunare (en la foto), caracterisico de estas aguas, amenazado de extincion. AFP PHOTO/Antonio SCORZA (Photo by ANTONIO SCORZA / AFP)
Atuação dos fiscais do Ibama no Rio Javari, na região Norte do país. Foto de Antonio Scorza/ AFP

Ainda durante a campanha eleitoral, o presidente eleito Jair Bolsonaro disparou diatribes contra a agenda ambiental. Não demorou muito tempo para trocar as ameaças por um ataque frontal, que cresce à medida que monta sua equipe e se aproxima a data de sua posse. A mais recente frente de batalha é contra o que Bolsonaro chamou inúmeras vezes, e em diferentes ocasiões, de a “indústria de multas sobre os produtores rurais”. Números anabolizados sustentam a denúncia, de que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) emitem multas que somam entre R$ 14 bilhões a R$ 15,3 bilhões anuais. São valores de quatro a cinco vezes superiores aos dados oficiais, que incluem pequenas violações a grandes crimes ambientais envolvendo mineração ilegal, desmatamento e extração de madeira.

“Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio. Essa festa vai acabar”, afirmou o presidente, enquanto participava, há uma semana, de solenidade de formatura de cadetes aspirantes a oficial do Exército na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), na cidade de Resende, no Rio de Janeiro. Sua tese se baseia em números defendidos pelo futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e pela próxima ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que, por liderar a campanha pela liberação do uso dos agrotóxicos, ficou conhecida como a “musa do veneno”. Ambos receberam de empresas autuadas pelo Ibama R$ 300 mil durante a campanha eleitoral.

Aos fatos: todos anos, o Ibama realiza, em média, 1,4 mil operações de fiscalização de crimes ambientais em todo o país, o que gera um total de multas de cerca de R$ 3 bilhões – valor que se manteve estável na última década. Apenas 1/3 delas são pagas, o que gera um passivo ambiental de R$ 38 bilhões. Como, historicamente, a maior parte das multas efetivamente pagas é de menor valor, o arrecadado não passa de 5% do total lavrado. Nenhum valor arrecadado com essas multas ambientais se destina a engordar o caixa do órgão: 20% vai para o Fundo Nacional do Meio Ambiente e o restante é repassado à União.

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Para mudar este cenário e aumentar a arrecadação, em 2017, foi aprovado um decreto que possibilita o infrator converter sua dívida em serviço ambiental, o que, à época, foi interpretado como um afago do presidente Michel Temer à bancada ruralista. Ficou definido que a conversão da dívida pode ser feita de forma direta ou indireta. Se o infrator optar pela forma direta, ele fica obrigado a implementar algum projeto de preservação e terá um desconte de até 35%. Na segunda opção, a forma indireta, o desconto chega a 60%, e o dinheiro será aplicado em projetos de recuperação ambiental definidos pelo próprio Ministério do Meio Ambiente. Em apenas seis meses, algumas empresas autuadas pelo Ibama converteram suas dívidas com vistas a receberem o desconto previsto em lei. O volume arrecadado foi de R$ 2,5 bilhões, o que, com o desconto, caiu para R$ 1,5 bilhão – um valor pouco mais de quatro vezes o orçamento do órgão, que é de R$ 350 milhões anuais.

Cenário de destruição em Bento Ribeiro, quatro dias após o rompimento da barragem, a 70 km de Mariana
Cenário de destruição em Bento Ribeiro, quatro dias após o rompimento da barragem, a 70 km de Mariana (Foto AFP)

Os recursos oriundos da conversão da dívida serão aplicados na revitalização de nascentes nas microbacias hidrográficas do Rio São Francisco. Apesar do mimo concedido aos infratores – a Petrobras, uma da empresas que encabeçam a lista dos maiores devedores, apoiou a aprovação do decreto presidencial. Nem assim, a encrenca ambiental foi sanada. A adesão é voluntária e muitas empresas preferem mesmo é recorrer, recorrer, recorrer… Criando, na prática, um processo de judicialização, que deixa o meio ambiente à míngua.

A Samarco, responsável pelo acidente ambiental em Mariana, onde morreram 19 pessoas e o desastre deixou um rastro de destruição ao longo de 600 quilômetros entre Minas Gerais e Espírito Santo, perdeu em todas as instâncias e, ainda assim, não honrou a multa com o Ibama. Se, como deputado federal, Bolsonaro não conseguiu retaliar os dois órgãos; como presidente, tudo indica que, da retórica à prática, a estratégia de guerra que pretende adotar será tão eficaz quanto um tiro de canhão.

Autuado por pesca ilegal em 2012 numa estação ecológica protegida por lei, o então parlamentar defendeu o desarmamento dos fiscais do Ibama e do ICMBio em ações de campo – proposta que vai de encontro ao seu discurso em defesa da liberação das armas para a população. À época, a multa foi de R$ 10 mil e, até hoje, não foi paga.

Caso o nome que venha a ser indicado para o Ministério do Meio Ambiente – do qual fazem parte o Ibama e o ICMBio – siga a mesma lógica que orientou a escolha do chanceler Ernesto Araújo, os crimes ambientais poderão ser relativizados. O futuro ministro das Relações Exteriores já disse que o que pensa sobre a mudança climática: “um dogma científico influenciado por uma cultura marxista“. Resta esperar sobre as futuras declarações do próximo ministro do Meio Ambiente.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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Um comentário em “Mito, multas e mentiras

  1. TADEO DA SILVA. disse:

    Destruição total, irremediável do ser humano na sua dignidade, e no seu tempo de vida neste planeta. Por culpa exclusiva de aglomerado de pessoas e empresas multinacionais que só veem cifrão nas coisas, e, que usam seus subalternos tipo Bolsonaro, parlamentares corrompidos por eles, magistrados que se omitem ao não julgarem isentos de parcialidade, grande mídia que ao invés de serem isentas, portam-se descasradamente do lado dos que lhes sustentam. Tudo para fazer valer a voracidade do grande capital Nacional e Internacional

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