Biodiversidade: plano da COP16 prevê US$ 200 bilhões anuais para proteger natureza

Negociadores comemoram acordo para roteiro de financiamento até 2030; ambientalistas veem passo importante mas alertam sobre desafios à frente

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 1 de março de 2025 - 07:35 • Atualizada em 1 de março de 2025 - 10:03

Susana Muhamad (esquerda), presidente da COP16 da Biodiversidade puxa aplausos para acordo aprovado em Roma: roteiro para chegar a US$ 200 bilhões anuais para proteger a natureza (Foto: Mike Muzurakis / IISD-ENB)

A sessão estendida da COP16 – a Conferência de Biodiversidade da ONU, que começou em novembro e foi retomada no fim de fevereiro – foi concluída com compromissos para o levantamento dos fundos necessários para proteger a natureza e as instituições responsáveis para canalizar o financiamento para as nações mais pobres. As negociações sobre biodiversidade da COP16 adotaram roteiro financeiro para os próximos anos: os países concordaram em mobilizar US$ 200 bilhões (cerca R$ 1,2 trilhão de reais) por ano em financiamento para a natureza até 2030, incluindo US$ 30 bilhões de governos ricos para os mais pobres.

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Pelo novo roteiro financeiro acordado em Roma, até a COP18 em 2028, os países se comprometeram a “identificar e implementar medidas para aprimorar o financiamento global da biodiversidade para mobilizar recursos novos e adicionais de todas as fontes”. Nessas negociações da COP16 – das quais os Estados Unidos de Donald Trump não participaram – os países concordaram em discutir as “oportunidades para ampliar a base de contribuintes” até a COP17 do ano que vem.

Esses dias de trabalho em Roma demonstraram o comprometimento das partes em avançar na implementação do Quadro Global de Biodiversidade. Somente trabalhando juntos podemos tornar a Paz com a Natureza uma realidade

Susana Muhamad
Presidente da COP16 e ministra do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável da Colômbia

Quando a reunião plenária final terminou, já na madrugada de sexta-feira (28/02), os participantes se levantaram e aplaudiram os resultados. “Anuncio oficialmente que demos pernas, braços e músculos ao Quadro de Biodiversidade Kunming-Montreal”, afirmou a presidente da COP16, Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável da Colômbia, aplaudida de pé, efusivamente, pela plateia de negociadores. “Os aplausos são para todos vocês. Vocês fizeram um trabalho incrível”, acrescentou.

O acordo de Kunming-Montreal, fechado em 2022, prevê 23 metas a serem alcançadas até 2030, incluindo garantir a conservação de 30% da terra, mar e águas interiores; restaurar 30% dos ecossistemas degradados pela ação humana; reduzir pela metade a introdução de espécies invasoras; e reduzir US$ 500 bilhões/ano em subsídios prejudiciais à natureza.

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Apesar do roteiro de financiamento aprovado requerer etapas difíceis a serem superadas, a conclusão da COP foi considerada bem-sucedida – foi a primeira reunião das Nações Unidas em muitos meses que terminou com uma nota positiva, já que as reuniões ao longo de 2024 relacionadas ao tratamento da poluição global por plástico, na Coreia do Sul; às mudanças climáticas na COP29 em Baku (Azerbaijão) e à própria primeira sessão sobre biodiversidade em Cali não conseguiram chegar a acordos ou deixaram muitas partes decepcionadas com os resultados. No início do encontro em Roma, os países já haviam lançado o Fundo Cali, criado para compartilhar os benefícios financeiros decorrentes da exploração, pela iniciativa privada, de recursos genéticos da biodiversidade.

Em um momento geopolítico complicado, esta é uma demonstração emocionante de progresso e cooperação internacional para a natureza. Por mais tecnocráticos que possam parecer, esses são os detalhes que transformarão as ambições no papel em ações de conservação tangíveis

Linda Krueger
Diretora de políticas de Biodiversidade e Infraestrutura da TNC

A reunião de três dias da COP16 da biodiversidade em Roma abordou questões que ficaram sem solução nos debates em Cali, no final de 2024: o foco principal era garantir fundos para atingir metas ambiciosas definidas em Montreal em 2022. As reuniões de Cali terminaram sem quórum, pois as negociações se estenderam e poucos delegados permaneceram para garantir que quaisquer decisões tomadas tivessem o apoio de todos os estados-membros da ONU. “Esses dias de trabalho em Roma demonstraram o comprometimento das partes em avançar na implementação do Quadro Global de Biodiversidade”, disse Susana Muhamad, acrescentando que o esforço coletivo de todas as partes interessadas resultou no acordo sobre as principais decisões. “Somente trabalhando juntos podemos tornar a Paz com a Natureza uma realidade”, acrescentou.

Ambientalistas e outros observadores viram aspectos positivos no acordo mas fizeram ressalvas. “Simplesmente, não temos chance de interromper e reverter a perda de biodiversidade sem acelerar e aumentar exponencialmente a entrega de financiamento para as áreas mais importantes para a biodiversidade”, disse Brian O’Donnell, diretor do grupo Campaign for Nature (Campanha pela Natureza). “Esta decisão de hoje estabelece um roteiro. Agora, cabe aos líderes em todo o mundo priorizar ações urgentes para a natureza”, acrescentou, em entrevista à Climate Home News.

Linda Krueger, diretora de políticas de Biodiversidade e Infraestrutura da TNC (The Nature Conservancy, ONG ambientalista) disse que, em Cali. muitas partes sentiram que os fundos criados para apoiar a biodiversidade não atendiam às metas originais que esperavam. Mas, em Roma, os negociadores conseguiram concordar com um “roteiro financeiro” que permitiria cumprir as obrigações originais planejadas. “Em um momento geopolítico complicado, esta é uma demonstração emocionante de progresso e cooperação internacional para a natureza”, afirmou Linda Krueger à agência AP. “Por mais tecnocráticos que possam parecer, esses são os detalhes que transformarão as ambições no papel em ações de conservação tangíveis no terreno”, frisou.

Presidente-executivo da The Common Initiative (Iniciativa Comum, ONG com foco em biodiversidade), Oscar Soria disse que a decisão dos negociadores da ONU marcou “um passo positivo” em direção ao financiamento de esforços de biodiversidade, definindo metas claras e um processo de revisão. “No entanto, a eficácia dependerá da implementação dos compromissos, da disponibilidade de financiamento e da vontade política dos países de aumentar suas contribuições”, argumentou.

Especialistas estimam que haja uma lacuna de US$ 700 bilhões no financiamento para a proteção da natureza a cada ano. O novo roteiro para 2030 – com a previsão de mobilização de R4 200 bilhões anuais de todas as fontes financeiras disponíveis, incluindo orçamentos governamentais, setor privado e bancos multilaterais de desenvolvimento – sofreu resistências de alguns países em desenvolvimento que acabaram superadas. Jill Hepp, líder de financiamento de biodiversidade na Conservation International, destacou que foi quebrado um “impasse político de longa data”, com o acordo da COP16 em Roma. “Agora que há um caminho a seguir sobre como o financiamento fluirá, todos nós devemos tomar medidas ambiciosas para atingir nossos objetivos coletivos”, acrescentou Hepp em um comunicado.

Embora as principais questões relacionadas ao financiamento só tenham sido finalmente acordadas na reunião estendida em Roma, as negociações da COP16 na Colômbia, em novembro, avançaram em temas importantes, incluindo um acordo histórico que exige que as empresas que lucram com recursos genéticos naturais, como o desenvolvimento de medicamentos a partir de plantas da floresta tropical, compartilhem esses benefícios. Também houve progresso em direção ao fortalecimento do papel dos povos indígenas e comunidades locais nos esforços de conservação.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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